General tenta atenuar versão ao STF, mas admite plano golpista apresentado por Bolsonaro
Freire Gomes recebeu advertência de Moraes e confirmou conteúdo revelado à PF sobre reunião no Alvorada
O general da reserva Marco Antônio Freire Gomes, ex-comandante do Exército, confirmou em audiência no Supremo Tribunal Federal (STF) que o ex-presidente Jair Bolsonaro apresentou às Forças Armadas um documento com sugestões de medidas excepcionais, como a decretação de estado de sítio, estado de defesa ou Garantia da Lei e da Ordem (GLO), após a derrota eleitoral em 2022.
A oitiva foi realizada nesta segunda-feira (13) pela Primeira Turma do STF, que conduz ação penal contra Bolsonaro e outros sete réus acusados de tentativa de golpe de Estado. Freire Gomes é uma das principais testemunhas de acusação no processo.
Tentativa de atenuação e reprimenda do relator
Durante o depoimento, o general tentou suavizar o teor golpista da proposta, dizendo que os instrumentos mencionados no documento estavam previstos na Constituição. Segundo ele, o material apresentado por Bolsonaro foi tratado apenas como um “estudo”.
“O presidente apresentou apenas como informação e nos disse que era apenas para que nós soubéssemos e estava desenvolvendo um estudo sobre o assunto. Não nos demandou qualquer opinião sobre o assunto”, afirmou.
A tentativa de relativizar o conteúdo foi contestada pelo relator do caso, ministro Alexandre de Moraes, que apontou divergência entre a versão apresentada no STF e o depoimento anterior prestado à Polícia Federal em março de 2024.
“Eu vou aqui dar uma chance à testemunha de falar a verdade. Se mentiu na polícia, tem que dizer que mentiu na polícia. Agora, não pode, perante o Supremo Tribunal Federal, falar que não lembra”, advertiu Moraes.
Ao final da audiência, o ministro leu trechos do depoimento anterior, que foram confirmados por Freire Gomes.
Documento com “aspectos jurídicos” e alerta a Bolsonaro
No depoimento à PF, Freire Gomes relatou que Bolsonaro apresentou às cúpulas militares um conjunto de três medidas com potencial de romper a ordem democrática após a vitória de Luiz Inácio Lula da Silva (PT): estado de sítio, estado de defesa e GLO. O documento teria sido discutido em reuniões no Palácio da Alvorada.
Nesta segunda, o general reafirmou a existência do encontro:
“Foram só lidos alguns considerandos e nesses considerandos constavam aspectos que remetiam a uma possível GLO, estado de defesa ou de sítio. Mas muito superficial”, disse.
Apesar de considerar o conteúdo juridicamente embasado, Freire Gomes admitiu que alertou Bolsonaro sobre as implicações legais:
“Eu alertei ao senhor presidente, com toda a educação, dentro de um aspecto bastante cordial, de que as medidas que eventualmente ele quisesse tomar, ele deveria atentar para os diversos aspectos, desde os apoios, seja nacional ou internacionalmente, desde a questão do próprio Congresso, da parte jurídica, e que tudo isso poderia desencadear aí numa situação em que ele, se não tivesse esses apoios […] podia inclusive ser implicado juridicamente nisso”, afirmou.
General nega ter dado voz de prisão
Um dos pontos abordados no depoimento foi a declaração do ex-comandante da Aeronáutica Carlos Almeida Baptista Júnior, que afirmou à PF que Freire Gomes teria dito que, caso Bolsonaro executasse o plano, teria de prendê-lo. O general negou a versão:
“A mídia até reportou que eu teria dado voz de prisão ao presidente. Não aconteceu isso de forma alguma. Acho que houve uma má interpretação”, disse.
Divergência sobre atuação do ex-comandante da Marinha
Moraes também questionou a descrição de Freire Gomes sobre o comportamento do então comandante da Marinha, almirante Almir Garnier. O general afirmou que não percebeu “conluio” na conduta de Garnier, que teria apenas demonstrado respeito à autoridade presidencial.
“Ele apenas demonstrou, vamos dizer assim, o respeito ao comandante-chefe. Não interpretei como qualquer tipo de conluio”, disse.
O ministro contestou a versão e cobrou coerência com o que havia sido declarado à PF. Freire Gomes respondeu:
“O almirante Garnier tomou essa postura de ficar com o presidente. Apenas a diferença, ministro Alexandre, é que eu não posso inferir o que ele quis dizer com ‘estar com o presidente’. Foi isso que eu quis dizer. Agora, eu não omiti o dado. Eu sei plenamente o que falei e reafirmo: ele disse que estava com o presidente. Agora, a intenção do que ele quis dizer com isso não me cabe”.
Ação contra o “núcleo crucial” da trama golpista
O depoimento de Freire Gomes integra a ação penal contra o chamado “núcleo crucial” da suposta organização que teria articulado um golpe de Estado. Entre os réus estão Jair Bolsonaro e o ex-ministro da Defesa Walter Braga Netto.
Além de Moraes, participaram da audiência os ministros Cármen Lúcia, Cristiano Zanin e Luiz Fux. As oitivas foram conduzidas por videoconferência.