Moro diz que investigar vazamentos é como ‘caça a fantasmas’
O juiz federal Sérgio Moro reconheceu vazamentos em delações de executivos da Odebrecht na operação Lava Jato e afirmou que investigá-los “é quase como se fosse uma caça a fantasmas”.
“Não estou reclamando destas proteções jurídicas, acho importante”, afirmou Moro.
O ex-presidente Lula, por sua vez, enviou uma petição ao comitê de direitos humanos da Organizações das Nações Unidas (ONU), alegando que a operação busca a “destruição de reputação através de vazamentos ilegais de documentos e depoimentos à mídia”.
À reportagem, Moro disse que investigar jornalistas e veículos que publicaram conteúdos vazados “seria contrário a proteção de fontes, à liberdade de imprensa”.
“E isso nós não faríamos”, disse.
Sobre o recuo na investigação contra o blogueiro Eduardo Guimarães – que no mês passado teve celular, pen-drive e notebook apreendidos na investigação do suposto vazamento do mandado de condução coercitiva do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, no ano passado -, Moro argumentou que “é difícil” definir o que é um jornalista.
“Existe a posição no Brasil de que não é necessário um diploma, mas o fato de você ter uma página na internet qualifica alguém como jornalista? Então, por exemplo, você tem uma página no Facebook, isso é jornalismo? Ou um blog, como era o caso, é jornalismo?”
Após ser criticado por órgãos como a associação Repórteres sem Fronteiras, o juiz voltou atrás e excluiu Guimarães do processo.
Moro também nega qualquer conflito ético nas fotos em que aparece sorrindo ao lado do senador Aécio Neves (PSDB), que tem foro privilegiado e teria acertado repasses de R$ 50 milhões, segundo executivos da Odebrecht e da Andrade Gutierrez, após o leilão para a construção da hidrelétrica Santo Antônio, em Rondônia, em dezembro de 2007.
As imagens foram divulgadas no ano passado. “Olha, não tenho nenhum processo do senador na minha responsabilidade porque ele tem foro privilegiado e não foi tratado sobre assuntos relativos ao processo, evidentemente.”
Leia a entrevista completa da BBC Brasil com o juiz federal Sergio Moro durante a Brazil Conference, organizada por estudantes de Harvard e do MIT (Massachusetts Institute of Technology) no último fim de semana, nos EUA.
BBC Brasil – Estamos em um momento em que o núcleo do governo tenta invalidar delações da Odebrecht, alegando vazamentos ilegais a imprensa. Essa falta de controle pode colocar em risco a operação, uma vez que estamos em uma das principais delações neste momento. Como é que a Lava Jato consegue descobrir o maior esquema de corrupção do Brasil, ou um deles, mas não consegue controlar este tipo de vazamento?
Sérgio Moro – É, esta é uma questão interessante. É como aquela velha charada: “O que é o que é que quando você divide você destrói?” E isso é um segredo. A partir do momento em que se compartilha a informação com outras pessoas, sempre vai surgindo a possibilidade de um vazamento ilegal.
Às vezes, tem-se de fazer uma ressalva, há uma crítica a supostos vazamentos na Lava Jato que não são propriamente vazamentos. Nossa legislação exige que estes processos sejam conduzidos em público, que os julgamentos sejam públicos, e isso significa também que as provas acabam se tornando públicas em um momento no processo. Então, muitas vezes, o que as pessoas falam que é vazamento na verdade não é.
Agora, pontualmente realmente ocorreram vazamentos e muitas vezes se tenta investigar isso, mas é quase como se fosse uma caça a fantasmas, porque normalmente o modo de se investigar isso de maneira eficaz seria, por exemplo, quebrando sigilos do jornalista que publicou a informação. E isso nós não faríamos, porque seria contrário a proteção de fontes, à liberdade de imprensa.
Então, infelizmente, há uma dificuldade de descoberta desses fatos. Não que nós não tenhamos mecanismos de investigação, mas que a utilização deles fica comprometida por conta dessas proteções jurídicas. E eu não estou reclamando destas proteções jurídicas, acho importante.
BBC Brasil – O senhor citou a liberdade de imprensa e o direito ao sigilo de fontes. A associação Repórteres sem Fronteiras classificou como “clara tentativa de quebra de sigilo de fonte” a condução coercitiva do blogueiro Eduardo Guimarães, do blog da Cidadania. Como o senhor avalia esse episódio? Esse foi um equívoco?
