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‘Eu disse que derrubaria a República. E derrubei’

Quando o doleiro Alberto Yous­sef foi preso, na manhã de 17 de março de 2014, nem o mais perspicaz dos investigadores da Operação Lava-Jato tinha ideia do tamanho do peixe que fora fisgado. No escritório de Youssef em São Paulo, a Polícia Federal apreendeu uma infinidade de documentos. Mensagens de celular mostravam o doleiro como interlocutor frequente de políticos importantes. Planilhas e contratos listavam personagens de alto quilate do empresariado nacional. No meio de tudo, uma nota fiscal de aparência irrelevante — apenas na aparência. Juntas, as evidências sugeriam que ainda havia muito mais a ser descoberto na investigação que tinha como alvo uma obscura casa de câmbio que funcionava em um posto de gasolina em Brasília. Quase por acaso, os agentes esbarraram em algo que envolvia de golpistas contumazes a grandes empreiteiras, de altos funcionários públicos a autoridades de grosso calibre. Mas qual seria o elo entre eles? Depois de seis meses preso e diante da perspectiva de uma condenação que poderia chegar a algumas décadas, Youssef decidiu assinar um acordo de delação premiada. Em troca da redução de pena, contou às autoridades o que sabia — e sabia muito. Sabia, principalmente, os fios que uniam os personagens aparentemente tão distintos: um gigantesco esquema de corrupção.

Em seus depoimentos, o doleiro contou que empreiteiras como Odebrecht e OAS eram suas clientes, contou que distribuiu milhões em propina a políticos e contou que participou de reuniões secretas em gabinetes de autoridades. A tal nota fiscal, por sua vez, era referente à compra de um carro importado, gentilmente presenteado a um diretor da Petrobras. Era a ponta do iceberg cujo tamanho espantaria o país. O doleiro foi o primeiro dos delatores a dizer que os ex-presidentes Lula e Dilma sabiam das trapaças na Petrobras, como revelou VEJA em outubro de 2014. Hoje, os políticos e empresários que ele denunciou estão presos, condenados ou sob investigação. Alberto Youssef cumpriu três anos de prisão. Foi para o regime aberto em março passado. Em duas oportunidades distintas, o doleiro falou com exclusividade a VEJA sobre a vida dentro e fora da cadeia. A seguir os principais trechos da entrevista.

Três anos não é pouco tempo de prisão para quem se envolveu num escândalo dessa proporção? Vocês não sabem o que é ficar preso no meio de um tiroteio desse tamanho. Vocês nem sonham. Uma semana só já é uma eternidade. Tem uma série de coisas que só sabe quem está preso. Mas o importante é que entrei pela porta da frente, saí pela porta da frente. Colaborei com a Justiça. Saí de cabeça erguida.

Qual é o sentimento que predomina? Estou alegre, feliz. Imagine a ansiedade de chegar em casa, tomar um banho, encontrar minhas filhas, ficar com elas. Passar um dia preso é uma infinidade. Eu fiquei três anos. A única coisa que eu queria era ver as meninas, sentar com elas, abraçar, beijar. O básico. É um recomeço depois de passar o pior.

O senhor foi o primeiro a dizer que Lula e Dilma sabiam do esquema de corrupção na Petrobras. E eu menti? Eu não menti. Se tem uma coisa em que você não vai me pegar é na mentira. Eu tive a coragem de falar. Era evidente que eles sabiam de tudo. O Lula já está condenado. Eu disse que derrubaria a República. E derrubei.

Qual é a rotina de delator? Eu confesso que não gosto muito da palavra delator. Gosto mais do termo colaborador. Delator é um cara que alcaguetou. E não foi isso que eu fiz. Mas não é fácil exercer esse papel. A pior das consequências foi ter a vida da minha família vasculhada.

