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Por que o Brasil não segue outros países que desaconselham gravidez por risco de microcefalia

O Brasil é o país onde o vínculo entre a epidemia de zika e o nascimento de bebês com microcefalia foi identificado. São, segundo o último boletim divulgado pelo Ministério da Saúde, 3.448 casos sendo investigados e 270 confirmados de microcefalia em bebês.

 

O governo brasileiro, porém, tem adotado uma postura diferente da de outros países da América Latina e prefere não recomendar às mulheres que evitem engravidar.

Colômbia, El Salvador e Jamaica já fizeram essa recomendação. Segundo seus governos, é melhor que sejam adiados os planos de gestação até que haja maior clareza sobre os riscos da zika.

Mas, por que o Brasil não faz a mesma sugestão? Especialistas ouvidos pela BBC Brasil apontam fatores históricos, econômicos, políticos e legais por trás dessa relutância.

Autor de Contesting Epidemics: How Brazil outpaced the USA in its Policy Response (“Contestando epidemias: como o Brasil ultrapassou os EUA em suas políticas públicas”, em tradução livre), Eduardo Gomez afirma que há diversos motivos para a decisão.

Professor do King’s College, de Londres, ele diz que o país se abstém de emitir a recomendação, em primeiro lugar, porque historicamente os valores da sociedade brasileira são incompatíveis com esse tipo de solução.

“Desde 1988 há liberdade à saúde e respeito aos direitos humanos. Isso está escrito na Constituição. Qualquer coisa que vá contra isso é visto como antidemocrático e pode causar sérios problemas políticos ou sociais a qualquer um que recomendar (adiar a gravidez)”, avalia.

Em novembro, o diretor do Departamento de Vigilância de Doenças Transmissíveis do Ministério da Saúde, Cláudio Maierovitch, chegou a aconselhar às mulheres não engravidar, mas o ministério emitiu nota desmentindo que essa fosse a recomendação oficial.

(Foto: AFP)Resposta do governo a efeitos de epidemia causada pelo Aedes aegypti tem provocado debate

Gomez ressalta que a recomendação demandaria políticas de apoio, como a disponibilização de congelamento de óvulos, o que acarretaria em mais custos. “Isso seria muito difícil em meio à recessão econômica”.

Nesse contexto, continua, “a epidemia de zika seria um catalisador para problemas já existentes, como a falta de verbas para o Sistema Único de Saúde (SUS)”.

O especialista pondera ainda que a recomendação geraria uma resposta hostil por parte da sociedade e traria consequências políticas para o governo.

“Aumentaria ainda mais a hostilidade social ao governo (…) Dilma não quer mais isso, especialmente nesse momento de ameaça de impeachment.”

Lacuna de esclarecimentos

O porta-voz da Organização Mundial de Saúde (OMS) em Genebra, Christian Lindmeier, afirma que a organização e o Brasil não podem se comprometer com uma recomendação desse tipo porque a relação entre a zika e a microcefalia ainda não está completamente esclarecida.

“Pela evidência que temos em mãos, existe a sugestão de uma associação entre zika e microcefalia, mas há muitas coisas que ainda não foram estabelecidas e que precisamos saber. A microcefalia pode ser causada por impactos ambientais, metais pesados, herbicidas, pesticidas, síndromes genéticas, infecções, álcool, drogas, vacinas. E esses podem ser cofatores na má-formação, pois tivemos surtos de zika anteriormente, mas não tivemos microcefalia.”

(Foto: Thinkstock)
Para especialista, Brasil deveria aumentar distribuição de camisinhas neste momento

Procurado pela BBC Brasil, o Ministério da Saúde afirmou que “a gravidez é uma decisão pessoal” e reiterou que não está promovendo políticas de controle de natalidade devido aos casos de microcefalia.

“Não existe, nesse momento, recomendação para aumento de distribuição de camisinhas – ou contraceptivos – relacionados ao vírus zika”, informou em comunicado.

Para Gomez, que escreveu diversos estudos sobre o HIV (vírus causador da Aids) no Brasil, a distribuição de camisinhas é importante para garantir mais proteção a mulheres que queiram adiar a gravidez.

Incerteza

O médico e biomatemático Antoine Flahault, diretor do Instituto de Saúde Global da Universidade de Genebra, diz acreditar que a ausência de evidências contundentes servem de razão para que a OMS não faça a recomendação.

Segundo Flahault, a incerteza é um argumento que funciona “para os dois lados”: enquanto alimenta a cautela dos países latino-americanos, serve de desculpa para a indefinição no caso do Brasil e da OMS.

“Os vínculos entre a microcefalia e a zika ainda não são considerados suficientes por alguns especialistas da organização. (Mas) eu entendo completamente se alguns países preferem tomar medidas fortes e pedir às mulheres que posterguem a gravidez.”

Previsões da Organização Pan-Americana de Saúde (Opas) divulgadas nesta semana apontam que o zika vírus deve se espalhar por todo o continente, ficando fora apenas de Chile e Canadá, onde o Aedes aegypti não está presente.