‘Turbulência em eventual governo Temer pode frustrar otimismo do mercado’, prevê brasilianista
Diante do impasse político e aprofundamento da crise econômica no Brasil crescem as apostas de setores industriais e tomadores de decisão de que um eventual governo chefiado pelo atual vice-presidente Michel Temer recoloque o país nos trilhos do crescimento e volte a atrair investimentos estrangeiros.
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Mas para o brasilianista Brian Winter, vice-presidente da Americas Society e editor-chefe da publicação acadêmica Americas Quarterly, baseada em Washington, o otimismo não tem levado em conta uma série de fatores e incertezas que cercam um cenário pós-impeachment no país.
Em entrevista à BBC Brasil, o especialista avalia que o “fervor” em torno de um governo Temer pode dar lugar à surpresa e frustração caso o Partido dos Trabalhadores opte por uma linha de oposição combativa, levando sindicatos e movimentos sociais às ruas.
Ex-correspondente internacional no Brasil, México e Argentina por dez anos, Winter também ressalta que a retomada do crescimento e dos investimentos estrangeiros passa por reformas estruturais dolorosas e impopulares.
Veja os principais trechos da entrevista:
BBC Brasil – Na sua opinião como os últimos desdobramentos da crise política e econômica no Brasil devem impactar os rumos do país e como estão sendo enxergados por outros países?
Brian Winter – O que está acontecendo no país neste momento em termos de instabilidade política e derrocada econômica só pode ser comparado ao que vi na Argentina em 2001 e 2002, mas ainda acho que o que aconteceu na Argentina na época do default (calote da dívida) foi pior do que o que ocorre no Brasil agora. Acho que para o Brasil há uma esperança de que o país saia deste processo mais forte, com uma economia mais sólida e uma cultura mais forte do Estado de direito e transparência. E isso é muito diferente do que aconteceu na Argentina. Quinze anos após o default os argentinos ainda não se recuperaram totalmente da crise.
Apesar da crise, o Brasil merece um crédito enorme pelo que ocorreu nos últimos anos. Foram 40 milhões de pessoas saindo da pobreza e uma visível queda no nível de desigualdade. Dito isso, o país chegou a um ponto agora em que deve focar no futuro. Em meio à crise, você ouve pessoas do governo falando como se estivessem citando os “melhores sucessos” de 2009, se apoiando em grandes feitos de sete anos atrás, quando o momento atual exige olhar para frente.
BBC Brasil – O senhor acredita que esta guinada da situação econômica pode acontecer ainda com a presidente Dilma no poder?
Winter – Falar na necessidade de uma nova época de crescimento não significa falar automaticamente numa mudança de governo. Eu acho que será muito difícil que isso ocorra com a continuidade do governo atual, mas não é impossível. Seria necessário mudar totalmente a filosofia. Dilma tentou mudar um pouco os rumos ao nomear Joaquim Levy como ministro da Fazenda, mas o contexto político não estava atuando em favor dela e é claro que ela estava num país muito polarizado após as eleições de 2014.
O que é necessário para que o país volte a crescer são coisas como uma reforma fiscal, reforma da legislação trabalhista, reforma na educação em todos os níveis, mas não se escuta falar de nada disso no Brasil ultimamente.
BBC Brasil – E com um eventual governo Temer, no cenário pós-impeachment, quais seriam as reais possibilidades de implementar reformas, retomar o crescimento e atrair investimentos estrangeiros, como apostam líderes empresariais e grande parte do mercado?
Winter – Vai depender muito de como Dilma e o PT vão reagir ao impeachment caso ela seja de fato afastada. O quanto o PT está disposto a “botar fogo na casa” antes de sair pela porta? Quais serão as metas fiscais no momento em que ele assumir? Quantos e quais sindicatos estarão nas ruas? O MST estará acampado em frente ao Planalto? Veremos piquetes de rua em São Paulo, Rio e Brasília, como na Argentina? São questões que serão decididas por Dilma, Lula, CUT, sindicatos e movimentos sociais nas próximas semanas, de acordo com o resultado do processo de impeachment.
Quanto ao Congresso acho que Temer teria relativo apoio, e teria que lidar com o empresariado que estará faminto por suas políticas. De forma geral acho que ele teria apoio das elites e da classe média, e até de parte da classe trabalhadora. As pesquisas de opinião têm mostrado que os mais pobres têm apoiado o impeachment tanto quanto os mais ricos. Eu acho que a reação negativa poderá vir essencialmente dos grupos que tradicionalmente se alinham ao PT.
Os obstáculos são um grande risco que muitos investidores não estão levando em conta neste momento. Há um fervor em se livrar do PT rapidamente e o mercado acredita que, filosoficamente, um governo Temer seria mais voltado ao empresariado. Eles estão certos, mas esquecem de levar em conta a dúvida sobre o apoio popular e as condições necessárias para começar a colocar a casa em ordem.
BBC Brasil – As maiores dificuldades de um eventual governo Temer seriam essencialmente políticas?
Winter – Os problemas do Brasil no momento são bem graves, com uma economia na sua pior recessão dos últimos 80 anos. Apesar disso, o principal obstáculo que um eventual presidente Michel Temer teria que ultrapassar seria, sim, essencialmente político. Ele teria que lidar com uma oposição raivosa do PT, inclusive nas ruas, defendendo que Dilma foi deposta por meio de um golpe. Movimentos sociais e sindicatos nas ruas, com capacidade de grande destruição, podem defender que qualquer movimentação dele seja inconstitucional, ilegítima e injusta para a classe trabalhadora. Isso porque muitas das medidas necessárias para consertar a economia brasileira serão dolorosas e impopulares no curto prazo, e é justamente por isso que elas não foram implementadas nos últimos dez anos.