Como foi conviver na cadeia com aqueles que já representaram a nata do poder? Convivi com todos eles e não tive diferença com ninguém. Estive com Léo Pinheiro (ex-presidente da OAS), Renato Duque (ex-diretor da Petrobras), Pedro Corrêa (ex-deputado), Marcelo Odebrecht (dono da empreiteira Odebrecht), um tal de Paulo e outro Flávio (Macedo, operador ligado a José Dirceu, chefe da Casa Civil no governo Lula). Tem pessoas que são verdadeiras e outras que fazem que são verdadeiras, mas não são. Garanto que duas ou três pessoas ali ficaram felizes de eu ter saído da cadeia. O resto, não.

Como era a relação com o ex-deputado Eduardo Cunha, que virou seu desafeto? A própria Polícia Federal tomou o cuidado de deixá-lo totalmente separado, sem que a gente pudesse se encontrar. Ele não criou confusão. Ficava lá na celinha dele, quietinho. Foi isolado para evitar problemas. Nós nos cruzamos durante o atendimento de advogado uma ou outra vez. Eu saindo do parlatório e ele chegando. Mas nem cumprimento rolou.

Vocês ficaram separados para evitar um conflito? Eu não tenho bronca nenhuma de ninguém. Mas logicamente não conversei com o Eduardo Cunha. Quando ele estava no poder, quis ferrar as minhas filhas. Quis ferrar a minha esposa — pessoas que nunca participaram de nada. Eu nunca deixei que a minha esposa e as minhas filhas chegassem perto dos meus negócios. Eu nem sequer depositava dinheiro na conta-­corrente delas. Zero. Nunca participaram ou souberam de nada. E o cara vem querer ferrar as minhas filhas?

O senhor está se referindo à acusação de que o senhor mantinha contas bancárias escondidas no exterior? Naquele dia (refere-se ao dia em que depôs na CPI da Petrobras no Congresso), se não fosse o advogado do Paulo Roberto Costa me segurar, eu tinha pulado para cima do Pansera (deputado Celso Pansera, aliado de Cunha, que Youssef acusou de ser “pau-mandado” do ex-presidente da Câmara). Foi o advogado do Paulo que me segurou. Eu sabia que o Eduar­do Cunha estava por trás das besteiras que ele estava falando.

Por quê? Antes de Eduardo Cunha pôr a Kroll (empresa de investigação internacional contratada pela Câmara dos Deputados para auxiliar o trabalho da CPI da Petrobras) atrás de mim e das minhas filhas para tentar me ferrar, eu tinha feito uma carta para ele enviar ao Supremo dizendo que uma história que tinham contado lá, que o comprometia, não era verdadeira. E não era verdadeira mesmo. Eu desmenti, ajudei o cara. Depois disso, ele se elegeu presidente da Câmara, e vem querer ferrar a minha família. O meu problema com o Eduardo Cunha é só esse.

O senhor acha que a Lava-Jato vai mudar a forma de lidar com a corrupção no país? Não vejo interesse em mudar os costumes políticos. Essa fase de Lava-Jato vai passar, e vai continuar tudo como está. O sistema vai continuar. O Brasil não vai mudar.

Alguém foi preso injustamente? Não é porque sou amigo do Pedro Corrêa, mas para que prender o Pedro? Ele ficou preso três anos. Ele tem diabetes, insuficiência renal, tudo que é doença que você possa imaginar… Ele toma 45 remédios por dia. Você tem de estar cuidando dele 24 horas. Tem outro cara, gente boa, o Flávio, que não merece estar ali. Ele se ferrou porque era chegado ao José Dirceu. Dizem que ele é laranja do cara.

É verdade que o senhor ficou amigo do ex-ministro Antonio Palocci? O Palocci ficou triste no começo, mas ele é um cara forte, tranquilo. Foi ministro da Fazenda durante três anos, ajudou o país a tirar o dólar de 4,20 para 1,60. Ajudou a baixar uma taxa de juros de 23% ao ano para 7,5%. Aí sai do governo, uma empresa o procura para dar consultoria. Ele não vai? Eu acho que foi isso que aconteceu com o Palocci. Não estou dizendo que ele não pediu dinheiro para campanha. Isso é outra coisa. Coitado.

