Polícia revela causa da morte de Belchior
Belchior morreu na madrugada deste domingo (30), em Santa Cruz do Sul, Rio Grande do Sul, durante o sono. Isso de acordo com Luciano Menezes, delegado responsável pela investigação da causa da morte do artista de 70 anos.
Segundo o jornal “Folha de S.Paulo”, a polícia concluiu que o artista, encontrado por sua esposa na sala de estar da casa onde morava, perdeu a vida após uma dissecção da aorta – uma ruptura da parede da principal artéria do corpo humano, causando grande sangramento.
Edna Prometeu, parceira do veterano, disse em depoimento que o amado não tinha problemas de saúde e não tomava medicamentos. Além disso, revelou que ele apenas reclamou de frio e dor nas costas na noite do último sábado (29).
Após pedir um cobertor, Belchior ficou escutando música clássica em seu espaço favorito da casa, uma sala nos fundos da propriedade. Ele não quis dormir na cama e disse à esposa que ficaria mais um pouco no sofá.
Belchior disse o tempo todo que algo não ia bem
© Foto: TV Cultura O músico Belchior no programa Ponto de Encontro da tv Cultura, no final dos anos 1970.
Belchior deixou sempre muito evidente que estava sofrendo. Uma angústia representada em suas letras e em seu comportamento, mesmo quando a carreira atingia o que poderia considerar picos de sucesso. Caetano, Gil, Zé Ramalho, Fagner, Djavan, Tom Zé, Milton Nascimento, Dominguinhos. De todos os emigrantes que procuraram as ‘mecas’ Rio-São Paulo para serem alguém de 1960 para 1970, Belchior foi o único que sentiria um impacto emocional irreversível. A selvageria mercantilista, para ele, era um mal a ser combatido e ele, logo ele, acabaria também vendido a ela no momento em que assinasse com uma grande gravadora.
Na gênese de Belchior, a quem os mais próximos chamavam de Bel, não está a música, mas a filosofia. Enquanto o samba-jazz ainda fervia no Beco das Garrafas, no Rio de Janeiro, e Tom Jobim, João Gilberto, Carlos Lira e Luiz Bonfá davam adeus à primeira fase da Bossa Nova com um espetáculo no Carnegie Hall, de Nova York, Belchior lia Sócrates e Platão no curso de Filosofia na universidade em Fortaleza. Sua vida acadêmica ainda passaria pela Medicina antes de ser abandonada, assim que a turma de conterrâneos que tinha Fagner e Ednardo, conhecida depois como Pessoal do Ceará, cruzasse seu caminho.
Bel era considerado o estranho, o fechado, o imprevisível. Metódico, preferia ler a sair com amigos e tinha uma relação de distanciamento com o dinheiro, principalmente quando alguma nota deveria sair da própria carteira. Devia de quantias irrisórias que pedia emprestado a amigos ou que precisava pagar ao pedreiro a grandes volumes, como as contas dos dois automóveis que abandonou em São Paulo, um deles, no estacionamento do Aeroporto de Congonhas.
Belchior cansou, e seria redutor imaginar que desapareceu nos últimos dez anos para fugir das dívidas. Se assim fosse, teria aceitado oferta de empresários que quiseram pagar suas contas para que ele voltasse aos palcos. Ou aceitado a proposta vultosa de uma montadora de carros que o queria como garoto propaganda dizendo, ao volante, algo como “com um carro desses, até eu volto”. Era melhor viver de favores em um asilo, escondido no interior do País.
O único artista que pratica o auto-exílio na história da música brasileira, fugindo de si mesmo, de um personagem que não aceita mais, era um angustiado, como fez questão de cantar muitas vezes. A palavra “medo” era recorrente em sua obra, principalmente desde o irretocável Alucinação, de 1976.
Ao saber de sua partida, o pesquisador Zuza Homem de Mello faz questão de ligar para a reportagem para dizer o que sente sobre Belchior: “Ele foi um dos mais cultos artistas da MPB. Possuia uma importância extraordinária no pop sobretudo pela canção ‘Como Nossos Pais’. Aquilo foi uma revelação, e ele colocou o tema de maneria extraordinária. Elis Regina teve a percepção disso ao escolher a música para lançá-la no Falso Brilhante.”
Mas Belchior preferiu a distância do passado. Mesmo ovacionado por novas gerações de músicos, tranca-se e passa a dedicar-se a projetos solitários, como a tradução dos 14.230 versos da Divina Comédia, de Dante Alighieri para a linguagem popular, um projeto que nunca concluiria.
Do Estadão