O mercado tem sido muito otimista até o momento em sua avaliação do que um eventual governo Temer será capaz de concretizar. Os principais investidores e tomadores de decisão do mercado estão tão focados em se livrar de Dilma que não foram capazes de realmente avaliar as condições que Temer encontrará no país para tentar governar.
BBC Brasil – Quando você fala em “consertar a economia” do Brasil, sobre quais mudanças e reformas está falando?
Winter – Eu diria que o consenso, em ordem de prioridade, seria a reforma fiscal e uma guerra contra a burocracia, que traz inconvenientes pessoais para a vida dos brasileiros, mas tem efeitos devastadores para as pequenas empresas e empreendedores. Além dessas, a reforma trabalhista, uma reforma previdenciária, e uma maior abertura para o comércio exterior. É claro que o Brasil jamais será um país como o Chile ou a Colômbia em termos de abertura, por ter um mercado interno robusto, mas é fato que o país precisa fazer mais do que exportar derivados da soja e minério de ferro.
BBC Brasil – Como você avalia a repercussão da crise no exterior? Qual é a visão atual sobre a situação do Brasil?
Winter – Eu acredito que, do ponto de vista dos Estados Unidos, grande parte das pessoas se deram conta, há cerca de dois anos, de que o Brasil estava crescendo fortemente, e agora o que enxergam é que essa bolha estourou, e além disso veem o noticiário sobre o impeachment, epidemia de zika, a poluição da baía de Guanabara, que ganhou destaque global, e o somatório leva a concluir que o país vive uma grande derrocada, um fracasso.
Para mim uma das tragédias desse ciclo é acreditar que a expansão brasileira de anos atrás foi apenas uma miragem, que foi algo irreal e fabricado. Eu discordo disso. Acho que a ascensão foi real, que o país melhorou, e que tem condições de avançar ainda mais. Mas a maior parte do público americano e os investidores e tomadores de decisão em Nova York classificam agora o Brasil como apenas mais um exemplo de país latino-americano num ciclo de sucessos e fracassos.
Eu discordo dessa comparação. Não acho que o país estava predestinado a fracassar e eu não acho que o PT fabricou apenas estatísticas falsas que criaram um senso irreal de prosperidade. Eu acredito que o PT fez muitas coisas sensatas e que se tivesse implementado uma melhor gestão da economia nos últimos anos poderia ter dado continuidade à prosperidade. Obviamente o fato de membros da cúpula do partido terem se envolvido em corrupção também ajudou a construir o cenário atual.
Aos olhos dos outros países também ficou claro que o partido se tornou arrogante ao achar que poderia controlar coisas que os governos não devem controlar, tais como a taxa de juros, os preços da gasolina e da eletricidade, e o valor do real. Com isso o governo Dilma transformou o que era uma desaceleração econômica em uma recessão catastrófica.
BBC Brasil – Além de morar cinco anos no Brasil você viveu em Buenos Aires e na Cidade do México como correspondente-chefe da agência de notícias Reuters e agora chefia a Americas Quarterly, com análises acadêmicas sobre toda a América Latina. Neste momento, como avalia o Brasil em comparação com os vizinhos? O país corre o risco de ver uma polarização semelhante à da Venezuela?
Winter – O Brasil está longe de ser a Venezuela, mas 25 anos atrás a Venezuela também estava muito longe de ser o que se tornou hoje. Momentos históricos podem acontecer e o destino das nações pode mudar. O Brasil é um país sem registro recente de violência política, felizmente, e em alguns dos protestos nas grandes cidades brasileiras houve menos violência do que em alguns comícios de Donald Trump aqui nos Estados Unidos.
O PT tomou uma importante decisão ao pedir o cancelamento de manifestações para evitar confrontos. Não se sabe se continuarão tomando decisões deste tipo se o impeachment se concretizar, é claro.
Quanto à visão dos Estados Unidos ao comparar o Brasil aos vizinhos, eu acho que a percepção dominante hoje é a de que o Brasil fracassou, e para mim esta percepção está equivocada. Eu acho que se um Brasil mais transparente, menos corrupto e com uma economia mais saudável emergir deste atual momento de crise veremos vantagens desse processo no longo prazo.
Eu falo com mexicanos, por exemplo, regularmente, que dizem sonhar com o momento em que o país deles tenha uma operação Lava Jato. A avaliação de muitos com quem converso no México é de que valeria a pena amargar um ou dois anos de tumulto, confusão e impactos econômicos para se ter uma operação tão drástica contra a corrupção. Na Argentina, o Judiciário está começando a implementar o mecanismo de delação premiada, aos moldes do Brasil. São impactos regionais que geralmente não são comentados em análises atuais sobre a crise brasileira.
BBC Brasil – Como você vê as alegações do governo e de movimentos sociais de que o processo de impeachment seria na verdade uma tentativa de golpe?
Winter – O impeachment é um mecanismo legal e constitucionalmente válido, e eu não acredito que esteja havendo um golpe no país. Agora, eu pessoalmente avalio que as pedaladas são um motivo muito fraco para o impeachment. É uma decisão política, mas que precisa de embasamento técnico, e na minha visão pessoal governos anteriores cometeram erros parecidos com os quais estão sendo usados para o impeachment de Dilma, e isso pode ser visto como duvidoso.