Por que projeto que criminaliza caixa 2 pode levar a ‘anistia’ de novos acusados da Lava Jato
A votação do relatório final sobre as medidas na comissão especial que analisa o tema acabou não ocorrendo nesta terça-feira por falta de acordo. A discussão deve ser retomada nesta quarta.
Um dos pontos polêmicos é a tentativa de alguns parlamentares de usar a criminalização do caixa 2 como oportunidade para anistiar (perdoar) crimes passados.
A previsão agora é que a comissão volte a se reunir na tarde desta quarta-feira para votar uma nova versão do relatório, apresentada pelo o deputado Onyx Lorenzoni (DEM-RS). O texto do relator não prevê a anistia, no entanto, qualquer deputado pode apresentar um voto alternativo ou propor uma emenda quando a questão for levada ao plenário da Câmara. Em seguida, a proposta ainda precisaria ser aprovada também no Senado.
Como pode ser aprovada a anistia?
Como pode ser aprovada a anistia?
Atualmente, não há uma lei específica estabelecendo punição para transações de caixa 2 no país. O Ministério Público Federal defende que a criação de uma lei detalhada prevendo as práticas que seriam ilegais e estabelecendo punições mais duras é importante para coibir a corrupção no país.

Sempre que uma lei é criada prevendo uma novo crime ela só pode ser aplicada para atos praticados após sua criação. Com base nesse princípio, parlamentares argumentam que, caso o caixa 2 seja criminalizado, todas as transações anteriores a esse momento não poderão ser punidas. A essência do raciocínio é essa: “se virou crime agora, não era crime antes”.
Na prática, porém, essa anistia não é automática, afirma a professora de Direito Eleitoral da FGV-Rio Silvana Batini, pois já existem leis que, embora não tratem especificamente do caixa 2, podem ser usadas para punir essas operações.
É o caso do artigo 350 do Código Eleitoral que estabelece de um a cinco anos de prisão para quem omitir documentos da prestação de contas de campanha.
Se a origem do dinheiro movimentado no caixa 2 for ilícita, também há a possibilidade de enquadrar a transação em outros crimes, como lavagem de dinheiro e corrupção.
Dessa forma, para conseguir aprovar uma anistia, os parlamentares terão que expressamente prever esse perdão no texto da nova lei – e a abrangência do texto proposto é que tem sido o foco de intenso debate e negociação nos bastidores do Congresso.
“Eles têm poder para anistiar? Têm, mas terão que ser explícitos”, afirma Batini.
Reação do MPF
Na tentativa de barrar esse movimento, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, criou um grupo de quarenta procuradores para negociar e pressionar os parlamentares sobre esse e outros pontos do pacote de medidas anticorrupção.
“Nossa preocupação é com esses crimes correlatos (ao caixa 2, como lavagem de dinheiro e corrupção). A posição que se defende é que os crimes correlatos continuem a ser julgados de acordo com a legislação vigente à época que eles ocorreram”, disse à BBC Brasil o subprocurador-geral da República Nicolao Dino, um dos integrantes do grupo.
“Não se pode, a pretexto de criminalizar o caixa 2, fazer lateralmente a aprovação de uma medida que acabe por anistiar os crimes correlatos. Isso configuraria um retrocesso e essa é uma das preocupações do grupo de trabalho que foi constituído”, acrescentou Dino.
Caso a anistia seja aprovada, é possível que a nova lei seja questionada no Supremo Tribunal Federal, observa a professora da FGV.
“Se o Congresso vota uma anistia nessa situação, ele está legislando em causa própria, então você poderia questionar a constitucionalidade de lei, se ela fere o princípio da razoabilidade. Mas essa situação é inédita no Brasil, não dá nem para imaginar o que viria disso”, disse Batini.
Quem está por trás da tentativa de anistia?
Parlamentares contrários à anistia do caixa 2, como deputados do PSOL e Rede, acusam os líderes dos principais partidos (PMDB, PSDB, PT, DEM, entre outros) de estarem por trás dessa articulação. Oficialmente, porém, essas legendas dizem que não têm posição fechada sobre a questão.
Em setembro, quando houve uma primeira tentativa de aprovar o perdão, um dos homens fortes do governo Michel Temer, o ministro da Secretaria de Governo, Geddel Vieira Lima, chegou a defender a medida em entrevista ao jornal O Globo.
“Se pede isso (criminalizar o caixa 2), é lícito supor que caixa 2 não é crime. Se não é crime, é importante estabelecer penalidades aos que infringirem a lei. Agora, quem foi beneficiado no passado, quando não era crime, não pode ser penalizado”, afirmou.
“Esse debate tem que ser feito sem medo, sem preconceito, sem patrulha e sem histeria. (…) Não trataria como anistia porque anistia serve a quem cometeu um crime. No caso do caixa dois, se não tem crime, não tem anistia”, disse ainda na ocasião.
Hoje, Geddel está enfraquecido com a revelação de que teria pressionado o Ministério da Cultura para liberar a construção de um prédio de 30 andares em região histórica de Salvador, empreendimento no qual comprou um apartamento. A repercussão negativa do episódio, revelado neste sábado, cria um ambiente menos favorável à aprovação da anistia.
“O espectro que ronda essa decisão (de anistiar o caixa 2) é a delação da Odebrecht, que pode pegar todos os grandes partidos, os médios e até parte dos pequenos. Há quase uma unanimidade (a favor da anistia), mas vamos resistir. A nossa salvação é a opinião pública, a reação da sociedade”, afirmou o deputado Chico Alencar (PSOL-RJ).
Fonte: BBC – Brasil