O homem que concluiu o ensino médio aos 32 anos, virou professor e hoje luta pela educação em região pobre
Ele só teve a chance de cursar o ensino fundamental a partir dos 29 anos, mas viu na educação a forma de ascender na vida – tanto que se tornou diretor de escola e hoje atua para melhorar a educação de um colégio público na mesma região carente onde nasceu.
Máximo Ribeiro, 55, vem de uma família de agricultores no Vale do Ribeira, região ao sul do Estado de São Paulo que tem um dos menores índices de desenvolvimento humano do Estado.
Morador da zona rural, ele começou a trabalhar na lavoura na infância e passou anos sem frequentar a escola, ainda que tenha sido ensinado pelo pai a ler e fazer contas.
Ribeiro só retomou os estudos depois de se mudar à região urbana do vale, para trabalhar em um complexo industrial de cimento e produtos químicos.
Concluiu o colegial (equivalente hoje ao ensino médio) com um curso supletivo, aos 32 anos. E não parou mais de estudar: formou-se em matemática e pedagogia, fez duas pós-graduações na área educacional e cursou um MBA.
Foi professor por mais de uma década até 2013, quando se tornou diretor da Escola Municipal Prof. Maria da Conceição Rodrigues de Alcântara, que atende crianças do pré ao 5º ano do ensino fundamental em Cajati, também no Vale do Ribeira.
No mesmo ano, percebeu a dificuldade dos alunos do 4° ano em realizar as operações básicas da matemática (soma, subtração, multiplicação e divisão) e mobilizou a equipe da escola para buscar soluções.
O caminho escolhido foi dar uma nova formação aos professores, acompanhando-os em sala de aula, promovendo atividades que estimulassem o aprendizado matemático (com jogos e materiais recicláveis) e trazendo de volta às aulas os alunos que tinham muitas faltas.
A iniciativa deu frutos e foi selecionada pelo projeto Gestão Para Aprendizagem, das organizações Elos Educacional e Fundação Lemann, que faz a capacitação de gestores escolares.
A escola vem melhorando sua nota no Ideb (índice estatal que mede desempenho dos alunos) – passou de 5,9 em 2013 para 6,3 em 2015, semelhante à média paulista (6,4).
Hoje Ribeiro diz se empenhar por melhorias na formação de professores e para que os docentes de sua escola “vistam a camisa” por mais avanços no ensino.
Leia seu depoimento à BBC Brasil:
“Só iniciei o ensino fundamental em 1989, com 29 anos. Antes disso, era complicado. Morava na zona rural, não tinha estrada, a escola era longe, o caminho era perigoso.
Meu pai sabia ler e escrever mesmo sem ter ido à escola, era autodidata.
Aprendi muito com ele e sou muito grato pelo esforço que ele fez. Foi meu primeiro professor: fazia lição com a gente antes de ir para a roça.
E sempre gostei muito de ler. Lia os jornais que embrulhavam as mercadorias que meu pai trazia da cidade; também líamos a Bíblia em família.
Quando mudamos para a cidade, descobri um mundo até então desconhecido. Trabalhava em um complexo industrial e decidi fazer o Mobral (antigo Ensino para Jovens e Adultos, o EJA) para conseguir o diploma da 4ª série.
Mais tarde, segui pelo ensino fundamental e, com um supletivo, concluí o colegial aos 32 anos, em 1992.
Amo estudar e nunca mais parei: me formei em matemática e pedagogia, com mais duas pós-graduações. Sonho agora em fazer um mestrado, algo difícil com a carga horária do trabalho.
Claro que essa trajetória (de estudo tardio) teve momentos difíceis: para conciliar com os horários da fábrica onde trabalhava, eu faltava muito às aulas; o supletivo ficava a 13 km de Cajati e o transporte era difícil. Fora as dificuldades financeiras.
Mas o estudo foi a única forma que eu vi (de crescer). Eu nem sabia o que era empreendedorismo na época.
Em 1999, comecei a dar aula nos ensinos fundamental e médio. O professor tem que ser polivalente: eu dava aula de ciências e cobria inglês ou geografia, por exemplo, quando faltava um colega.
Também dei aula no EJA e me colocava no lugar daqueles alunos: gente com 66 anos se alfabetizando depois de ter trabalhado o dia todo.
Por dois anos, lecionei em escola rural, onde as deficiências são parecidas: é difícil os alunos terem interesse pelo estudo, estão ali apenas cumprindo uma obrigação.
Procuro entrar no mundo deles para entender o que esperam da escola. O que posso fazer para melhorar a vida deles? Acho que é preciso partir do que o aluno já conhece para dar significado às aulas.
Em 2013, em concurso público, me tornei diretor da escola municipal Maria da Conceição Rodrigues de Alcântara, em Cajati. Via que os alunos tinham muita dificuldade em matemática e raciocínio lógico.
Notamos que eles não conseguiam se apropriar de conceitos básicos, como os geométricos ou de algarismos e operações básicas.
Decidimos, então, por um caminho simples: voltar aos conceitos mais elementares das aulas em um projeto para as crianças do 4º ano (cerca de 9 anos de idade).
Para isso, demos nova formação aos próprios professores, fizemos o acompanhamento constante das aulas e um bom planejamento, envolvendo docentes e gestores: cada aula tem que ter um objetivo bem definido e atividades diversificadas, adaptadas ao perfil de cada turma.
Depois, (fizemos) uma avaliação constante dos resultados, retomando os pontos que precisavam ser corrigidos e buscando os alunos faltosos.
O Ideb da escola melhorou, e nos pediram que fizéssemos a multiplicação do projeto e das ferramentas de gestão para outras escolas de Cajati.
O mais importante é ter um corpo docente qualificado, e isso você nem sempre consegue no ensino público brasileiro. Grandes cérebros não costumam ir para o magistério.
E digo isso pela minha própria formação em pedagogia, que foi muito ruim: saí dela sem estar preparado para dar aula e para entender os 25 mundos (em referência aos alunos) presentes em cada sala.
Hoje, o meu desafio é trazer boas práticas para dentro da minha escola e conseguir que as pessoas (docentes) vistam a camisa e se disponham a aplicá-las. Nem sempre é fácil fazer com que todos estejam alinhados em um mesmo objetivo.
Mas acredito que posso tornar a minha escola referência. É um trabalho complexo, que não vai ser feito em um ou dois anos, mas o primeiro ponto é desejar isso e despertar isso nos demais. Não podemos nos contentar com estar na média, com a mediocridade.
Temos que mostrar também que os alunos podem mais – se tivermos uma boa estratégia, conseguimos isso.”
Por