Morte de Juscelino Kubitschek voltará a ser investigada por possível sabotagem
Novos indícios sugerem que a morte do ex-presidente Juscelino Kubitschek pode ter sido resultado de sabotagem no veículo em que estava.
Com base em informações levantadas pelas Comissões da Verdade de São Paulo e de Minas Gerais, o governo federal e a Comissão sobre Mortos e Desaparecidos Políticos avaliam reabrir as investigações sobre o caso.
A decisão pode ser tomada em reunião marcada para esta sexta-feira (16), no Recife. Juscelino faleceu em agosto de 1976, em um acidente de carro na Rodovia Presidente Dutra, no Rio de Janeiro. Na época, as investigações oficiais concluíram que a morte foi uma fatalidade, posição reafirmada pela Comissão Nacional da Verdade, em 2014, e por uma comissão externa da Câmara dos Deputados, em 2001. Entretanto, recentes informações apontam para a hipótese de sabotagem mecânica, intoxicação do motorista ou até mesmo um disparo de arma de fogo contra o condutor do veículo.
Na data do acidente, o automóvel, um Opala, era dirigido por Geraldo Ribeiro. Em 1996, o perito Alberto Carlos de Minas exumou o corpo do motorista e identificou uma perfuração no crânio compatível com um disparo de arma de fogo. A versão oficial divulgada durante o regime militar afirmava que o carro de JK colidiu com uma carreta após ser atingido por um ônibus da Viação Cometa.
Contudo, em 2013, Josias Oliveira, motorista do coletivo, declarou ao Ministério Público Federal (MPF) que recebeu uma oferta de propina para assumir a responsabilidade pelo acidente. O MPF concluiu que não houve colisão com o ônibus, embora não tenha conseguido determinar se o caso se tratou de um atentado. A destruição do Opala, ocorrida no pátio da delegacia, teria dificultado uma investigação mais aprofundada.
A reabertura das investigações deve considerar novos documentos históricos e o depoimento de testemunhas. Documentação divulgada pelo jornalista Jack Anderson, no The Washington Post, sugere que Juscelino poderia ser um dos alvos da Operação Condor — plano coordenado entre ditaduras sul-americanas para eliminar opositores políticos. O nome do ex-presidente consta no mesmo documento em que aparece Orlando Letelier, diplomata chileno assassinado em Washington, em setembro de 1976. A CIA reconheceu envolvimento na morte de Letelier.
Suspeitas de perseguição política
Lea Vidigal Medeiros, advogada e pesquisadora, coautora do livro O assassinato de JK pela ditadura: documentos oficiais, sustenta que a ditadura militar instalada em 1964 tinha interesse na morte do ex-presidente.
Segundo a pesquisadora, em 1976, JK participava de articulações pela abertura democrática, o que incomodava os militares. “Ele foi cassado, perseguido, vítima de tentativas de assassinato. Juscelino saiu de São Paulo para o Rio em um momento em que estava agindo politicamente pela abertura democrática”, afirma. “Está documentado que havia planos para assassiná-lo e que a Operação Condor buscava eliminar opositores. Isso tudo consta no relatório.”
Lea também destaca que o Opala envolvido no acidente sofreu modificações na delegacia, comprometendo as análises periciais. “O carro colidiu com a carreta de forma programada. O perito afirma que não foi um acidente. Isso desmonta a perícia feita pelo Instituto Carlos Éboli, da ditadura. As provas também indicam que essa perícia foi manipulada e ocultada. Dentro do pátio da polícia, quebraram uma lanterna do carro e depois usaram isso como justificativa para o acidente”, afirma.
Reparação histórica
Recentemente, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) determinou que as certidões de óbito de vítimas da ditadura militar sejam retificadas para registrar “morte violenta causada pelo Estado”. Lea defende que a mesma alteração seja feita no documento de Juscelino, como uma forma de reparação histórica.
Para a pesquisadora, a responsabilidade de provar a causa da morte deve recair sobre o Estado. “A vítima nunca poderá provar que foi assassinada. Cabe ao Estado demonstrar que não cometeu esse crime. A causa da morte precisa ser corrigida. É exatamente o que ocorreu com Rubens Paiva: a pessoa desapareceu, foi perseguida, torturada e nunca mais encontrada. Não há como provar que foi assassinato, mas também não há como provar o contrário”, argumenta.
No caso de Rubens Paiva, a inversão do ônus da prova permitiu que a certidão de óbito fosse alterada. “Agora, a Comissão de Mortos e Desaparecidos tem a oportunidade de fazer o mesmo com JK e garantir essa reparação histórica”, conclui.