Maduro amanhece em quartel e cobra lealdade dos militares na Venezuela
Ao lado de ministro da Defesa, presidente venezuelano pede reação contra quem ‘se vende aos dólares de Washington’; para analistas, cerimônia ratifica rumores de fissura nas Forças Armadas
O presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, madrugou nesta sexta-feira e surpreendeu os venezuelanos com uma mensagem transmitida em rede nacional a partir das 5h locais (6h no Brasil) do Forte Tiuna, principal quartel da Força Armada Nacional Bolivariana (Fanb) e sede do Ministério da Defesa. Dois dias depois de reprimir uma tentativa da oposição de depô-lo com oficiais rebeldes, Maduro, ao lado do ministro da Defesa, Vladimir Padrino López, e acompanhado de mais 4.500 militares, marchou com soldados e reiterou apelos à lealdade das tropas.
Maduro pediu aos militares que derrotem as “tentativas golpistas” daqueles que “se vendem aos dólares de Washington” e dos que “traem” o país. O líder de Caracas destacou que a maioria dos oficiais que apoiaram as ações opositoras se deu conta de que havia sido “enganada”. Depois, encabeçou uma marcha da Academia Militar até a sede do Ministério da Defesa e prometeu levar as forças militares “a um nível mais elevado de profissionalismo e efetividade” para evitar os “poderes dissuasivos” dos EUA.
— Sim, estamos em combate, moral máxima nessa luta para desarmar qualquer traidor, qualquer golpista — disse Maduro. — O império investe para dividir, debilitar e dizer que começou uma guerra civil na Venezuela. Creem que têm de intervir e debilitar a nação, destruir a pátria. Quantos mortos haveria se começasse uma guerra civil? Quando destruição e quantos anos duraria se nos invadissem?
Por que falar ao país de um quartel antes do Sol raiar? Há três dias, intensificam-se os rumores sobre traições no mundo militar. Segundo analistas locais, os discursos de Maduro e Padrino López nesta quinta-feira, enfatizando a lealdade dentro do chavismo, confirmaram o que se comenta nas ruas de Caracas.
Em seu discurso, o ministro da Defesa repudiu a ação de pessoas que, segundo ele, “pretendem comprá-los como se fossem mercenários” e mostrou “indignação” com o que chamou de “oferta enganosa, estúpida e ridícula” para oficiais “romperem com a honra militar” e se virarem contra Maduro. Na visão de Padrino López, as ofertas seriam “da boca para fora” e, se aceitas, significariam “vender sua alma de soldado”.
— Iremos contra todo aquele desleal que atente contra nossos princípios. Comandante em chefe, conte com nossa lealdade… Não aceitamos de forma alguma que estrangeiros nos dirijam de fora — disse Padrino López, um dos militares mencionados por dirigentes da oposição no âmbito de supostas negociações, entre altas autoridades chavistas e o governo dos Estados Unidos, de aderir à ação do autoproclamado presidente interino, Juan Guaidó.
Na madrugada de terça-feira, Guaidó anunciou ter apoio significativo de militares contra Maduro e lançou uma operação para retirá-lo do poder, o que não se confirmou. Um funcionário do governo americano disse que dirigentes chavistas que negociaram a deposição do líder bolivariano”desligaram os celulares” na hora da ação.
Oconselheiro de Segurança Nacional da Casa Branca, John Bolton, disse na terça-feira que o próprio ministro da Defesa de Maduro, o diretor da Guarda de Honra Presidencial, Ivan Hernández, e o presidente do Tribunal Supremo de Justiça, Maikel Moreno, participaram das negociações com os opositores. O secretário de Estado, Mike Pompeo, chegou a afirmar que havia um avião pronto para levar Maduro para o exílio em Havana, e que ele teria sido convencido pelo governo russo a ficar em Caracas, o que Moscou depois qualificou como “guerra de informação”.
Em conversas informais, lideranças opositoras afirmam que as tratativas ocorreram, envolvendo Guaidó e seus aliados. E dizem, além disso, que autoridades importantíssimas da Fanb e do Judiciário venezuelano se disseram dispostas a apoiar o levante contra Maduro.
— Tenho fé infinita na Fanb e sei que vocês não trairão a pátria. Leais sempre! Chávez vive! — concluiu Maduro em seu pronunciamento da manhã desta quinta-feira.
Padrino é um dos principais suspeitos de ter dialogado com opositores e representantes do governo americano. Uma fonte opositora afirmou que os supostos traidores de Maduro pediram, até o último minuto, garantias para eles e suas famílias e que tais garantias foram concedidas. Uma das teorias defendidas por dirigentes da equipe de Guaidó é a de que os governos de Rússia e Cuba teriam pressionado as autoridades chavistas e boicotado o que se esperava que fosse a jogada final e definitiva da oposição contra o regime.
O discurso de Maduro desta madrugada não era esperado e chamou atenção por dois elementos: o lugar escolhido para falar e as tropas convocadas. Foi claramente um recado do chefe de Estado a todos os militares venezuelanos sobre o que acontecerá com os que decidirem romper o pacto de lealdade anunciado pelo presidente e pelo ministro.
Na avaliação do analista em temas militares Javier Mayorca, este discurso confirma que “existem fundamentadas suspeitas a respeito da disposição do alto mando da Fanb de permanecer ao lado de Maduro”.
— Não é a primeira vez que Maduro fala num quartel militar, mas o que chamou a atenção hoje foi o quartel escolhido, o mais importante da Venezuela, onde, aliás, o presidente está dormindo há vários dias — analisou Mayorca.
O presidente venezuelano tentou mostrar uma imagem de coesão militar que hoje é posta em dúvida. Enquanto isso, a oposição continua tentando construir pontes com os militares e proteger os que já se rebelaram, entre eles os 25 oficiais que pediram asilo à embaixada do Brasil em Caracas na terça-feira, mas não conseguiram chegar lá e seguem desaparecidos.
Na opinião da jornalista e analista em temas militares Sebastiana Barraez, a fala em Forte Tiuna foi absurda, em certo sentido, porque teve como objetivo que Padrino López apresentasse Maduro como comandante em chefe da Fanb aos militares, “algo ridículo, como se Maduro tivesse sido eleito ontem”. Foi, para a analista, um “ato de lealdade e mostrou fragilidade” do regime venezuelano.
— O que aconteceu em 30 de abril afetou a imagem da Fanb, que não teve capacidade de reação. Hoje ficou claro que o verdadeiro poder militar está nas mãos de Padrino e não de Maduro — disse a analista.
Por Janaína Figueiredo/O Globo