Funcionário público federal negro ganha, em média, 27% menos que colega branco
Profissionais pretos e pardos que conquistaram um lugar no serviço público após a lei de reserva de vagas sentem falta de pares e ainda convivem com desigualdade na remuneração
Concursos públicos são vistos como instrumentos de democratização do acesso a posições no serviço público, cada vez mais cobiçadas pela remuneração acima da média e a estabilidade. No entanto, dados do governo federal mostram que, mesmo com reserva de vagas para negros, as seleções não eliminam a desigualdade racial no funcionalismo.
No Executivo federal, por exemplo, quase 40% eram pretos e pardos no ano passado, segundo os dados mais atualizados do Ipea, mas o funcionalismo é mais negro na base e mais branco no topo, onde estão os salários mais altos.
O acesso de negros ao serviço público não é o único problema. Uma vez lá dentro, pretos e pardos têm mais dificuldade de alcançar postos de liderança, com gratificações. A média salarial líquida dos servidores brancos é de cerca de R$ 9,2 mil enquanto a de pretos e pardos está na casa dos R$ 6,7 mil, uma diferença de 27% ou de R$ 2,5 mil, que aumentou. Em 2014, era R$ 1,8 mil.
Entre servidores com a mesma escolaridade há desigualdade salarial. Pretos e pardos têm participação reduzida nas carreiras mais prestigiadas e nos cargos comissionados (DAS). Em 2020, segundo levantamento do Instituto República.Org na base de dados do governo federal, apenas 27,3% dos ocupantes de cargos de nível superior eram pretos ou pardos. Nas posições do nível DAS-6, havia apenas 11 negros em 2022. Neste ano, um decreto federal reservou 30% dos cargos comissionados para pretos e pardos.
O MGI e o Ministério da Igualdade Racial informaram, em nota, que investem na formação de lideranças negras para reduzir disparidades salariais no serviço público.
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Para a cientista política Vanessa Campagnac, gerente de Dados do República.Org, as cotas provocaram alterações visíveis, mas o setor público precisa direcionar melhor suas ações afirmativas para ter uma mudança estrutural:
— Provocamos alterações na vida de diversas pessoas individualmente, mas ainda é frustrante olhar os números como um todo. É preciso continuar, para que a entrada de mais negros no serviço público inspire outros e, assim, essa transformação seja acelerada. Sem políticas em diversos setores, o processo histórico de desigualdade não será mitigado.
Para corrigir essa distorção, foi instituída, em 2014, a reserva de 20% das vagas em concursos para profissionais negros, mas, quase dez anos depois e às vésperas de a legislação ser revista, pouco mudou na diversidade racial das carreiras federais.
E um dos motivos foi a realização de poucos concursos nesse intervalo, destaca Luiz Augusto Campos, um dos coordenadores do Grupo de Estudos Multidisciplinares da Ação Afirmativa, (Gemaa), da Uerj. Em 2014, foram 279 seleções. Em 2020, por exemplo, apenas sete.
Como previsto na lei original (a exemplo da reserva de vagas em universidades), as cotas no serviço público devem ser avaliadas e revistas em 2024. O Ministério da Gestão e Inovação (MGI) já indicou a intenção de aumentar de 20% para 30% a reserva de vagas nas seleções e pretende fazer isso por meio do projeto de lei que prorroga a política afirmativa por mais uma década, que tramita no Senado.
O texto do senador Paulo Paim (PT-RS) ainda tem de passar por comissões da Casa e ser chancelado pela Câmara para ser sancionado pelo presidente Lula. O governo espera que isso aconteça antes da realização do Concurso Nacional Unificado, no ano que vem, uma espécie de “Enem dos concursos” que tem entre os objetivos reforçar a aplicação das cotas em diferentes órgãos federais.