O Amor Adulto

Por Wilton Emiliano Pinto *

Era uma manhã comum, daquelas em que o trânsito parece engolir as horas, e a cidade respira apressada entre buzinas e olhares perdidos. O semáforo fechou. Do lado de fora da janela, surgiu uma figura franzina, quase invisível para os olhos distraídos — um homem com os pés descalços, o rosto cansado, e a esperança sustentada por uma mão estendida.

No bolso, algumas moedas. Na alma, um gesto. Sem pensar demais, entreguei o trocado, aquele pequeno pedaço do meu supérfluo. Um movimento simples, automático talvez. Mas, enquanto o carro permanecia parado e o sinal vermelho insistia em reter a pressa do mundo, o coração ficou… inquieto.

Foi ali, naquele breve instante, que me vi. Me vi profundamente, como diante de um espelho que não perdoa disfarces. Vi o amor que dou. Não aquele amor dos romances juvenis, inflamado e sonhador, mas o amor adulto — amadurecido pelo tempo, pelas cicatrizes, pelas decepções e esperanças recicladas.

Esse amor adulto é curioso. Ele doa, sim. Ele compartilha. Mas também se questiona. Ao estender a mão ao outro, ele sussurra: “Será que estou tentando aliviar a dor alheia ou redimir a minha culpa? Será que, ao oferecer moedas, estou apenas comprando um bilhete para o céu?”

Há um jogo silencioso nisso tudo, uma espécie de troca velada que a gente quase não percebe. Dou, porque posso. Dou, porque quero ajudar. Mas, bem no fundo, também espero algo de volta — nem que seja o consolo de me sentir bom, justo, digno. É uma doação, mas também uma procura. Uma tentativa de reencontro comigo mesmo, com a minha espiritualidade, com a fé de que estou fazendo a coisa certa, mesmo em um mundo tão errado.

E é aí que mora a nostalgia — na lembrança de um tempo em que amávamos sem medir, sem esperar nada, sem consciência plena dos pesos e trocas da vida. O amor infantil acreditava que tudo era eterno. O amor adolescente era um salto no escuro. Mas o amor adulto… ah, o amor adulto é um campo minado de intenções e expectativas, um espelho que nos obriga a enxergar o que somos e o que ainda não conseguimos ser.

Talvez seja mesmo isso: o amor que aprendi a sentir não é perfeito, nem puro, mas é sincero no esforço. Ele tropeça nas próprias dúvidas, mas continua andando. E se, ao dar uma moeda no semáforo, ainda me pergunto se estou comprando um pedaço do céu, que seja. Porque é nesse conflito que reside a grandeza da alma humana — reconhecer que estamos em construção, mesmo quando já parecemos prontos por fora.

O sinal abre. O carro segue. Mas algo ficou parado ali, entre as linhas do asfalto e o silêncio daquele homem. Ficou a pergunta, a reflexão, o eco de um gesto que não foi só de ajuda — foi de busca. Uma busca que me acompanha, dia após dia, em cada semáforo da vida. Porque o amor adulto, esse amor de trocas e esperanças, talvez seja o passo necessário antes de aprendermos, enfim, o amor que nada exige — só é.

E nessa estrada longa da existência, quem sabe o que vale mesmo é tentar.

Tentar amar. Tentar entender. Tentar ser.

* Wilton Emiliano Pinto é Contabilista, Funcionário Público aposentado e gosta de uma boa prosa.

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