Como é o dia a dia na prisão? O problema é durante o frio. Todo mundo fica de chinelo de dedo na cela. No frio, o cara colocava aquele Crocs com uma meia e pronto. E tem aqueles casos isolados. O Léo Pinheiro roncava muito. O Renato Duque também incomoda todo mundo. Ele, para você ter uma ideia, almoçava e ia dormir. Roncava a tarde inteira. Ninguém conseguia descansar. Tem gente disciplinada, como o Marcelo Odebrecht, que faz oito horas de ginástica e come 5 000 calorias por dia. A cela dele é cheia de comida. O mais gente boa era o Adir (Adir ­Assad, dono de empresas de fachada que lavavam dinheiro do petrolão), um showman. E o Cerveró (Nestor Cerveró, ex-diretor da Petrobras), que tem uma história engraçada. Ele foi flagrado fazendo coisas estranhas na cama, debaixo dos lençóis (risos).

Os críticos da Lava-Jato dizem que a cadeia tem servido como um instrumento para forçar o sujeito a fazer delação. Rapaz, não tem um ali que não quer fazer delação. A verdade é essa. Basta ver a fila.

Incluindo os petistas flagrados no esquema? O Vaccari (João Vaccari, ex-­tesoureiro do PT) já andou pensando… O Vaccari é um cara que não tem um centavo para puxar para ele. Um cara correto. Eu digo sempre que tem dois caras que não roubaram ali. Um sou eu. O outro é o Vaccari. No esquema da Petrobras eu, como operador, tirei a minha comissão e mandei o dinheiro roubado para quem devia. O Vaccari fez a mesma coisa. O dinheiro roubado entrava e ele mandava para o PT. Não ficou com um centavo para ele.

Mas vocês dois estavam envolvidos num esquema de corrupção, não? Mas não roubamos. Éramos prestadores de serviço. O dinheiro era dos outros.

O Brasil é mesmo um país movido a propina? Só se faz obra se pagar. Se não pagar, não faz. Veja o caso do Marcelo Odebrecht. O cara está em não sei quantos países. Tem uma estrutura enorme. Quantas vezes eu fiquei na recepção desses caras uma hora, duas horas, três horas, até seis horas… O cara passava, olhava e eu estava lá, e ele falava: “Só mais um pouquinho”. Fazia isso para ver se eu ia embora. Esses caras não querem pagar a ninguém. Pagam porque são obrigados. Tem de mudar o sistema.

Os políticos com os quais o senhor convivia também foram induzidos? Tem político que faz dinheiro para campanha e faz campanha os quatro anos. E tem político que faz dinheiro para pôr no bolso. São diferentes.

O senhor acha que um é melhor que o outro? Não estou dizendo isso. O que eles fazem é ilícito. O que estou dizendo é que, perante a visão de alguns partidos, o cara que põe no bolso é pior.

O senhor concorda? Partido político é uma m…!

Como o senhor pretende tocar a sua vida em liberdade? Estou procurando emprego. Qualquer coisa que eu possa fazer para recomeçar. Ainda estou rea­tivando meu CPF, resolvendo coisas básicas. Agora, não posso abrir uma quitanda na esquina. Tenho de trabalhar com o que eu sei fazer, que é mercado financeiro. Mas quem vai me contratar? É bem complicado.

O senhor vai escrever um livro? Já está na fase final. Vou ser totalmente autêntico, sem leviandade, uma coisa séria. Acho que a história é muito boa. Não quero fazer um livro só do que aconteceu na Lava-Jato. Temos uma história toda que aconteceu antes da Lava-Jato que daria um bom livro. Vou contar a verdadeira história. Quem não está preso não tem a mínima ideia do que acontece. O que sai publicado na imprensa não chega nem perto do que se vive lá na prisão.

A vida tem sido difícil? Vi escrito em um monte de lugar que eu iria levar uma vida de luxo em São Paulo, morando em um prédio com vista para o Parque Ibirapuera. Não tem nenhum luxo na minha vida. Mal consigo ver minhas filhas, que trabalham para ganhar a vida.

Sua família sofre com essa situação? Você tem ideia do que é uma filha precisar abrir uma conta-salário no banco e não conseguir por causa do sobrenome? É muito difícil.

As informações são da Veja.