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Por que o terrorismo islâmico voltou a atacar a Espanha?

País europeu é alvo do jihadismo internacional por suas missões militares no Oriente Médio, pela forte presença de fundamentalistas em seu território, por ter sido historicamente parte de Califado islâmico e também por causa de problemas de coordenação das forças de segurança.

Após 13 anos do ataque terrorista na estação de Atocha em Madri, o pior da história da Espanha, o país ibérico mergulha novamente no terror. Desta vez o alvo foi Barcelona, com um ataque na Rambla, no coração cidade.

Neste momento, os espanhóis se perguntam por que o terrorismo atacou novamente seu país. Durante muito tempo, após os ataques de Atocha, a política e a opinião pública espanhola se convenceu que os ataques de 2004 tinham sido provocados pela presença de forças militares da Espanha no Iraque, junto à coalizão ocidental liderada pelos Estados Unidos, que invadiu o país árabe. E muitos achavam que, com o ataque de Atocha, que provocou 191 mortos e mais de 500 feridos, portanto, a Espanha teria “pago sua dívida” com o terrorismo e fechado uma fase jihadista no país.

A realidade, todavia, era outra. Se Barcelona foi a manifestação mais evidente de que a ameaça terrorista continua assombrando a Espanha, há uma série de elementos e de fatos que, se analisados em conjunto, apresentam um quadro muito profundo e radicado da ameaça terrorista islâmica:

  • tem missões militares no Oriente Médio
  • tem presença de fundamentalistas em seu território
  • foi parte de Califado islâmico medieval
  • há falta de coordenação das forças de segurança
Veja como foi o ataque na Rambla em detalhes

Alvo da propaganda jihadista

A Espanha sempre esteve mencionada na propaganda jihadista da Al Qaeda e do Estado islâmico. Em mapas geográficos divulgados pelos grupos extremistas radicais, através de suas revistas de propaganda, e nas mensagens incitando à ação de “lobos solitários” na Europa, a Espanha está presente. Ela é considerada parte do “Califado” e é chamada Al-Andalus, o nome que os árabes deram à península ibérica no momento dos primeiros ataques contra os reinos visigodos, no século 8.

Conquistada em 711, a Espanha foi dominada por oito séculos pelos árabes. O território ibérico, incluindo Portugal e parte da França, foi transformado em província do Califado Omíada, cuja capital era Damasco.

Mesmo sendo reconquistada definitivamente pelos reis católicos Isabel I de Castela e Fernando II de Aragão em 1492, uma parte do fundamentalismo islâmico nunca esqueceu o que durante séculos a Espanha tinha sido um dos maiores e mais prósperos territórios sob domínio islâmico.

Por isso o simbolismo de Al-Andalus foi retomado com tamanha força por todos os grupos fundamentalistas. Por exemplo, na revista virtual de propaganda do Estado Islâmico (EI), Dābiq, a província de Al-Andalus é sempre citada em matérias que incitam a reconquista islâmica. E em um vídeo publicado na internet pelo EI em 2016, uma música lembra o período de dominação islâmica com as letras “Recuperaremos al-Andalus, com a vontade de Alá. Ó querida al-Andalus! Você pensou que nós tínhamos te esquecido. Juramos por Deus que nunca te esquecemos. Que muçulmanos podem esquecer Córdoba, Toledo ou Xàtiva?”.

Flores e velas lembram vítimas do ataque de Barcelona (Foto: Josep Lago/AFP)

Flores e velas lembram vítimas do ataque de Barcelona (Foto: Josep Lago/AFP)

Forte presença de islamistas radicais

A ameaça do fundamentalismo islâmico foi percebida cada vez mais pelas autoridades locais. Não por acaso, o número de jihadistas presos em operações policiais aumentou consideravelmente nos últimos anos. Uma prova de como os serviços de inteligência e de polícia espanhola funcionem, mas também um sinal inevitável de como esse perigo esteja presente.

Segundo um estudo do Instituto Real Elcano publicado na semana passada, em 2012, foram realizadas apenas cinco operações policiais contra jiahdistas, com oito presos; Em 2013, foram oito operações com 20 presos. Em 2014, 13 operações com 69 presos. Em 2015, 36 operações com 75 presos. Em 2016, 36 operações com 69 presos. Até agora, em 2017, 27 operações policiais já foram realizadas com 37 presos por ligações com o terrorismo islâmico.

A província de Barcelona, na Catalunha, é o maior centro agregador de células terroristas na Espanha (23,2% do total dos detidos). Os demais são a cidade autônoma de Ceuta, o enclave espanho no Marrocos (23,2%), Madri e região metropolitana (19,2%) e o outro território espanhol em solo marroquino, Melilla (12.1%).

