Por que o tempo parece passar mais devagar no auge da paixão – ou durante momentos traumáticos?
“Tive um acidente de carro e vi tudo acontecer em câmera lenta. Vi o espelho retrovisor cair, a expressão no rosto do outro motorista e o capô sendo esmagado.”
Relatos como esse são comuns durante palestras do neurocientista e escritor americano David Eagleman. Pesquisador da Universidade Stanford, na Califórnia, ele é autor de livros como Incógnito – As Vidas Secretas do Cérebro, publicado no Brasil pela editora Rocco.
Aos que lhe falam do efeito “câmera lenta” descrito acima, o neurocientista tende a fazer a seguinte pergunta:
“Essa pessoa que estava sentada perto de você, gritando… o grito soou assim? ‘Nãããããããão!’ (Com voz mais grave, distorcida, como quando tocamos uma gravação em rotação mais lenta.) Se você não ouviu o grito dessa forma, então não estava vendo tudo em câmera lenta”, diz Eagleman.
Em entrevista à BBC, o neurocientista falou de seus experimentos sobre o tempo e do que eles revelaram. E ofereceu dicas para quem quer reverter aquela sensação que temos, ao ficarmos mais velhos, de que o tempo voa depressa demais.
Alice
“Meu interesse pelo tempo e pela passagem do tempo surgiu porque, quando eu tinha oito anos, caí do telhado de uma casa que estava sendo construída”, conta Eagleman.
“Pisei na borda do telhado, ou no que eu pensava ser a borda. Mas, na verdade, era papel que estava pendurado ali e então caí. A queda pareceu durar um longo tempo.”
“Primeiro eu pensei: será que consigo me agarrar ao telhado, será que consigo virar meu corpo, será que tem espaço e tempo para eu me agarrar ao telhado? Finalmente, percebi que não dava tempo e me vi caindo na direção do piso de tijolos, olhando para baixo.”
“Pensei no livro Alice no País das Maravilhas, e em como devia ter sido parecido para ela, quando ela caiu no buraco do coelho. Finalmente, caí no chão e perdi a consciência”, conta o cientista.
Anos mais tarde, quando cursava o ensino médio, Eagleman estudou física e pôde calcular quanto tempo de fato durou sua queda.
“Descobri que levou apenas uma fração de segundo, oito décimos de um segundo. Fiquei realmente surpreso, não conseguia entender como tanto tempo parecia ter passado durante a aquela queda.”
David Eagleman cresceu, estudou neurociência e, hoje, dedica grande parte de suas pesquisas à nossa percepção do tempo.
Uma pista importante, ele diz, é que essas distorções na percepção do tempo parecem acontecer quando pessoas vivem situações extremas, momentos marcantes, que podem mudar o curso de suas vidas.
“Conversei com centenas de pessoas ao longo dos anos, pessoas que viveram acidentes de carro ou tiroteios. E (sempre me dizem que o episódio vivido) pareceu levar um longo tempo.”
Experimento
Eagleman explica que queria investigar o seguinte: a sensação de “câmera lenta” acontece porque o tempo está mesmo passando mais lentamente ou porque você está formando mais memórias durante o episódio?
Para saber a resposta, o cientista levou sua equipe para um parque de diversões. Seu objetivo era encontrar um brinquedo tão assustador que fosse capaz de produzir, em participantes de experimentos, uma distorção na percepção do tempo.
A atividade selecionada chama-se “SCAD Diving”, um tipo de mergulho no ar. Participantes sobem de elevador ao topo de uma torre com cerca de 45 metros de altura. Lá, são acoplados, por meio de um gancho, a uma corda, e ficam pendurados no ar. Depois de alguns segundos, a pessoa é solta no ar, caindo de costas, em queda livre, durante três segundos, até parar em uma rede instalada embaixo. Quando chega à rede, a pessoa está caindo a uma velocidade de 112 km/h.
“Você cai de costas, é simplesmente apavorante”, diz Eagleman. “Eu mesmo fiz (o mergulho) três vezes, para testar sua segurança, e senti o mesmo terror todas as vezes.”