Moro – Olha, esse é um caso pendente, então eu teria dificuldade de falar. Mas, baseado no que já foi colocado no processo, tem uma questão jurídica relevante em qualificar a atividade, em particular daquela pessoa, como ele sendo jornalista ou não. Havia uma série de controvérsias a respeito de se o que a pessoa fazia era jornalismo ou não.
Houve algumas manifestações, por exemplo até desse próprio órgão, no sentido de que seria a atividade dele jornalismo, e se entendeu de tomar a postura mais prudente, já que alguns órgãos assim de classe ou representativos estavam tendo essa posição, de se tratá-lo como jornalista.
BBC Brasil – Essa avaliação foi feita antes da repercussão negativa também?
Moro – Sim, foi uma questão debatida no processo. E realmente não é uma questão tão fácil. O que define um jornalista, né? Tudo bem, existe a posição no Brasil de que não é necessário um diploma, mas o fato de você ter uma página na internet qualifica alguém como jornalista? Então, por exemplo, você tem uma página no Facebook, isso é jornalismo? Ou um blog, como era o caso, é jornalismo? Então havia uma série de discussões em cima da circunstância fática envolvendo aquele caso.
BBC Brasil – Na opinião do senhor, especificamente, esse tipo de atividade é jornalismo?
Moro – Não, eu não entraria nesse mérito porque é um caso pendente. Estou dizendo que teve essa controvérsia.
BBC Brasil – Opositores e políticos que são alvo da Lava Jato alegam ciclicamente que a operação seria parcial ou relevaria determinados personagens políticos ou determinados partidos. O senhor deu munição a esses argumentos quando foi fotografado sorrindo junto com o senador Aécio Neves em um evento que homenageou Michel Temer, ambos citados no âmbito da operação. O senhor se arrepende desse momento?
Moro – Olha, a investigação é feita de maneira indiferente às opiniões políticas dos investigados. O que é relevante é se há comportamento criminoso ou não, e não a questão da opinião pública dessa pessoa. Agora, o juiz tem uma vida que também é fora do gabinete e às vezes existem essas situações de serem tiradas fotos.
Aqui mesmo neste evento muitas pessoas pedem fotos e muitas vezes a gente fica até constrangido de não tirar foto. Era um evento público, foi tirada a foto, e o que há é uma exploração política do episódio, mas não existe nenhum comportamento impróprio da minha parte.
BBC Brasil – O senhor, portanto, não vê ali então nenhum conflito ético.
Moro – Olha, eu não tenho nenhum processo do senador na minha responsabilidade porque ele tem foro privilegiado e não foi tratado sobre assuntos relativos ao processo, evidentemente. Se você está em um evento e as pessoas tiram fotos, bem, não tem como evitar.
BBC Brasil – Como o senhor avalia a proposta do Procurador-Geral da República, Rodrigo Janot, de criminalização da carteirada (utilização do cargo ou função para se eximir do cumprimento de obrigação legal ou para obter vantagem ou privilégio) e do abuso de imprensa (uso abusivo dos meios de comunicação ou de redes sociais pela autoridade encarregada da investigação que antecipa a atribuição de culpa, antes de concluída a investigação e formalizada a acusação)? O senhor as acha pertinentes?
Moro – Não estou suficiente informado sobre as propostas para dar uma opinião.
BBC Brasil – O senhor é descrito sempre em protestos de massa e hoje aqui nos corredores de Harvard como um herói, responsável por um resgate da moralidade política no Brasil. O senhor gosta desse tipo de homenagem? Elas são saudáveis no momento político em que a gente vive?
Moro – Olha, sempre tenho reforçado publicamente que o importante é o trabalho institucional, do Judiciário e das outras instituições, nesse caso. Então, o que deve ser o foco é o fortalecimento das instituições e, dessa maneira, também isso envolve o fortalecimento da nossa democracia.
Agora, às vezes o trabalho que tem sido feito, pelos resultados, gera algum sentimento de gratidão por parte das pessoas e isso de maneira nenhuma pode ser reputado como algo negativo. Mas sempre, e inclusive publicamente, sempre me manifestei no sentido de que o importante é a parte institucional.
BBC Brasil – O senhor já disse várias vezes que não tem nenhum plano de se candidatar a cargos eletivos. Nunca? E por quê?
Moro – A resposta é não, não tenho nenhuma pretensão de ir para uma carreira politica. Meu trabalho é como magistrado, simples assim.
Fonte: BBC Brasil