JANELA DEMOGRÁFICA
O Brasil está virando as costas para sua última brecha demográfica e corremos o risco de ficar velho antes de ficar rico
Por Jose Ribeiro*
Os especialistas em demografia argumentam que restam poucas décadas para o Brasil salvar alguma coisa da vantagem de ter uma população ativa majoritária. E da forma com o tema é praticamente ignorado pelo governo é pouco provável que consigamos.
Pelo menos uma vez na história, todos os países passam por um período especialmente positivo na relação entre a população economicamente ativa e o total de dependentes (crianças, jovens e idosos). É a JANELA DEMOGRÁFICA, ou bônus demográfico.
Quando esse período é bem administrado se transforma em uma sucessão de décadas em que a nação atravessa em condições altamente favoráveis para se desenvolver e garantir o futuro. É uma rara janela de oportunidades para dar educação, saúde e qualidade de vida à maioria da população.
No Brasil, essa janela começou se abrir volta do ano 1970 e se fechará em breve, nos anos 2045 a 2050.
Infelizmente, para nós, brasileiros, essa oportunidade demográfica está perigosamente perdida segundo avaliações de um dos maiores especialistas, no assunto, o professor José Eustáquio Diniz Alves, da Escola Nacional de Ciências Estatísticas do IBGE.
Na avaliação do professor: “Já vínhamos mal nas décadas anteriores. Agora, com a economia em marcha lenta é quase certo que essa etapa final do bônus fique seriamente comprometida e corremos o risco de ser condenados definitivamente a se contentar com país de terceiro mundo.
Há muito tempo que o Brasil está perdendo seu melhor período do ponto de vista demográfico.
Estamos nos aproximando do pico em que 67% da população em idade de trabalhar que deve ser alcançada em 2030, situação em que qualquer país tem tudo para dar um grande salto de desenvolvimento. Ocorre que, para chegar ao padrão das economias avançadas, pelo menos 70% desse contingente deveria estar ocupado. No entanto, só metade dele está até o momento. O desperdício dessa vantagem populacional — o bônus demográfico — vem de longe. Mas os recentes solavancos na economia ocorrem em um momento crucial, porque já existem dados provando que o bônus começará diminuir, ou seja a janela começa a fechar brevemente.
Todo país que passa pela transição demográfica caracterizada pela redução de altas para baixas taxas de mortalidade e natalidade, passa também pela transição da estrutura etária, que é o processo de redução da base da pirâmide populacional, seguido do alargamento da parte central e após algumas décadas a expansão do topo da pirâmide.
Quando a parte central da pirâmide engrossa no formato de um barril, significa que temos uma alta proporção de pessoas em idade economicamente ativa e uma baixa proporção de pessoas em idades consideradas dependentes (jovens e idosos).
Esse processo só acontece uma vez na história de cada país e por isso é considerado uma “janela de oportunidade”.
Se bem aproveitado, esse momento pode ser decisivo para dar um salto de qualidade da população e catapultar o país ao nível de primeiro mundo.
É a oportunidade para a nação ficar rica antes de envelhecer.
O indicador mais usado do bônus demográfico é a razão de dependência, calculada pelo quociente da soma da população de 0-15 anos + a população de 65 anos acima, dividida pela soma da população de 15 a 64 anos e multiplicada por 100.
Quanto menor esse índice melhor, significa o menor percentual de pessoas dependentes dos que trabalham.
Na projeção populacional do IBGE, de 2013, a razão de dependência deveria atingir o nível mais baixo nos anos 2018 e 2019 (atingindo um valor de 53,1 dependentes para cada 100 pessoas em idade ativa e começaria aumentar lentamente a partir de 2020 até atingir um valor próxima de 90 dependentes para cada 100 pessoas em idade economicamente ativa, em 2060.
Mas as nas novas projeções, revisadas em 2018, o ponto mais baixo da razão de dependência foi alcançado entre os anos de 2014 e 2017, sendo que a curva já começou a subir no período de 2018 e 2020 e também deve alcançar algo em torno de 90 dependentes para cada 100 pessoas economicamente ativa, também em 2060
O Brasil entra numa fase, já vivida por países como Japão e Coréia, em que a demografia favoreceu a economia – mas governo e empresas precisam ajudar
O Brasil poderia ter tirado vantagem em relação a outros países quanto à janela demográfica pois chegamos à nossa janela simultaneamente ao auge da globalização e necessidade urgente de adoção de fontes de energias limpas e renováveis. Essa prosperidade global traria consigo uma série de consequências, positivas ou não, dependendo do ângulo de visão do observador.
A primeira grande consequência é que quando as pessoas melhoram de vida, passam a comer melhor e daí a necessidade de aumentar a oferta e variedade de alimentos. Ponto positivo para o Brasil, cuja vocação de celeiro do mundo é um grande fator competitivo.
E daí por diante muitas outras consequências vão surgindo na medida que as pessoas e as nações prosperam e a demanda por energia aparece como fator preponderante e nesse quesito o Brasil também está se saindo bem, graças à produção de combustíveis limpos e outras fontes renováveis.
Os estudos demográficos avaliam que sem políticas públicas voltadas para o fomento da educação, melhorias na política previdenciária e políticas voltadas atender as demandas da população da terceira idade, tendo em vista que o aumento da longevidade desafia os governos em todos os níveis a criar soluções visando o bem-estar dessa camada da população que está crescendo exponencialmente.
Mudança de perfil
A expectativa de vida média dos brasileiros é cada vez maior:
Nascidos em 1940 tinha expectativa de vida de 40 anos;
Nascidos nos anos 2000 tinha expectativa de 70 anos;
Já os nascidos em 2050 terão expectativa de 81 anos.
