Palavras cruzadas e jogos podem mesmo prevenir a demência?
De acordo com os especialistas, a resposta correta para a velha questão aponta para um verdadeiro quebra-cabeças
Faz sentido em princípio: você exercita seus músculos para torná-los mais fortes e prevenir a fragilidade e o declínio, logo, o seu cérebro deveria funcionar da mesma maneira, certo? Essa premissa lançou vários sites e aplicativos de treinamento cerebral e provavelmente contribuiu para a venda de inúmeros livros de Sudoku, palavras cruzadas e quebra-cabeças nas últimas duas décadas. Também inspirou muitos pesquisadores acadêmicos a explorar se o treinamento cognitivo realmente pode tornar as pessoas mais inteligentes e até diminuir o risco de demência.
Mas, como muitas vezes acontece na ciência, uma ideia aparentemente simples é mais complicada do que parece. A resposta para “o treinamento do seu cérebro é útil?” depende do tipo de exercícios que você está fazendo e dos benefícios que está buscando.
Quando psicólogos realizam pesquisas sobre a possibilidade de melhorar a cognição, eles geralmente usam jogos de computador desenvolvidos para aprimorar um aspecto específico de como pensamos. Alguns jogos de treinamento cerebral ensinam estratégias para melhorar uma habilidade ou reconhecer padrões. Outros aumentam gradualmente a velocidade e a dificuldade para desafiar o cérebro, diz a professora de psicologia Lesley Ross, da Clemson University.
Muitos estudos mostraram que se entreter com esses jogos pode melhorar as habilidades cognitivas das pessoas — não apenas na tarefa específica em que estão trabalhando, mas também em tarefas relacionadas. Isso “não é nada surpreendente”, comenta o professor de neurociência cognitiva e imagem, Adrian Owen, da Universidade de Western, em Ontário, Canadá, assim como alguém que praticar memorizar números de telefone provavelmente melhoraria em lembrar datas.
As evidências de que jogar um tipo de jogo tornará você mais inteligente em geral ou ajudará a melhorar em uma tarefa completamente diferente são menos convincentes.
— O treinamento cerebral funciona no sentido de que, se você quer aprender a tocar violino, você vai melhorar se praticar o violino — acrescenta Owen. Mas se você aprender a tocar violino, você melhora em tocar trompete? — Bem, a resposta óbvia é não.
Algumas empresas de treinamento cerebral afirmam que seus jogos também podem ajudar a evitar o declínio cognitivo, mas a pesquisa que investiga essa conexão é escassa. Um dos poucos estudos que analisou essa afirmação descobriu que adultos mais velhos saudáveis que jogaram um jogo projetado para melhorar a velocidade de processamento tinham um risco 29% menor de demência uma década depois. Pessoas que jogaram outros dois jogos, uma tarefa de memória ou uma tarefa de resolução de problemas também apresentaram risco reduzido, embora o benefício não fosse significativo em comparação com aqueles que não jogaram.
Os especialistas disseram que esse estudo sugere que os jogos de treinamento cerebral têm potencial, mas mais ensaios clínicos são necessários.
Hobbies
Há mais pesquisas sobre como hobbies e comportamentos cotidianos — como fazer palavras cruzadas, jogar jogos de tabuleiro, ler livros ou jornais, ou aprender outra língua — podem proteger contra o declínio cognitivo.
Vários estudos sugeriram que quanto mais frequentemente as pessoas se envolvem em atividades cognitivamente estimulantes, menor é o risco de comprometimento cognitivo ou adiamento de um diagnóstico de demência. Por exemplo, um estudo descobriu que, entre adultos que desenvolveram demência, aqueles que completavam regularmente palavras cruzadas atrasaram o início do declínio da memória em mais de dois anos em comparação com aqueles que não o faziam.
Se algo é mentalmente desafiador, “as chances são de que isso seja bom para o seu cérebro”, comenta Lesley. Mas, ela acrescenta, esses estudos de atividades cotidianas não são ensaios clínicos randomizados — o padrão ouro em ciência e medicina — que forneçam um vínculo definitivo entre hobbies cognitivamente estimulantes e um risco reduzido de demência. Em outras palavras, as evidências atuais mostram apenas uma associação, não uma relação de causa e efeito direto.
Quando perguntados sobre por que essas atividades, seja um jogo especialmente projetado ou uma palavra cruzada, poderiam ajudar o cérebro, os especialistas mencionaram a teoria da “reserva cognitiva”. A ideia é que quanto mais “musculatura mental” alguém tiver, mais resiliente será à demência, afirma o médico Joe Verghese, presidente do departamento de Neurologia da Escola de Medicina Renaissance, da Universidade Stony Brook.
Essas atividades provavelmente não evitarão os danos cerebrais que levam à demência. Mas se alguém desenvolver a doença de Alzheimer, a reserva cognitiva “pode mascarar o efeito e atrasar o início dos sintomas por alguns anos”, comenta Verghese.
O apoio a essa teoria vem de pesquisas que demonstram que pessoas com mais educação têm um risco menor de desenvolver demência, diz o médico Samuel Gandy, diretor associado do Centro de Pesquisas da Doença de Alzheimer Mount Sinai, na cidade de Nova York. Outros estudos mostraram o mesmo para pessoas com empregos cognitivamente desafiadores. É possível que hobbies mentalmente estimulantes possam ter um efeito semelhante.
No entanto, não há como medir diretamente a reserva cognitiva, acrescenta Owen. Como resultado, é difícil afirmar se jogos de treinamento cerebral podem também aprimorá-la.
Em vez disso, alguns pesquisadores apontam para evidências de que os jogos podem aumentar e fortalecer as conexões entre os neurônios, chamadas sinapses. Pode ser que “tendo mais sinapses, você possa perder algumas e não notar”, comenta Gandy.
Os especialistas geralmente concordam que, assim como o exercício físico ou a permanência socialmente ativa, atividades cognitivamente estimulantes poderiam potencialmente ajudar a proteger contra o declínio cognitivo, e elas têm praticamente nenhum efeito negativo.
Vale a pena?
Quando se trata de jogos de treinamento cerebral especialmente projetados, suas opiniões foram mais inconclusivas e, em grande parte, dependiam de se o custo de uma assinatura de um site de treinamento cerebral valia a pena. Verghese diz que os jogos oferecem “estímulo cognitivo de maneira sistemática”, tornando-os uma despesa que vale a pena para aqueles que podem pagar.
Já Owen contra-argumenta que as pessoas deveriam economizar seu dinheiro, já que muitas das alegações dos sites de treinamento cerebral sobre melhorar a cognição ou evitar demência “simplesmente não são cientificamente defensáveis”.
Talvez Samuel Gandy tenha resumido o debate da melhor maneira.
— Eu não acho que isso vá fazer mal, mas não posso prometer que isso vai ajudar também — conclui.
Por Katie Mogg e Dana Smith,
Em The New York Times