O Milharal da Vida

Por Wilton Emiliano Pinto *

Recentemente fui presenteado com o livro de Rubem Braga, “100 CRÔNICAS ESCOLHIDAS”, presente de minha filha  Nagila.  Ao manusear o livro, me chamou a atenção, a crônica, “Um pé de milho”. Me encantei com a primeira leitura. Fiquei muito ligado ao que escreveu o autor, com uma desenvoltura que me deixou emocionado e me levou as minhas origens, o meio rural.

As pessoas falam sobre tantas coisas grandiosas, sobre avanços tecnológicos, sobre os mistérios da vida, sobre momentos importantes. Mas, para mim, um dos momentos importantes, aconteceu num pedaço de terra, quando plantei meu último milharal.

Foi em 2009, lá na chácara de Claudinapolis.  A terra, generosa, acolheu as sementes com carinho, e logo os brotos romperam o solo, frágeis e determinados. Acompanhei, dia após dia, o crescimento das folhas que se erguiam ao céu, buscando luz e força. Lembrei-me da infância, do tempo em que o milharal era vasto e eu corria entre as fileiras verdes, sentindo o cheiro doce das espigas em formação, lá na fazenda da mata, povoado de Estulânia, município de Piracanjuba, Goiás, onde nasci. Mas ali, naquele momento, não havia hectares intermináveis, apenas um pedaço de chão e a esperança de uma colheita farta.

Voltei no tempo e vi-me menino, ajudando meu pai na lida diária. Depois da colheita, vinha a tarefa de armazenar o milho no paiol, garantindo o sustento dos animais e o alimento da casa. O paiol era nosso cofre de ouro, onde os grãos se acumulavam, prontos para alimentar as vacas no curral, os porcos no chiqueiro, e as galinhas que cacarejavam no quintal. O milho também era parte essencial de nossa mesa. Mamãe, com mãos ágeis e amorosas, preparava pamonhas que tinham um sabor único, doce e cremoso, como só as da infância conseguem ser. O cheiro das espigas cozidas invadia a casa, misturando-se ao aroma do café recém-passado e à brisa fresca da manhã.

Lembro-me dos cavalos puxando a carroça carregada de espigas, do som do milho sendo debulhado, da poeira dourada que dançava no ar sob a luz do entardecer. Tudo fazia parte de um ciclo simples e sagrado, onde a terra, os animais e os homens viviam em harmonia, cada qual cumprindo seu papel. A vida era dura, mas havia alegria no trabalho, no convívio e na fartura que a terra nos oferecia.

E assim, anos depois, quando plantei aquele milharal em 2009, senti que revivia parte dessa história. Os amigos vieram, a família se reuniu, e do pequeno plantio nasceu uma grande festa. A pamonhada foi farta, o milho transformado em quitutes que resgatavam o sabor das memórias. Não era apenas alimento; era história, era tradição, era a reafirmação de que a terra, quando bem tratada, retribui com generosidade.

Agora, anos depois, a vontade de plantar mais uma vez ressurge. Quem sabe no mesmo local, quem sabe em outro pedaço de chão. Dependerá da sorte, da vida e de um punhado de fé. Pois plantar é sempre um ato de esperança, uma conversa silenciosa com o tempo, um compromisso com o futuro e uma ajuda do universo.

O meu último milharal ainda vive em minha lembrança, assim como aquele pé de milho solitário do cronista Rubem Braga, que se fez grande mesmo num pequeno canteiro. O meu, cercado de família e amigos, cresceu para além da terra: enraizou-se na memória, floresceu no coração.

E, talvez, ainda haja tempo para mais uma colheita.

* Wilton Emiliano Pinto é Contabilista, Funcionário Público aposentado e gosta de uma boa prosa.