Por que o futebol feminino não “vinga”? Especialistas explicam e apontam soluções
A história de Daniela Alves, a vitoriosa meio-campista da seleção brasileira que, por conta de uma contusão foi trabalhar no açougue da família, infelizmente está longe de ser exceção dentro do futebol feminino. Mesmo depois de grandes conquistas, a modalidade ainda sofre com falta de visibilidade, salários ruins para as atletas e pouco incentivo dos clubes.
Hoje, Daniela Alves é auxiliar técnica da categoria de base da seleção. Jogou nos Estados Unidos e na Suécia; foi medalha de ouro no Pan-americano do Rio em 2007; disputou três olimpíadas, das quais foi medalhista de prata em 2004 e 2008; três mundiais, sendo uma das principais jogadoras da equipe vice-campeã em 2007, melhor colocação brasileira na história da competição.
Mas o que aconteceu com ela após sua aposentadoria forçada ilustra bem o desamparo das jogadoras de futebol no Brasil e da modalidade como um todo. Essa história não é um caso isolado e se aconteceu com uma atleta multi-campeã, é bem comum com jogadoras com menos conquistas na carreira.
Saídas para o futebol feminino brasileiro
A antiga Confederação Brasileira de Desportos (CBD), entidade que regulava práticas esportivas no Brasil, autorizou que mulheres jogassem futebol apenas no ano de 1979. Luciene Castro, jornalista e estudiosa da modalidade, avalia muitos problemas que o esporte ainda sofre.
“Mulheres tiveram liberdade para jogar a partir da deliberação da CBD, mas nunca tiveram condições iguais [aos homens] em toda e qualquer profissão, e no futebol feminino isso é gritante”, declarou Lu Castro, como é mais conhecida, em entrevista ao Vix.
Transmissão televisiva
Um dos grandes legados da geração de Daniela – que teve também Marta, Cristiane e outras atletas como destaque – foi deixar a “mídia mais acostumada a transmitir”, como declarou a meio-campista em entrevista ao Vix. As pessoas também ficaram mais familiarizadas a assistir aos jogos, pelo menos em época de competições.
Além das participações da equipe principal nos últimos jogos olímpicos, o Mundial Feminino Sub 17 também foi televisionado na TV aberta (pela Band). A transmissão de um amistoso entre Brasil e Bolívia por um canal fechado em pleno domingo (9/4) a tarde foi comemorado como conquista por Alves.
“Conforme as pessoas veem que é um futebol bonito de se ver, vai aumentando ibope e isso vai puxando mídia, patrocínio. Uma emissora vê que a outra está transmitindo, aí vai querer transmitir também, o marketing vem junto nisso”, exemplifica Daniela Alves.
Lu Castro diz que o modelo masculino no geral está “obsoleto e cheio de problema”. Uma de suas alternativas é usar a tecnologia a serviço da visibilidade do futebol feminino e, com isso, apoiar que os clubes fujam do problema da transmissão televisiva.
É que, no modelo masculino, a cota de TV repassada aos clubes por conta dos direitos audiovisuais é feita de maneira desigual entre os times, o que acarreta uma série de injustiças. A alternativa de Castro é intensificar a transmissão via Youtube, por exemplo, algo já bastante corriqueiro no mundo feminino do futebol.
“A UEFA Women’s Champions League tem seus jogos transmitidos pela internet com alcance mundial. A própria CBF experimentou a ação no Torneio Internacional de Manaus, transmitindo os jogos da seleção através de seu canal, com grande adesão do público” – Luciene Castro, em seu site
Salários ruins
Outro problema apontado pela jornalista é a falta de consciência de classe entre as atletas. ”Elas sofrem retaliações de todos os lados. É preciso trabalhar de modo inteligente para ter um ambiente melhor para o futebol feminino”.
A própria Daniela Alves denuncia que “hoje tem muitas equipes sendo criadas ou mantidas de uma forma ruim”. Segundo ela, há jogadoras recebendo mensalmente valores entre R$ 300,00 e R$ 500,00. “O salário tem que ter um valor justo, isso [valor do salário] não mantém nem meio mês”, alerta.
Se é necessário haver um piso e um teto salarial, a saída para Lu Castro não é usar futebol masculino como parâmetro por ser “fora da realidade”. “É muito desigual e a gente tem muita dificuldade pra mudar isso. Mas não quero um ambiente igual [ao futebol masculino], quero um ambiente justo. Não podemos replicar o que rola no futebol masculino”.
Grandes clubes não montam equipes femininas
Para Daniela Alves, o único ponto do futebol masculino que sua modalidade precisa é a torcida. “Os times que tem camisa precisam investir em futebol feminino”. Para se ter uma ideia da disparidade monetária, com o salário de um jogador é possível manter toda uma equipe de mulheres, segundo Alves.
O investimento pelos grandes times é defendido por Marco Aurélio Cunha, diretor de futebol feminino da CBF. Em janeiro, a confederação instituiu que clubes sem times de mulheres ficarão de fora da Libertadores a partir de 2019. Segundo entrevista à imprensa na época em que divulgou a decisão, é possível montar a equipe com o mínimo de planejamento.
“Se os dirigentes do futebol masculino não errarem em duas contratações por ano, isso paga um time de uma comissão técnica de bom nível de futebol feminino. A Fifa vai exigir isso de todos. Eu reconheço a dificuldade dos clubes, mas com 5% dos recursos do futebol masculino é possível montar um time feminino” – Marco Aurélio Cunha, durante seminário.
Dr. Marco Aurélio, como é conhecido, foi diretor esportivo do São Paulo Futebol Clube por quase uma década. O time fechou a equipe feminina em 2015 por falta de verba para cobrir os R$ 120 mil mensais que custava para pagar as atletas. No mesmo ano, “o custo de manutenção dos atletas e demais profissionais envolvidos com o futebol principal – salários, encargos, benefícios e direitos de imagem” foi de R$ 123,4 milhões, como consta no balanço do clube.
Segundo no balancete mensal do clube, em janeiro as despesas com o futebol do Palmeiras passaram dos R$ 30 milhões. Desse montante, o atual campeão brasileiro gastou exatamente nada com a categoria feminina. O Palmeiras não tem time feminino nem disputa nenhuma competição na categoria.
Equipes femininas que já existem
Segundo apuração do GloboEsporte, apenas sete dos 20 clubes que irão disputar a Série A do Brasileirão em 2017 tem equipes femininas: Corinthians, Grêmio, Ponte Preta, Santos, Sport, Vitória e Flamengo. O São Paulo reativou categorias de base em março. Atual campeão brasileiro da modalidade, o Flamengo mantém o time em parceria com a Marinha do Brasil.
O mesmo faz o Corinthians, que reativou time feminino depois de sete anos fora das disputas na modalidade. A iniciativa aconteceu em parceria com o Grêmio Osasco Audax. O modelo de parcerias usado pelos cariocas e paulistas vem surtindo bons efeitos já que o Corinthians também ganhou um título no último ano – a Copa do Brasil de Futebol Feminino.
A competição foi criada em 2007 e teve Daniela Alves como a primeira campeã pelo Saad Esporte Clube, artilheira e eleita melhor jogadora do torneio. Mesmo que as conquistas algumas questões como salário e visibilidade ainda sofram, Alves enxerga o cenário com otimismo. “É preciso ter gestores neutros e sem preconceito. [O futebol feminino] Vai mudando gradativamente… está caminhando para frente, pelo menos”.
Fonte: Bolsa de Mulher