Mujica queria ser cremado e ter cinzas enterradas junto de sua cadela de estimação
Aos 89 anos, Mujica se despediu com simplicidade e afeto: pediu que suas cinzas fossem colocadas sob a árvore onde jaz sua cadela de estimação
O ex-presidente do Uruguai José “Pepe” Mujica, um dos principais símbolos da esquerda latino-americana, faleceu nesta terça-feira (14) aos 89 anos. Entre os muitos episódios que marcaram sua trajetória política e pessoal, destaca-se a profunda ligação com sua cadela Manuela, com quem compartilhou mais de 20 anos de uma vida simples na chácara Rincón del Cerro, nos arredores de Montevidéu.
Uma companheira inseparável
Manuela, uma cadela com apenas três patas, era frequentemente descrita por Mujica como “a rainha da casa”. A cadela faleceu em 2018 e foi sepultada sob uma sequoia plantada na propriedade do ex-presidente e de sua esposa, a ex-senadora Lucía Topolansky.
Em diversas entrevistas, Mujica manifestou o desejo de que suas cinzas fossem depositadas no mesmo local. “Viveu 22 anos, o que é um recorde para um cão. Está enterrada debaixo de uma sequoia. No dia em que morrer, pedi para ser cremado e as cinzas colocadas ali, debaixo daquela árvore, ao lado da Manuela”, declarou à CNN em 2020. Em tom característico, acrescentou: “Quanto mais conheço os humanos, mais gosto dos cães”.
Último pedido reiterado no fim da vida
Ainda em 2024, já em delicada condição de saúde, Mujica voltou a reafirmar sua vontade: “O meu destino é debaixo daquela sequoia, onde a Manuela está enterrada. Quando morrer, vão cremar-me e enterrar-me lá”. A árvore, situada no jardim da residência do casal, tornou-se símbolo de afeto e despedida.
Reflexões sobre a vida e a morte
Fiel ao seu estilo filosófico, Mujica costumava refletir com profundidade sobre a existência. “A vida é uma aventura de moléculas. Este pedaço em que estamos no topo do planeta é o paraíso e o inferno. Viemos do nada e vamos para o nada”, disse certa vez. Embora confessasse desejar que houvesse vida após a morte, mantinha ceticismo: “Gostaria que houvesse, mas acho que não”.
De acidente à devoção mútua
Manuela nasceu em Paysandú e era filha de Dunga, cão da irmã de Topolansky. Ganhou o nome em homenagem à tartaruga da animação argentina Manuelita, la tortuga. Após enfrentar dificuldades de convivência com um pastor alemão que também vivia na chácara, tornou-se sua parceira de aventuras — os dois, segundo Lucía, “saíam juntos para caçar”.
Após a morte do pastor, Manuela passou a dormir dentro da casa, sempre próxima ao casal. Sua deficiência foi consequência de um acidente com um trator conduzido pelo próprio Mujica. Ao ser perseguida por cães da vizinhança, correu em direção ao dono e acabou atingida. “O tendão ficou pendurado”, relembrou Mujica, visivelmente abalado.
Lealdade até o fim
O afeto entre Mujica e Manuela era recíproco. Em 2005, quando o ex-presidente precisou ser hospitalizado por um mês, a ausência deixou marcas na cadela. “Ia às seis da manhã tomar conta dele e voltava às seis da tarde. Quando chegava no carro, ela estava lá à espera. De que é que ela estava à espera? Que o Pepe saísse. Estava toda contente e depois… orelhas caídas”, recordou Topolansky. “No dia em que ele voltou, parecia que a cauda dela ia cair de alegria.”