Com isso a quantidade de idosos cresce e deverá a superar a de jovens, em 2050.
Sem desenvolvimento de soluções para aumento da produtividade, vamos continuar patinando e desperdiçando o bônus demográfico quando atingirmos o pico da população em idade de trabalhar.
Em 1950 os jovens representavam 41,7% da população e deverão atingir 17,8% no ano de 2050;
No mesmo ano os idosos representavam 2,5% da população e deverão atingir 18,8% em 2050;
Com a isso a população economicamente ativa que representava 55,8% em 1950 atingirá o seu pico de 67,3% já em 2030 e estará reduzida a 63,4% em 2050.
A iniciativa privada está fazendo a sua parte, investindo em soluções no que lhe compete, mas não pode resolver sozinha todas as demandas da população, afinal o mercado precisa do suporte das políticas governamentais para continuar cumprindo sua parte.
E apesar de todas evidências não temos visto esforços por parte do governo dando sua cota de contribuição no sentido fomentar o aproveitamento desse momento único, para atingirmos um padrão de país rico.
Todos os países hoje considerados desenvolvidos se beneficiaram de mudanças no perfil populacional para atingir estágios mais elevados de renda e qualidade de vida.
Na Europa, no Japão e nos Estados Unidos, a transição demográfica foi mais lenta, tendo se iniciado com a revolução industrial. Lá, as vantagens começaram no século 19, com um aumento da população gerado pelas conquistas científicas e pelo desenvolvimento da infraestrutura urbana de saneamento. Foi uma evolução que se estendeu ao início do século 20, com a redução da mortalidade infantil e a expansão do acesso a serviços médicos e educação.
Na Ásia, excetuando o Japão, os avanços na qualidade de vida da população chegaram após a Segunda Grande Guerra. Mas, com as tecnologias e os conhecimentos já disponíveis, a adoção de melhorias foi intensa, o que gerou uma transição rápida.
Em países como Coreia do Sul, Singapura, Hong Kong e Taiwan, a mudança demográfica iniciada nos anos 60 gerou uma ampliação da força produtiva que serviu de base para a decolagem das economias.
Os governos desses países souberam perceber que uma população com mais expectativa de vida também precisaria ser mais educada e que o ambiente de negócios precisaria ser nutrido.
A transformação que se viu em três décadas fez os quatro países merecerem o apelido de Tigres Asiáticos.
Mas há uma nítida diferença em como a oportunidade foi encarada lá e aqui.
“No Brasil, ainda não caiu a ficha de que estamos diante de uma janela temporária”, conforme relato de Rogério Rizzi, da empresa de consultoria Monitor Group.
“Os chineses correm para manter o crescimento acelerado porque sabem que isso só poderá ser feito num prazo curto. Nós, aqui, também precisamos apertar o passo.”
Os desafios para que o Brasil aproveite ao máximo sua JANELA DEMOGRÁFICA, porém, ainda são muitos.
Não temos uma economia com a modernidade e a eficiência necessárias para gerar crescimento econômico de alta qualidade. “Os próximos governos precisarão trabalhar muito para que possamos dar um salto. Do contrário, corremos o risco de desperdiçar parte do bônus”.
Temos as próximas duas décadas para alcançar um padrão de país rico — depois, a janela de oportunidades irá gradualmente se fechar. Se a transição não for devidamente aproveitada, a sociedade brasileira estará de frente para um novo e dramático quadro por volta de 2040: o de uma nação de idosos que não melhoraram suficientemente seu padrão de vida e, pior, sem recursos para sustentar a velhice.
O alerta sobre esse cenário sombrio é dado hoje pelos países europeus, onde os sistemas de seguridade e manutenção do bem-estar social estão em crise. Isso está ocorrendo mesmo em países que alcançaram altos níveis de renda per capita, como França, Reino Unido e Itália, e de forma pior, nos que não enriqueceram tanto, como Grécia, Portugal e Polônia. Uma questão difícil de ser enfrentada é a da saúde. “Considerando que o custo para tratar um idoso é muito maior que o de um jovem”.
“Até 2040, o gasto brasileiro com saúde vai triplicar.” Caso o país não se prepare adequadamente, o já deficiente sistema público de saúde entrará em colapso.
O mesmo impacto se dá nas contas da deficitária Previdência Social. “É preciso reconhecer que o país não está preparado para ter 30 milhões ou 40 milhões de idosos, como deve acontecer nas próximas décadas” conforme avaliação de Carlos Gabas, ex-ministro da Previdência.
O Brasil terá de reavaliar seu sistema de aposentadoria, considerado provavelmente o mais generoso do mundo em relação ao nível de renda per capita.
“Não há dúvida de que há muitos idosos pobres que precisam das pensões, assim como há muita gente recebendo mais do que precisa”. Mesmo com a recente reforma da previdência, o modelo atual não será sustentável no futuro. O custo da Previdência no Brasil, em relação ao PIB já é duas vezes maior que nos Estados Unidos, e a idade média do brasileiro ainda é inferior à dos americanos.
São questões que deveriam estar na ordem do dia, mas não estão.
Fazendo um paralelo com o que dizia Nicolau Maquiavel, para o Príncipe é preciso ter virtù e fortuna — competência e sorte — para triunfar.
Tudo indica que a sorte ainda está do lado do Brasil. Falta mostrar virtù para aproveitar ao máximo a janela de oportunidades. São 20 anos — e o relógio está correndo.