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Governo de SP deixa de usar R$ 7 bi em ações de combate às enchentes

O Governo de São Paulo não investiu, por 13 anos seguidos, a totalidade das verbas previstas no orçamento para serviços e obras no combate às enchentes. O montante supera R$ 7,3 bilhões deixados para trás desde 2010.
O levantamento feito pela reportagem teve como ponto de partida as cifras previstas no orçamento da rubrica de Infraestrutura Hídrica e Combate à Enchentes.
Nela, estão projetos como por exemplo a implantação dos sistemas de drenagens, preservação das regiões de várzea e afluentes com o propósito de mitigar as inundações, construções de reservatórios de águas pluviais -os piscinões- e a manutenção da rede hidráulica.
Dos R$ 18,1 bilhões reservados para Infraestrutura Hídrica e Combate à Enchentes, R$ 10,8 bilhões foram, de fato, empenhados nos últimos 13 anos. Isto é, 60% de toda a grana disponível para ações de combate às enchentes.
Para chegar ao valor previsto no orçamento, a reportagem calculou a dotação atual, que contabiliza o valor da LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias) sancionada pelo governador e os créditos ou reduções durante o ano.
E, para saber o quanto foi gasto, considerou o valor empenhado, que é o montante reservado pelo governo para efetuar contratações de serviços e obras.
Os valores da época foram atualizados através da calculadora disponível no portal do Banco Central do Brasil. A Secretaria Estadual de Fazenda e Planejamento fornece as informações sobre a execução orçamentária e financeira desde 2011.
Ao longo deste período, São Paulo conviveu com as gestões de Geraldo Alckmin, Márcio França e João Doria/Rodrigo Garcia.
Para 2023, o primeiro ano de Tarcísio de Freitas (Republicanos) no Palácio dos Bandeirantes, o orçamento é de R$ 2,1 bilhões para Infraestrutura Hídrica e Combate à Enchentes.
O dinheiro, segundo nota do governo, será utilizado em novas ações e na continuidade das obras complementares às ações dos municípios, como na macrodrenagem e na construção de piscinões, implantação de galerias e canalização, revitalização de 3 mil km de cursos d’água em 260 municípios paulistas e na manutenção dos 27 piscinões na Região Metropolitana.
“A dotação reservada [no orçamento] não representa todos os investimentos do Estado no combate às enchentes. Isso fica evidente com todas as iniciativas já anunciadas para o litoral norte, que sofreu com a maior chuva da história de São Paulo e do país, com acumulado de 683 milímetros em apenas 24 horas”, afirma a nota da gestão Tarcísio. “Desde o início os esforços visaram o trabalho de salvamento e de socorro às vítimas e à reconstrução das cidades.”
Para especialistas, o uso da totalidade dos recursos é necessário principalmente após as mudanças climáticas e as sucessivas tragédias em decorrência dos temporais.
“Ninguém está preparado para um volume de chuva tão alto em tão pouco tempo. Isso é uma clara resposta das mudanças climáticas”, afirmou o professor Rodrigo Lila Manzione, especialista da gestão de riscos da Unesp em Ourinhos.
“Basta analisar de 2020 para cá, o que aconteceu em Petrópolis, Recife e Belo Horizonte. Todo ano a gente tem um evento como esse, e por que a gente não aprende?”, indagou o professor ao Podcast Unesp.
Gustavo Fernandes, professor de administração pública da FGV, afirma que a área de combate às enchentes sofre com subfinanciamento porque a tendência entre os gestores públicos é a de priorizar medidas que podem ser visualizadas, com facilidade, pelo eleitorado.
“Quando se investe no que fica debaixo da terra, a população não vê e não tem a percepção de que está protegida. Esse é o grande dilema”, afirma Fernandes.
“Outro ponto é a falta de uma coordenação entre governo federal, estadual e municipal que envolva decisões de curto a longo prazo para mitigar os efeitos de uma tragédia, como em São Sebastião”, opina Fernandes.
Segundo o engenheiro Luiz Fernando Orsini, um dos coordenadores da Abes (Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental), as obras de drenagens estão entre as que mais sofrem com as verbas alocadas do orçamento.
O regulamento saneamento básico é composto por quatro itens: abastecimento de água potável, esgoto, limpeza urbana e, por fim, drenagem e manejo das águas pluviais.
“O sistema de água, o consumidor paga a conta mensal. Se faltar água ou a água estiver suja, a população observa e cobra. O mesmo para esgoto e lixo, que tem suas taxas. Agora, com a drenagem, em algumas cidades há uma pequena quantia sendo cobrada no IPTU [Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana] de algumas cidades”, afirma Orsini.
“Como não chove todo dia, o governante prefere construir uma praça, uma escola, e convivendo com riscos [de alagamentos]”, completa o engenheiro da Abes.
O engenheiro Admilson Irio Ribeiro, professor da Unesp, também lamenta a falta de empenho das autoridades para ações contra enchentes.
Crítico da ausência de uma cooperação entre os governos federal, estadual e municipal, Ribeiro acredita que há uma subnotificação da população que habita em áreas de risco.
“Falar de combate à enchente não garante voto, risco é probabilidade. Agora, quando uma área em risco passa a ser ocupada, é mais fácil um vereador trabalhar para liberar a energia elétrica”, falou Ribeiro.
A reportagem enviou questionamentos aos ex-governadores Alckmin, França, Doria e Rodrigo na terça-feira (21). Alckmin, vice presidente, e França, ministro de Portos e Aeroportos, não se pronunciaram até a publicação deste texto.
Doria e Rodrigo, em nota conjunta enviada pela assessoria de imprensa, afirmaram que fizeram “em 2022 o maior investimento da história, com R$ 1,7 bilhão em obras e serviços para combate às enchentes”.
O texto lista demandas como a construção do maior piscinão do estado, o Jaboticabal, no ABC Paulista, e o início da construção de reservatórios na Região Metropolitana, como na cidade de Franco da Rocha. “Paralelamente, foi realizado desassoreamento dos rios Pinheiros e Tietê e entregues 38 mapeamentos de risco para prefeituras do estado”, dizem Doria e Rodrigo.

 

CARLOS PETROCILO / FOLHAPRESS