“Se eu não puder ser candidato, a gente arruma alguém para ser”, diz Lula
Em um palco improvisado montado em um posto de gasolina na beira da estrada, centenas de guarda-chuvas abrigavam do forte calor uma multidão à espera do ex-presidente Lula, nesta terça-feira. Os moradores de Quixeré (CE) foram até o posto para ver o pré-candidato do PT à eleição do ano que vem falar. Se possível, tirar uma selfie e dar um beijo no petista, que está na estrada há 13 dias, percorrendo o Nordeste em uma caravana. Rouco e um pouco abatido por uma gripe contraída no início da viagem, o ex-presidente subiu no palco, ia apenas acenar aos seus eleitores, para poupar a garganta. Mas não aguentou. Acostumado a discursos longos, acabou pegando o microfone. Foi breve, em todo caso. “Eu havia combinado com a minha equipe que só falaria hoje à noite, mas eu quero agradecer o carinho e a presença de todos vocês”, disse, sob aplausos.
Depois disso, seguiu viagem para a última cidade do dia, Quixadá, também no Ceará, onde realizou um ato no início da noite. Para uma multidão, Lula, com a voz um pouco melhor, falou sobre as eleições do próximo ano. “Faltam 14 meses para as eleições. A gente nem sabe se vai estar vivo [até lá]. A gente não sabe se vai poder ser candidato. Eu nem sei se o PT quer que eu seja candidato”, disse. “Mas se eu for candidato, vocês vão ganhar as eleições outra vez”.
As conversas sobre um possível impedimento à candidatura de Lula – que foi condenado pelo juiz Sergio Moro no caso do triplex, e é réu em seis ações no âmbito da Lava Jato – rondam o Partido dos Trabalhadores, embora seus dirigentes não assumam publicamente. Coerente com o discurso de que “não há um plano B”, Lula tem se apresentado, durante a caravana, como o candidato único do PT. Mas na noite desta terça-feira, acabou deixando uma interrogação no ar. “Se eu não puder ser candidato, a gente vai arrumar alguém para ser”, disse.
A ideia da ausência de Lula na disputa eleitoral do ano que vem não é rejeitada somente pelo Partido dos Trabalhadores. Nas praças e calçadas, descendo do palanque, muitos de seus eleitores torcem o nariz quando esta possibilidade é mencionada. “Vai ser Lula sim, não tem jeito”, disse, em Quixadá, a aposentada Lindomar Rodrigues, 63. “Se não for ele o candidato, eu não voto em ninguém”, completou. De Currais Novos, no Rio Grande do Norte, a aposentada Maria das Neves, 61, disse o mesmo. “Voto em quem ele indicar, mas vai ser ele [o candidato]. Não tem chão nem gemido”.
Enquanto isso, no palco, já passaram alguns possíveis nomes para a disputa do ano que vem, caso Lula seja impedido de concorrer: o senador Lindbergh Farias e Gleisi Hoffmann, senadora e presidenta do PT, já estiveram com Lula em algum ponto da caravana. O ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad, que tem sido apontado como o plano B do partido, até o momento, não apareceu no giro pelo Nordeste. Ainda resta uma semana de caravana e dois Estados a serem percorridos, o Piauí e o Maranhão. Lula e uma comitiva grande de assessores, dirigentes e militantes estão na estrada há 13 dias e já percorreram sete Estados: Bahia, Sergipe, Alagoas, Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte e Ceará.
Pelas estradas por onde a caravana passa, os eleitores de Lula correm para ver o ex-presidente passar. Em muitos locais onde não estava programada uma parada, o ex-presidente acaba parando o comboio. Sai do ônibus, é agarrado, abraçado e beijado por centenas de pessoas, faz um pequeno discurso, e segue viagem.
Nós contra eles
Durante seus discursos pelas cidades por onde passa, Lula tem batido muito na tecla do nós contra eles. Sendo que eles, ora são a elite brasileira, ora o presidente Michel Temer, ora a Lava Jato e, às vezes, a imprensa também. “Eu sei que a perseguição que eu estou sendo hoje vitimado, não é uma perseguição ao Lula”, disse, em Currais Novos (RN). “Porque o Lula já tem idade suficiente, o Lula já apanhou demais, o Lula já aguenta um tanto. O que eles estão tentando é tirar do povo brasileiro as conquistas que nós tivemos nos últimos anos”, afirmou.
Em outro momento, aos gritos de fora Temer, o ex-presidente disse: “Eles derrubaram 54 milhões de votos da Dilma e ocuparam o poder”, afirmou. “Enganaram a sociedade brasileira e a Globo tratou de mentir o tempo inteiro, dizendo que a Dilma era a responsável pela desgraça do PT e do Brasil. E eu pergunto: O Temer melhorou o quê?”.
Outro ponto bastante lembrado tem sido o da educação. “Toda vez que eu falo que não tenho diploma, não pense que eu tenho orgulho de não ter diploma”, disse, em Mossoró (RN). “Eu falo para provocar eles“.
Em Quixadá, vestindo uma bata africana que ganhou de um dos alunos de Guiné Bissau que estudam na Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-brasileira (Unilab), Lula disse: “Outro dia eu fui na universidade [a Unilab] e 67 meninos da África estavam se formando”, contou. “Aí eu soube que tinha preconceito [ali] contra a molecada da África, e eu comecei a dizer pra eles ‘vocês não devem nada ao Brasil. E o Brasil não está fazendo um favor, o Brasil está pagando [por] 300 anos de escravidão que nós devemos ao povo africano”. A Unilab foi criada e inaugurada na gestão do petista e promove a integração entre o Brasil e outros países de língua portuguesa, especialmente a África.
Longe das capitais do Sudeste, onde o ex-presidente tem o desprezo de grande parte dos eleitores, Lula colhe ovações e elogios com as paixões que suscita em alguns grupos. “Lula é o presidente da humanidade, não só do Brasil”, disse o estudante de pedagogia Samora Caetano, 23. Ele veio de Guiné Bissau, há três anos, para estudar na Unilab. “Ele pegou a população pobre e levou para a universidade. Lula nos representa”.
Por Marina Rossi do EL PAÍS