Na província de Barcelona, existem 265 mesquita oficiais, 79 das quais – ou seja, quase um terço – são salafistas. O salafismo é o movimento ultraconservador dentro do islamismo sunita e inspira membros de grupos terroristas como EI e Al Qaeda.

Em 2017, pela primeira vez na história do sistema prisional espanhol, os detidos por terrorismo islâmico nas prisões espanholas ultrapassaram o número de presos da ETA, a organização terrorista basca. Com isso, o terrorismo islâmico suplantou a ameaça terrorista nacional que assombrou a Espanha por décadas.

Além disso, muitos espanhóis jihadistas que foram lutar no Iraque e na Síria junto ao Estado Islâmico teriam votado à Espanha. Treinados no uso de armas e explosivos nos campos de batalhas sírios e iraquianos, essas 200-300 pessoas estariam sendo monitoradas de perto pelas forças de segurança espanholas devido a capacidade de realizar um ataque eficaz e em breve período.

Imigrantes são vistos no topo da cerca na fronteira entre o enclave espanhol de Melilla e o Marrocos nesta terça-feira (Foto: Jesus Blasco de Avellaneda/Reuters)Imigrantes são vistos no topo da cerca na fronteira entre o enclave espanhol de Melilla e o Marrocos nesta terça-feira (Foto: Jesus Blasco de Avellaneda/Reuters)

Imigrantes são vistos no topo da cerca na fronteira entre o enclave espanhol de Melilla e o Marrocos nesta terça-feira (Foto: Jesus Blasco de Avellaneda/Reuters)

Presença militar no exterior

A Espanha é considerada pelos grupos jihadistas como um dos principais aliados dos americanos na luta contra o terrorismo. O país europeu está presente no Oriente Médio com as tropas no Iraque e no Líbano, além de fazer parte da Otan e de colaborar na luta contra o terrorismo islâmico.

Os espanhóis são os europeus mais vulneráveis a infiltrações terroristas pela proximidade geográfica com o Marrocos. Os enclaves de Ceuta e Melilla, posicionadas dentro do território marroquino, facilitam muito a chegada de potenciais terroristas. Não por acaso, mais de 45% de todos os jihadistas presos na Espanha nasceram no Marrocos, 39% na Espanha e apenas 15% em outros países, segundo dados do jornal espanhol “El Pais”.

Ciente da centralidade do país na luta contra o terrorismo internacional, o governo espanhol lançou em 2014 um app para smartphones, chamado AlertCops, desenhado para que os cidadãos pudessem informar a polícia sobre potenciais jihadistas.

Mas mesmo todas as medidas de segurança não conseguem prevenir ataques terroristas realizados por células pequenas ou os chamados “lobos solitários”, como demonstrado pelos eventos de Paris, Londres, Manchester, Nice, Colônia, Berlim ou Estocolmo.

Polícia faz patrulha na Rambla de Barcelona (Foto: AP Foto/Manu Fernández)

Polícia faz patrulha na Rambla de Barcelona (Foto: AP Foto/Manu Fernández)

Falta de coordenação

Os terroristas também aproveitam a aparente falta de coordenação entre autoridades das diferentes regiões autônomas em que o país é dividido. Uma reportagem do jornal “El Mundo” apontou a falta de colaboração entre os governos de Madri e de Barcelona na aplicação de medidas de prevenção a potenciais ataques terroristas.

“O governo de Barcelona ignorou as recomendações do Ministério do Interior de Madri para colocar blocos de cimento na Rambla”, escreveu o jornal espanhol, publicando a nota divulgada por Madri para todos os chefes das policiais locais no dia 20 de dezembro de 2016, poucos dias depois do atentado de Berlim, realizado com modalidades idênticas ao de Barcelona.

“El Mundo” atacou diretamente a prefeita de Barcelona, Ada Colau, o chefe dos Mossos de Escuadara, Joaquim Forn, que não teriam aplicado as diretrizes do governo central.

A prefeita se defendeu, declarando em uma entrevista para a televisão local TE3 que “todos os protocolos foram aplicados” e que medidas de segurança extraordinárias foram tomadas. Entretanto, a polêmica política sobre as reivindicações independentistas da Catalunha, e a suposta falta de colaboração entre autoridades locais e nacionais, voltou à tona na Espanha.

O próprio governador da Comunidade Catalã, Carles Puigdemont, declarou que o referendo sobre a independência da Catalunha, previsto para outubro, não será afetado pelos ataques terroristas. O governo de Madri não reconhece a legitimidade do referendo, que também foi questionado junto à Corte Suprema do país.

Do G1.