O Espelho do Outro Mundo
Por Wilton Emiliano Pinto *
Às vezes, quando a noite se impõe silenciosa e os ruídos do mundo se recolhem, gosto de imaginar que há um outro “eu” por aí. Não em outro bairro, nem em outro país. Um “eu” em outra dobra do tempo, em um universo paralelo onde as escolhas foram diferentes — onde os caminhos que temi, ou que perdi, foram trilhados.
E é curioso como essa ideia, tão improvável quanto fascinante, me abraça com um misto de consolo e saudade. Como se fosse possível reencontrar as pessoas que perdi, as oportunidades que escorreram por entre os dedos, os sorrisos que não devolvi a tempo. Coisas pequenas, mas que, no balanço da vida, fazem um peso danado.
Talvez nesse outro mundo, minha mãe ainda cante baixinho ao entardecer, e meu pai ainda caminhe firme pelo quintal, olhando as árvores como quem conversa com elas. Talvez eu tenha dito “sim” quando disse “não”, ou permanecido quando fugi. Quem sabe ali eu tenha coragem de andar descalço sobre o desconhecido, de amar sem freios, de errar sem medo de me quebrar.
Nesse universo alternativo, talvez eu escreva cartas longas, à mão, como antes. Talvez eu ainda me emocione ao ver um rio correndo manso, lembrando do tempo em que acampava na beira do rio do Peixe, ouvindo o silêncio da noite bordado por grilos e esperança. Talvez, lá, eu ainda tenha um sítio, mesmo que simples, mesmo que só um pedaço de chão e céu.
Mas, por mais que eu deseje me sentar com esse outro “eu” e ouvir suas histórias — talvez mais felizes, talvez só diferentes —, sei que ele não pode viver por mim. E mais: sei que ele também me invejaria. Porque eu sou real. Eu sou quem sente o cheiro do café todas as manhãs, quem toca a pele do amor com as mãos, quem chora de verdade vendo um pôr do sol se apagar no horizonte.
É verdade que a vida, às vezes, parece menor do que os sonhos. Mas também é verdade que ela é feita de instantes de grandeza que, se não estivermos atentos, passam despercebidos. Uma conversa no portão. Um abraço apertado. Um olhar que diz “fica”. A gentileza gratuita de um estranho. Coisas assim, miúdas, mas cheias de alma.
Não posso atravessar portais ou visitar galáxias espelhadas. Mas posso, neste universo aqui, me tornar uma versão melhor de mim — mesmo que não seja perfeita. Posso aprender a escutar mais do que falo, a perdoar antes do adeus, a desacelerar quando tudo pede pressa. Posso, sobretudo, entender que o mundo paralelo mais potente é aquele que construímos por dentro, onde plantamos sonhos e colhemos passos. Onde a versão idealizada não é inalcançável, mas uma direção. Uma luz tênue no fim da rua, que nos guia sem pressa, só com vontade.
Talvez seja esse o milagre silencioso da vida: ela nos oferece todos os dias uma folha em branco, e mesmo que a tinta dos dias passados já esteja seca, podemos, ainda assim, escrever novos capítulos. Reinventar rotinas, desfazer certezas, cultivar afetos que antes não regávamos.
Sim, é melancólico pensar no que não foi. Mas é ainda mais bonito perceber que o que ainda pode ser depende, em grande parte, de nós. E que essa vida, mesmo com suas falhas, é o palco sagrado da transformação.
Afinal, mesmo sem poder pular de universo em universo, podemos todos os dias pular de quem fomos para quem queremos ser. E isso, no fundo, é o que mais importa.
