Moraes não ouve testemunhas indicadas por réus e é alvo de críticas por cerceamento
Ausência de intimação de testemunhas pela defesa preocupa juristas e pode ser explorada em futuras contestações processuais
O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), tem adotado como procedimento nos processos relacionados aos atos de 8 de janeiro a intimação apenas das testemunhas de acusação, cabendo às defesas a responsabilidade de apresentar seus próprios depoentes diretamente nas audiências.
A medida, já aplicada em diferentes ações penais, tem gerado preocupação entre advogados de investigados pela Procuradoria-Geral da República (PGR) por suposta participação em tentativa de golpe de Estado após a eleição presidencial de 2022.
Na última sexta-feira (11), a Primeira Turma do STF publicou o acórdão que formaliza o recebimento da denúncia apresentada pela PGR contra o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e outros sete acusados, entre eles militares e ex-assessores próximos ao então chefe do Executivo. Com isso, foi oficialmente aberta a ação penal contra o que a PGR chama de “núcleo central da trama golpista”.
De acordo com alguns advogados, a ausência de intimação oficial por parte do Supremo pode inviabilizar a participação de testemunhas consideradas essenciais para a defesa dos réus. Ao menos cinco defensores expressaram receio de prejuízo processual e alegaram que o modelo compromete o direito ao contraditório.
Moraes, por sua vez, justifica o procedimento como forma de evitar manobras protelatórias por parte das defesas. Em decisões recentes, o ministro tem determinado que testemunhas devem ser apresentadas pela própria parte interessada no dia da audiência, mesmo sem prévia convocação judicial. Além disso, veta a oitiva de testemunhas meramente abonatórias, exigindo que seus relatos sejam entregues por escrito até a data da audiência de instrução.
“A testemunha deverá ser apresentada pela defesa em audiência, independentemente de intimação”, afirmou Moraes ao negar pedido da Defensoria Pública da União (DPU), que questionou formalmente o modelo em um dos processos relativos aos ataques de 8 de janeiro.
No documento enviado ao Supremo, o defensor Gustavo Zortéa da Silva argumentou que “tem-se, de fato, um tratamento desigual entre acusação e defesa, uma vez que a exigência de apresentação de testemunhas vem pesando sobre as defesas em geral, mesmo quando indicam servidores públicos para serem inquiridos”.
Embora o procedimento não seja o mais usual, três ministros do STF, sob reserva, afirmaram que ele pode ser considerado legítimo diante do contexto dos processos, e o classificaram como “antídoto válido” contra tentativas de tumultuar o andamento da ação penal.
A discussão sobre a obrigatoriedade de intimação judicial foi levada ao plenário da Corte no ano passado. Na ocasião, os ministros rejeitaram, com base em precedentes do próprio Supremo, um pedido de nulidade por parte de uma das defesas. “Não se pode cogitar de nulidade em razão da determinação no sentido de que a parte apresentasse as testemunhas que arrolasse e de disponibilização por escrito dos depoimentos de testemunhas abonatórias”, registraram os ministros no acórdão.
O STF, em nota, reforçou a legalidade do procedimento, afirmando que o artigo 455 do Código de Processo Civil — aplicável de forma subsidiária ao processo penal — permite que a própria parte promova a intimação de suas testemunhas. A Corte também lembrou que a Primeira Turma validou esse entendimento de forma unânime no julgamento do agravo regimental na ação penal 2437.
Apesar da rigidez nos casos do 8 de janeiro, Moraes já adotou postura distinta em outra ação penal sob sua relatoria. No processo contra o deputado federal João Carlos Bacelar (PL-BA), acusado de crime de peculato, o ministro autorizou a intimação judicial de testemunhas listadas pela defesa, após esta justificar a necessidade. “Determino [que] sejam intimadas, em caráter de urgência, as testemunhas abaixo nominadas, para que compareçam à audiência por videoconferência no dia e horário anteriormente designados”, decidiu.
No caso dos réus da suposta tentativa de golpe, as defesas apresentaram uma série de nomes para testemunhar no processo, alguns sem relação direta com os fatos. A estratégia é vista como tentativa de tumultuar os trabalhos.
Entre os exemplos está o advogado Sebastião Coelho, que representa o ex-assessor da Presidência Filipe Martins. Ele arrolou 29 testemunhas, incluindo o próprio Alexandre de Moraes e seu ex-assistente no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Eduardo Tagliaferro. Já Jeffrey Chiquini, defensor do tenente-coronel Rodrigo de Azevedo, incluiu o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o ministro do STF Flávio Dino na lista. A defesa de Marcelo Camara convocou os delegados da Polícia Federal responsáveis pela investigação.
Por outro lado, a PGR optou por indicar seis testemunhas para todos os acusados: Marco Antônio Freire Gomes (ex-comandante do Exército), Carlos Baptista Junior (ex-comandante da Aeronáutica), Éder Balbino (empresário que contribuiu com o relatório do PL sobre urnas eletrônicas), Ibaneis Rocha (governador do Distrito Federal), Clebson Vieira (ex-integrante do Ministério da Justiça) e Adiel Pereira Alcântara (ex-servidor da inteligência da Polícia Rodoviária Federal).
De acordo com o artigo 401 do Código de Processo Penal, cada parte pode apresentar até oito testemunhas — número que pode ser ampliado pelo juiz, conforme a complexidade do caso.