Solidão maltrata o corpo e a mente dos idosos

O isolamento corrói o bem-estar de idosos, com efeitos no corpo comparáveis aos do álcool e aos do cigarro. Especialistas também alertam para a devastação causada pela condição

Há uma cena que o voluntário José Elias Vieira dos Santos já se habituou a ver. Não que se acostume com a ideia. São pessoas chegando ao Lar Samaritano, uma instituição para idosos em Águas Lindas de Goiás, com ordem judicial. “Como o Estatuto do Idoso estabelece que mais de 30 dias sem visita já é abandono, os parentes são acionados pelo Ministério Público”, explica o administrador da casa. A realidade do abrigo localizado no Entorno do Distrito Federal não é diferente da de outras cidades e países. Com o aumento da expectativa de vida, o mundo observa a formação de um exército de solitários.

Embora esse sentimento possa recrutar para suas fileiras pessoas de qualquer idade, o idoso está na linha de frente. “Nessa fase da vida, ele se depara com situações delicadas, como a perda ou o afastamento de pessoas queridas, doenças, aposentadoria, perda do corpo jovem e da independência, entre outros”, destaca a psicóloga Cecília Fernandes Carmona, autora do artigo A experiência de solidão e a rede de apoio social de idosas, publicado na revista Psicologia em Estudo. “Esse é um período de muitas transformações, marcado especificamente por várias perdas. O sentimento de solidão pode ser percebido como mais agudo pelo idoso por ele estar passando por todas as vicissitudes dessa fase”, explica.

Nos últimos anos, diversos estudos têm apontado uma forte associação entre a solidão e a incidência de doenças crônicas em idosos. De fato, pesquisadores da Universidade de Chicago descobriram que o isolamento pode aumentar o risco de morte em 14% nas faixas etárias mais avançadas. O trabalho, liderado pelo psicólogo e especialista no assunto John Cacioppo, descobriu que o estresse provocado por essa sensação induz respostas inflamatórias nas células, afetando, entre outras coisas, a produção dos leucócitos, estruturas que defendem o organismo de infecções.

Uma outra pesquisa, da Universidade de Brigham Young, publicada na revista especializada Perspectives on Psycological Science, comparou estatísticas de mortalidade e constatou que a solidão é tão prejudicial à saúde quanto fumar 15 cigarros por dia ou ser alcoólico. Recentemente, a revisão de 23 artigos científicos levou pesquisadores da Universidade de York a concluir que a solidão aumenta em 29% o risco de doenças coronarianas e em 32% o de acidentes vasculares. “Intervenções focadas na solidão e no isolamento social podem ajudar a prevenir duas das principais causas de morte e incapacidade em países de renda alta”, alertaram os autores.

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Imagem – Divulgação

Combate ao isolamento

Se, no corpo, esse exílio social causa estragos, na mente ele pode ser devastador. “A solidão tende a ser vista como um fato isolado, passageiro, sendo até mesmo mal interpretada como ‘frescura’ ou excesso de sensibilidade, quando, na verdade, é um tema delicado e importante, que pode estar atrelado a outras condições e quadros”, observa Cecília Fernandes Carmona. “Quando não trabalhada, ela pode evoluir para um quadro mais grave, como depressão, levando até ao suicídio”, alerta.

Diante desses riscos, alguns países têm desenvolvido programas de combate à solidão na terceira idade. Na Inglaterra, onde 17,7% da população tem mais de 65 anos — percentual que deve aumentar para 24,3% em 2039 —, já existem campanhas nacionais, como a EndLoneliness. O país também lançou um serviço pioneiro: um 0800 que recebe ligações de pessoas mais velhas e solitárias. O relatório de atividades de 2016 diz que são feitas 1,4 mil chamadas por dia de idosos que, de outra maneira, não teriam com quem conversar.

Para a médica gerontóloga Zaida Azeredo, autora de diversos livros e pesquisas sobre idosos, é urgente investir em espaços de lazer e de interação social, além de planos educativos de longo prazo. “Esses são fatores preventivos da solidão”, afirma. No ano passado, ela publicou o artigo Solidão na perspectiva do idoso na Revista Brasileira de Geriatria e Gerontologia, descrevendo um estudo que fez com 73 idosos frequentadores de centros de convivência de Viseu, em Portugal. Quando perguntados como a sensação de estar só poderia ser diminuída, 28,8% elegeu passeios; 16,4% citou atividades, como ginástica, dança e trabalhos manuais. Quinze por cento escolheu a resposta “família estar mais presente/não abandonar o idoso”.

As Informações são do Correio Braziliense