Governo avalia uso de recursos públicos para restituir aposentados prejudicados por descontos indevidos no INSS
A proposta inclui realizar os pagamentos de uma só vez, seguindo um cronograma semelhante ao calendário oficial de pagamentos do instituto.
O governo federal estuda utilizar verbas do Orçamento da União para ressarcir aposentados e pensionistas do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) que foram alvo de descontos indevidos em seus benefícios.
A medida está em discussão dentro do Executivo e prevê critérios para estabelecer a ordem de restituição, como a data de nascimento dos beneficiários. No entanto, ainda não há definição sobre o período de descontos irregulares que será considerado para efeito de devolução.
De acordo com a Polícia Federal e a Controladoria-Geral da União (CGU), a prática dos abatimentos não autorizados se intensificou a partir de 2019, durante o governo de Jair Bolsonaro (PL), e ganhou escala em 2023, já no terceiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Estima-se que os valores descontados indevidamente alcancem bilhões de reais.
A restituição dependerá de comprovação de que o beneficiário não autorizou o desconto, o que deve nortear a fila de pagamentos. A validação dessa ausência de consentimento é um dos principais entraves, pois há casos em que aposentados afirmam ter sido induzidos ao erro.
Dinheiro poderá sair do Tesouro e ser cobrado das entidades
Integrantes do governo informaram que a ideia é que a União antecipe os valores aos beneficiários, assumindo o custo inicial, e depois busque ressarcimento judicial das entidades responsáveis pelas fraudes. Para agilizar o processo, será invocado o artigo 37, parágrafo 6º da Constituição Federal, que estabelece a responsabilidade civil do Estado e de prestadores de serviços públicos por danos causados a terceiros.
O trecho constitucional prevê também o chamado “direito de regresso”, que permite ao Estado cobrar dos responsáveis os prejuízos causados por dolo ou culpa. Caso não haja comprovação direta do dano, o governo poderá optar pela edição de uma medida provisória para abertura de crédito extraordinário, ou enviar projeto ao Congresso Nacional — alternativa considerada mais demorada.
A fonte de financiamento da medida foi tema de uma reunião nesta terça-feira (6), no Palácio da Alvorada, com a participação do presidente Lula. O encontro durou cerca de 2h30 e terminou sem anúncios oficiais. Segundo a Secretaria de Comunicação da Presidência, há expectativa de que novas definições sejam divulgadas nesta quarta-feira (7), mesmo com o presidente em viagem oficial à Rússia e à China.
Aplicativo Meu INSS será usado para solicitar devolução
A devolução dos valores deverá ocorrer diretamente na conta dos beneficiários, de acordo com Gilberto Waller Júnior, novo presidente do INSS. O aplicativo Meu INSS será o canal oficial para que aposentados e pensionistas solicitem a restituição.
O projeto está em fase de elaboração em conjunto com a Casa Civil e conta com a participação de órgãos como Supremo Tribunal Federal (STF), Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e Ministério Público Federal (MPF). Estão previstos mecanismos para agilizar a responsabilização de entidades envolvidas em práticas fraudulentas.
Waller informou que o INSS já abriu 12 processos com base na Lei Anticorrupção contra entidades suspeitas de envolvimento nos descontos indevidos. Entre elas estão empresas acusadas de pagar propina a servidores e outras identificadas como “fantasmas”, sem estrutura mínima para funcionar. Em alguns casos, a autarquia desconsiderou a personalidade jurídica dessas entidades para atingir os sócios diretamente e garantir o bloqueio de bens.
Restituição começa em maio para casos de abril
Os descontos referentes a mensalidades associativas que tenham ocorrido em abril serão devolvidos automaticamente na folha de pagamento de maio, sem necessidade de solicitação ou comparecimento a agências do INSS.
Os depósitos serão feitos entre os dias 26 de maio e 6 de junho, juntamente com a segunda parcela do 13º salário. O calendário de pagamento seguirá o número final do benefício, desconsiderando o dígito verificador.
Entenda o esquema de fraude
As investigações conduzidas pela Polícia Federal e pela CGU revelaram um esquema de inclusão indevida de aposentados e pensionistas em associações e sindicatos, que passavam a descontar valores diretamente da folha de pagamento do INSS.
A auditoria aponta ainda para possíveis falsificações de assinaturas e a ausência de consentimento por parte dos beneficiários. Entre 2019 e 2024, os valores descontados dos benefícios somam R$ 6,3 bilhões, embora a parcela efetivamente irregular ainda esteja sendo apurada.
No total, 11 entidades estão sob investigação no âmbito da operação Sem Desconto, que apura a participação de servidores públicos e empresas em um esquema de desvio de recursos previdenciários.