EUA: Corte Suprema limita ações do governo na deportação de venezuelanos
Medida derruba norma baseada em lei de guerra usada para justificar deportações
Decisão contraria norma que recorre à Lei do Inimigo Estrangeiro, criada no século XVIII e usada historicamente em tempos de guerra
A Suprema Corte dos Estados Unidos suspendeu, na manhã deste sábado (19), a deportação de um grupo de cerca de 50 venezuelanos detidos no Texas sob a acusação de pertencerem a organizações criminosas ligadas ao tráfico de drogas. A decisão, que representa um revés à política migratória do presidente Donald Trump, impede, ao menos temporariamente, a remoção dos estrangeiros com base na Lei do Inimigo Estrangeiro, de 1798 — norma invocada pelo governo para expulsar imigrantes sem documentação, sem garantir ampla defesa.
“O governo está instruído a não remover nenhum membro do suposto grupo de detentos dos Estados Unidos até nova ordem deste tribunal”, afirmou a Corte, em decisão breve, não assinada e sem justificativa formal, como é comum em casos emergenciais. Os ministros conservadores Clarence Thomas e Samuel Alito, indicados pelo ex-presidente George W. Bush, votaram contra a medida. A Casa Branca não se pronunciou até o momento.
Segundo fontes ouvidas pelo New York Times, os imigrantes estavam prestes a ser deportados a partir de um centro de detenção na cidade de Anson, no estado do Texas. A situação mobilizou a União Americana pelas Liberdades Civis (ACLU), que ingressou com ações judiciais em três tribunais diferentes ao longo da sexta-feira (18), em uma tentativa de impedir as deportações em massa com base na legislação do século XVIII.
Trâmite emergencial
O primeiro recurso foi apresentado ao Tribunal Distrital Federal em Abilene, também no Texas, após denúncias de que autoridades do Centro de Detenção Bluebonnet estavam distribuindo notificações a migrantes informando sobre remoções iminentes. O pedido visava proteger todos os detidos do Distrito Norte do Texas contra deportações sem julgamento prévio.
Com a negativa da Justiça local, os advogados apelaram ao Tribunal de Apelações do 5º Circuito, em Nova Orleans, e, posteriormente, protocolaram petição emergencial na Suprema Corte, relatando que muitos dos detidos já haviam sido colocados em ônibus, “presumivelmente rumo ao aeroporto”, sem que tivessem exercido o direito de defesa.
Desde que Trump autorizou o uso da Lei do Inimigo Estrangeiro no mês passado, advogados que atuam na área migratória têm travado disputas com o governo federal para evitar deportações sem análise individualizada. A lei, de 1798, só havia sido utilizada em três momentos da história dos EUA: durante a Guerra de 1812, a Primeira Guerra Mundial e a Segunda Guerra Mundial — sempre em contextos de conflito com nações estrangeiras.
Criminalização e emergência nacional
A atual gestão busca enquadrar o tema migratório como questão de segurança nacional. Para isso, declarou emergência na fronteira sul, designou cartéis de drogas como grupos terroristas e defendeu, inclusive, o envio de imigrantes irregulares para a prisão de Guantánamo, em Cuba. Por meio de um acordo com o governo de El Salvador, mais de 200 estrangeiros já foram deportados sob a acusação de integrarem as facções Trem de Aragua e MS-13.
Advogados alegam, no entanto, que muitos dos deportados não possuem qualquer ligação com grupos criminosos e foram removidos com base em critérios subjetivos, como tatuagens. O caso mais emblemático envolve Kilmar Abrego Garcia, cidadão de El Salvador com autorização judicial para permanecer nos EUA, mas que foi deportado “por erro administrativo”, segundo a própria Casa Branca. Não há, até o momento, previsão de retorno do migrante ao país.
Pressão judicial
No início do mês, a Suprema Corte já havia estabelecido que qualquer pessoa em processo de deportação pela Lei do Inimigo Estrangeiro deveria ter a chance de contestar a medida na Justiça, desde que o fizesse no local de detenção. A decisão impulsionou a atuação da ACLU, que agora pressiona por uma ordem judicial nacional obrigando o governo a notificar os migrantes com 30 dias de antecedência.
Durante audiência na noite de sexta-feira, em Washington, o advogado da ACLU, Lee Gelernt, anunciou que pretende protocolar ações preventivas em mais de 90 distritos judiciais para evitar novas deportações sem audiência prévia. O governo federal, por sua vez, afirmou que nenhum voo estava previsto a partir do centro de Anson, e que os migrantes seriam notificados com pelo menos 24 horas de antecedência.
O juiz James Boasberg, que preside o caso, demonstrou ceticismo. Segundo ele, os formulários entregues aos migrantes não deixam claro que eles têm direito de contestar judicialmente a deportação. Em março, Boasberg já havia determinado a suspensão de voos com deportações baseadas na lei de guerra, mas a ordem foi descumprida: ao menos dois aviões decolaram do Texas com destino a El Salvador.
Detenção e violações
Entre os deportados está Kilmar Garcia, cuja imagem só veio a público dias depois, quando o senador democrata Chris Van Hollen viajou a El Salvador e conseguiu autorização para visitá-lo. Segundo o parlamentar, Garcia estava traumatizado e sem acesso a notícias ou familiares. Inicialmente levado ao Centro de Confinamento do Terrorismo (Cecot), conhecido por denúncias de tortura e superlotação, ele foi transferido para outra unidade, com condições menos severas.
Desde 15 de março, os EUA já enviaram cinco voos com deportados a El Salvador. O país centro-americano, por meio de um acordo com o presidente Nayib Bukele, abriga os estrangeiros em seu sistema penitenciário mediante pagamento do governo americano.
(Com The New York Times e AFP)