Justiça define clássicos com torcida única no Rio após morte de torcedor
Os clássicos no Rio de Janeiro serão realizados com torcida única. A decisão foi tomada nesta sexta-feira (17) pelo juiz Guilherme Schilling, do Juizado Especial do Torcedor e dos Grandes Eventos do Rio. A decisão atinge os quatro grandes clubes do Estado: Flamengo, Vasco, Fluminense e Botafogo. A informação foi divulgada pelo blog do jornalista Ancelmo Gois, do Jornal O Globo, e confirmada pela reportagem do UOL Esporte.
Apenas os torcedores do clube mandante terão acesso aos estádios. O pedido partiu do promotor Rodrigo Terra, do Ministério Público do Rio de Janeiro. Cabe recurso.
O MP havia entrado com a ação na Justiça, no Juizado do Torcedor e Grandes Eventos, na tarde de quarta-feira (15). O objetivo é mudar o atual panorama do futebol carioca, que sofre com a violência.
Os clubes do Rio de Janeiro, com exceção do Vasco, se manifestaram sobre o pedido antes da oficialização. O Flamengo foi o único que se mostrou totalmente contra a medida. O Fluminense também não foi a favor, mas espera que a opção não seja permanente. O Alvinegro, por outro lado, afirmou que prefere clássicos com duas torcidas, mas admite fazer uma tentativa.
Outra medida pedida pelo promotor Rodrigo Terra foi o fim da distribuição de entradas para membros de torcidas organizadas. Alguns clubes já não cometem essa prática, embora isso ainda seja frequente em dias de jogos.
O Ministério Público também quer que os quatro grandes clubes do futebol do Rio de Janeiro, a Ferj e a CBF sejam obrigados a cadastrar todos os integrantes de torcidas organizadas, com identidade, CPF e outros dados. Atualmente, o Gepe (Grupamento Especial de Policiamento em Estádios) já assumiu esse papel.
No último domingo (12), um torcedor foi assassinado antes do clássico entre Botafogo e Flamengo nos arredores do Estádio Nilton Santos (Engenhão). Um carro com membros de uma organizada do Rubro-negro passou atirando e acertou Diego Silva dos Santos, integrante da Fúria Jovem do Botafogo.
Outros três torcedores foram baleados. Dois deles eram botafoguenses e foram liberados no mesmo dia. O do Flamengo, porém, vive situação delicada. Ele levou um tiro no rosto e perdeu um dos olhos. Além disso, um alvinegro está no CTI após ter sido espancado.
Veja o posicionamento dos clubes cariocas sobre o pedido do MP:
Flamengo
“Sou totalmente contrário a essa medida de torcida única. Isso descaracteriza o espetáculo de futebol e seria uma pá de cal n o futebol carioca. Ideal seria termos famílias e pessoas que têm times diferentes e que possam comparecer a estádios juntos, cada um torcendo pelo seu time, como sempre foi. Essa medida é simplista e não resolve o problema. Parte de uma ótica errada. As mortes provavelmente seguirão acontecendo longe dos estádios, como esses que se denominam torcedores marcam encontros para realizar seus conflitos. O Flamengo vai sempre colaborar com as autoridades , mas essa ótica está errada. Criminoso não tem CNPJ, nem CPF”, disse o presidente bandeira de Melo.
Fluminense
“O Fluminense lamenta que devido a tantos episódios de violência tenha se chegado ao ponto de uma determinação de torcida única nos clássicos. O clube repudia qualquer tipo de violência e espera que essa medida não seja definitiva para que em breve possamos ter de volta a confraternização entre todas as torcidas nos estádios do Rio de Janeiro”, afirmou Pedro Abad.
Botafogo
“O melhor seria estarmos preparados para os eventos. Ficou claro que não houve isso no domingo. Vejo, por outro lado, que foi um problema bem especifico por conta de uma greve. Normalmente o Gepe (Grupamento Especial de Policiamento em Estádio) tem contingente suficiente e sabe como lidar com as organizadas. Sobre a torcida única, especificamente, acho que pode se tentar, funciona bem em São Paulo. Não é o ideal, mas pode se tentar. O que me parece um pouco absurdo é o parecer que nos obriga a cadastrar os membros de organizada. Não temos a menor condição de fazer isso. Como vamos fazer? Não temos esse poder. Vou interpelar uma pessoa e decidir se ela pode ou não entrar no estádio”, completou o presidente Carlos Eduardo Pereira.
Ferj
A FERJ não distribui ingressos, não possui torcida e muito menos torcida organizada. A emissão, distribuição, venda e controle de ingressos cabe exclusivamente aos clubes, não tendo a FERJ nenhuma interferência nesses procedimentos.
Há que serem tomadas medidas de forma a coibir e punir todo e qualquer ato de violência, mas entendemos que medidas eficientes, efetivas e eficazes só advirão com o entendimento e a participação de todos os segmentos envolvidos no evento. Ressalte-se que no interior dos estádios a incidência e a prevalência de distúrbios ou atos de violência é estatisticamente insignificante, em total contraste com os conflitos e barbáries que ocorrem rotineira e frequentemente nas ruas, fatos estes que provavelmente não venham a ser prevenidos ou evitados com o estabelecimento de torcida única. Não se trata de torcidas, mas de facções que não se intimidam, que marcam atos de violência pelas redes sociais; que desenvolvem suas atividades predominantemente fora dos estádios, e muitas vezes à distância dos mesmos, sempre em busca do ataque às outras facções, numa verdadeira guerra pela disputa territorial e pelo poder econômico, ou ainda pelo simples prazer de fazer o mal, sem freios e sem limites. Os fatos e os números mostram isso com muita clareza e de forma incontroversa. A nosso ver o estabelecimento obrigatório de torcida única nos estádios, pune o verdadeiro torcedor, impedindo-o de ver o seu time; pune um clube por reduzir a probabilidade de arrecadação; pune um clube por ser obrigado a jogar tendo contra si apenas a torcida adversária e não impede as manifestações sociopáticas.
A FERJ cumprirá rigorosamente as decisões legais e coloca-se, como sempre o fez, à disposição para debater e contribuir para a solução dos problemas.
Especialista em legislação desportiva
“A limitação da torcida única nos clássicos, como já existe em São Paulo desde 2016 e pode se tornar permanente, materializa a incapacidade do Poder Público de combater a violência e punir os torcedores delinquentes, com prisão ou proibição de frequentar os Estádios de futebol, tudo exatamente como determina a legislação vigente. Por isso, imprescindível que os clubes resistam a essa medida e trabalhem, juntamente com a polícia e demais autoridades, para encontrar outras soluções, evitando que o futebol perca o que tem de mais valioso, pois sem o torcedor no Estádio, o futebol e a rivalidade deixam de fazer sentido”, disse o advogado Carlos Eduardo Ambiel.
Por Bernardo Gentile e Vinicius Castro – Do UOL, no Rio de Janeiro