Para saber se os voluntários estavam mesmo percebendo o tempo em câmera lenta durante a queda, Eagleman usou dois métodos.
Primeiro, colocou no pulso dos participantes um monitor que piscava com informações de formas diferentes e em velocidades diferentes. O objetivo era saber com que rapidez a pessoa estava vendo o mundo.
“Se você está vendo o mundo em câmera lenta, como (o personagem) Neo (no filme) Matrix, então você vai ser capaz de ler os números sem dificuldade. Se você está vendo em velocidade normal, então não vai conseguer ler as imagens no aparelho porque elas estão passando rápido demais.”
Eagleman pediu também que os voluntários calculassem, aproximadamente, quanto tempo a queda havia durado.
“Estavam no chão e calcularam, com um cronômetro na mão, quanto tempo sentiam que sua queda havia levado. Também pedi que observassem a queda de outras pessoas e tentassem calcular sua duração.”
Eagleman conta o que descobriu:
Conclusões
“Quando as pessoas tentavam calcular a duração de sua própria queda, havia uma distorção. Elas sentiam que a queda havia durado muito mais do que as quedas de outros participantes.”
Eagleman confessa sua decepção ao analisar os relatos sobre o que os participantes tinham conseguido ler nos monitores de pulso durante suas quedas.
“Fizemos muitas análises sobre isso e eu esperava que a resposta fosse sim, mas não foi. As pessoas não estavam vendo em câmera lenta, não conseguiam ler mais rapidamente do que liam quando fizemos testes de controle, no solo.”
Em vez disso, o que acontece é que, durante uma queda, ou um evento que coloca nossa vida em risco, uma certa área do cérebro entra em ação, explica o cientista: a amígdala.
Essas pequenas estruturas em forma de amêndoa (são duas, situadas no interior do cérebro, na região temporal, dos dois lados da cabeça) são fundamentais para a autopreservação. Identificam o perigo, gerando medo e ansiedade e colocando o animal em situação de alerta, pronto para fugir ou lutar.
“(A amígdala) é, basicamente, um sistema secundário de memória que forma outra camada de memórias. Então, você está formando uma quantidade tal de memória que, quando você resgata toda aquela informação, tem a impressão de que aquele episódio demorou muito tempo”, diz Eagleman.
“Tudo não passa de um truque da memória. Nossa noção de tempo está vinculada à nossa memória.”
Dica
E para quem se pergunta por que o tempo costuma passar cada vez mais rápido à medida que envelhecemos, David Eagleman tem uma explicação – e um conselho.
“Quando nos lembramos de um verão lá atrás, na nossa infância, parece ter durado muito, muito tempo. Por quê? Porque tudo era novo e você estava tendo todo tipo de experiências, aprendendo novas coisas. Quando fica mais velho, já aprendeu as regras do mundo, os padrões. Isso é importante para você funcionar no mundo, mas por outro lado, você deixa de formar memória nova. Então, aos 60 anos, você olha para o verão que passou e pensa, ‘nossa, desapareceu tão rápido’. Porque aquele verão foi igual a qualquer outro verão”, diz o cientista.
“Não posso te ensinar a viver mais tempo mas, sim, como pensar que você viveu mais tempo”, diz. “Busque novidade na sua vida.”
“Mesmo quando você tem 60 anos, pode ir passar um fim de semana incrível e quando volta ao trabalho na segunda você pensa, ‘nossa, o fim de semana foi longo!’ Isso parece estar ligado ao fator novidade. Ou seja, seu cérebro está registrando essas memórias, está dizendo, ‘isso é importante, é algo novo, vou anotar’.”
Isso ocorre, diz, “porque (o evento) é nobre. Não apenas experiências traumáticas, mas também nos apaixonarmos, estarmos em um relacionamento novo, começarmos um novo trabalho.”
“Sempre aconselho às pessoas: se você usa relógio, tire-o. Ou coloque-o no outro braço. Escove seu dente com a outra mão. Dirija para casa por um caminho diferente quando sair do trabalho. Preste mais atenção ao mundo. Isso força seu cérebro a trabalhar mais. Parece meio excêntrico, mas de outra forma, é muito fácil você ficar automatizado.”
BBC Brasil