Estulânia: O Sonho que o tempo não apagou

Por Wilton Emiliano Pinto *

Os grandes sonhos nem sempre se medem pela grandiosidade de suas conquistas, mas pela força com que resistem ao tempo. Assim nasceu Estulânia, não de mapas ou decretos, mas da fé e da necessidade, plantada pelas mãos de João Estulano Garcia.

Naqueles tempos de coragem, quando um homem podia moldar o mundo ao seu redor com sua determinação, João viu o destino de sua esposa pender entre a fragilidade e a esperança. Um mal invisível a consumia, desafiando os recursos disponíveis na pequena cidade de Piracanjuba. A cura, porém, não veio da medicina, mas da fé. Na fazenda Morro do Pico, hoje município de Caldas Novas, nas reuniões espirituais ela encontrou alívio. E João, grato pelo milagre, abraçou a doutrina que lhe devolvera a companheira.

Mas fé não se guarda apenas no coração; precisa de espaço para se multiplicar. Reunir-se em lares dispersos já não bastava. Era preciso um ponto fixo, uma âncora para aquela crença que crescia. Assim, João destinou um pedaço de sua terra à construção de um centro espírita, às margens da estrada que levava à jovem Goiânia. No dia 1º de maio de 1935, Estulânia não era mais apenas uma ideia — era um lugar.

E onde há fé, há vida. Pouco a pouco, em torno da casa de oração, surgiram casebres, depois casas de alvenaria, ruas delineadas pela esperança. O povoado parecia destinado a florescer, a se expandir, a se tornar cidade. Mas o destino tem seus próprios caminhos.

Os limites de Estulânia foram traçados não apenas pelo esforço de seu fundador, mas também pela resistência do entorno. Os vizinhos, donos das terras ao redor, não cederam espaço para seu crescimento. Cercada por lavouras, a vila ficou suspensa no tempo, sem poder avançar além do alqueire que lhe fora destinado. Mesmo assim, prosperou o suficiente para ganhar energia elétrica, uma escola construída em 1948 e uma identidade própria, tão rara entre as pequenas povoações do Brasil.

Mas com o passar dos anos, o fôlego inicial foi se dissipando. A morte de João, a partida de seus filhos para cidades maiores e o distanciamento dos descendentes fizeram o movimento perder força. O centro espírita, outrora pulsante, viu suas reuniões rarearem, sua grandiosidade se esvair. O sonho de cidade nunca se concretizou.

Ainda assim, Estulânia resiste. Suas ruas guardam memórias, suas casas são testemunhas silenciosas de um tempo em que a fé ergueu um povoado. Diferente da maioria das vilas brasileiras, que nasceram sob a sombra de capelas católicas, Estulânia brotou da gratidão de um homem à doutrina que lhe curou a esposa.

Hoje, o tempo pode tê-la transformado em um ponto esquecido no mapa, um pedaço de história cercado por plantações. Mas há sonhos que não precisam de expansão para permanecerem vivos. Na lembrança dos que conhecem sua origem, nas histórias que ainda ecoam por suas ruas silenciosas, Estulânia segue existindo. Pequena, sim. Mas imortal.

* Wilton Emiliano Pinto é Contabilista, Funcionário Público aposentado e gosta de uma boa prosa.

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