Especialistas dão dicas para quem quer sair de casa
A independência, a privacidade, a sensação de liberdade e não ser obrigado a dar satisfação para outras pessoas podem até não ter preço, mas bancar todas as despesas domésticas tem. Morar sozinho é, geralmente, o primeiro passo concreto da vida adulta. Por mais que a vontade de viver essa experiência seja grande, a decisão final deve vir junto com o planejamento financeiro para assumir as contas.
Saber quanto custa cada serviço é essencial para fechar as contas. “O primeiro passo é fazer uma lista com os preços de tudo. Se a renda não for suficiente, risque os itens que não são prioridades, até o dinheiro ser suficiente”, ensina o educador financeiro Adriano Severo, professor de Finanças da Fundação Universidade Empresa de Tecnologia e Ciências (Fundatec). “É normal que haja uma queda no padrão de vida num primeiro momento”, complementa.
A organização é a chave para o sucesso na aventura de sair de casa, diz o especialista. “Os riscos são ter de voltar para onde morava, o que pode ser muito frustrante, ou cair em dívidas, o que é muito pior”, aponta Severo. Na lista de gastos principais que mais pesam no bolso está a moradia, seja aluguel ou prestação de financiamento. “O indicado é que a despesa comprometa 40% da renda, mas, se for uma situação provisória, pode ultrapassar um pouco essa faixa, desde que tenha um limite”, aconselha Severo.
Não esqueça de incluir nas planilhas de controle gastos com saúde, como plano de saúde ou remédios, lazer, itens pessoais, prestações pendentes e, até mesmo, os custos com bichinhos de estimação, caso tenha um. Além disso, é muito importante que parte do salário seja destinada para reservas de emergência e para aposentadoria. “No começo, pode ser difícil manter uma poupança. Mas, mesmo que seja pouco, poupe. Lembre-se que você terá que arcar com custos de emergência também”, ressalta Severo. “A pessoa deve ter cuidado redobrado e mais preocupação sobre o futuro quando mora sozinha”, recomenda José Vignoli, educador financeiro do SPC Brasil (Serviço de Proteção ao Crédito).
Peso no bolso
Ter a própria casa exige mudanças de hábitos de consumo, para não ter desperdício. “É importante reexaminar tudo, pois, no fim do mês, pesa no próprio bolso”, aponta Vignoli. O especialista destaca que, quando alguém vai morar sozinho, é necessário se adaptar à vida solitária em todos os sentidos, inclusive em não ter alguém para dividir as contas.
A primeira experiência da social media Fernanda Amador, de 24 anos, não foi positiva. Há três anos, ela decidiu sair da casa dos pais para morar mais próximo à universidade. “Eu me incomodava em depender totalmente deles”, relembra. Motivada, fez as contas e, ainda com o salário de estagiária, foi morar em uma república. “Logo no primeiro mês, percebi que o dinheiro que eu achava que era suficiente não dava. Eu fazia ‘freelas’ em bares e lanchonetes para completar o orçamento”, conta.
Além disso, Fernanda revela que o clima entre as meninas que dividiam o lugar não era agradável e, aos poucos, todas foram saindo. “Era muito instável e eu, ainda estudante, não conseguia ter uma rotina financeira, o que atrapalhava tudo”, aponta.
Hoje, com mais experiência, Fernanda lida com as finanças da melhor forma possível. Morando com duas amigas, divide os gastos principais, como aluguel, água e luz, e anota as outras despesas coletivas em uma planilha compartilhada. “Vamos ao supermercado uma vez por mês juntas para comprarmos o básico de alimentos e limpeza. O verdurão é feito durante a semana, incluímos o valor na lista e dividimos no fim do mês”, explica.
Morar com amigas é uma opção para quem quer sair da casa dos pais, mas não tem condições de arcar com todos os gastos. “É importante definir tudo antes para evitar situações desagradáveis depois”, alerta o professor Severo.
Cuidado com liberdade
Ter o próprio lar proporciona uma sensação de mais liberdade para gastar o dinheiro, mas isso pode se transformar no grande desafio ou em dor de cabeça. “Eu sei que, se eu receber e gastar tudo ou muito em um passeio, vai faltar em algum momento. Não pode acontecer de eu não ter dinheiro no fim do mês”, afirma a professora Denise Caixeto Borges, 24 anos, que desde os 15 anos não mora com os pais. Durante os estudos, ela morou com parentes e amigos, sempre com ajuda financeira.“Pela primeira vez, consegui um emprego que me possibilita morar realmente sozinha e bancar todas as contas”, diz.
Apesar de nunca ter sido responsável por todos os gastos, os anos longe do ninho dos pais a prepararam para o atual momento. Para nada sair do planejado, Denise se programou antes de tomar a decisão final. Procurou um aluguel que coubesse no bolso, fez um orçamento dos móveis que precisa comprar e delimitou a quantia que deve guardar por mês. “Eu já tinha noção dos outros gastos e quanto ganharia. O aluguel vai comprometer um quarto do meu salário, mas em compensação vou economizar em gasolina por ser próximo do meu trabalho. Outro quarto do salário é para a poupança. Com o resto tenho que me virar, mas sei procurar as coisas mais baratas e economizar”, afirma.
Todo o planejamento é aliado à economia em pequenos hábitos do dia a dia. “Cozinhar em casa sai mais barato, mas depende de como tudo é feito. Eu não vou ao mercado com fome e sempre com lista”, conta. “Além disso, quando me mudei para este apartamento, mudei as lâmpadas para LED, por durarem mais. Sempre junto roupa para lavar ou passar e desligo as luzes e eletrodomésticos quando não os estou usando”, completa.
Financeiramente, cozinhar em casa é melhor. “Se quer ver o impacto disso no orçamento, faça a experiência de almoçar uma semana fora e uma em casa”, indica José Vignoli, do SPC. Além disso, é necessário ter cuidado em relação ao tamanho das embalagens e quantidades de produto. De acordo com levantamento do SPC Brasil, 56% das pessoas que moram só preparam a própria comida. Mas muitos enfrentam dificuldade em evitar que alimentos estraguem na geladeira ou na despensa.
Controle
Para o especialista, a diferença entre compras mensais e semanais é a resistência às tentações. “A cada ida ao mercado, a pessoa pode lembrar de algo ou ter vontade de levar o que não estava previsto. Para quem não tem controle, é melhor ir poucas vezes às compras”, recomenda.
Myrian Lund, professora da Fundação Getulio Vargas (FGV), sugere atenção às promoções nos supermercados e recomenda determinar um valor para as compras. Ela indica, ainda, rever custos com tevê a cabo e serviços de assinatura. “Às vezes não percebemos os reajustes. Por exemplo, se percebe que não tem mais tanto tempo para assistir tevê, pense na possibilidade de trocar por um plano mais simples. O melhor é pagar mais barato”, aconselha.
Assim como Denise, quem sai de casa precisa mobiliar o novo lar. Roberto Piscitelli, professor de administração pública da Universidade de Brasília (UnB), indica a procura em lojas de móveis usados e recomenda juntar dinheiro para pagar à vista e conseguir descontos. “É um momento transitório e, geralmente, as pessoas não buscam luxos. Estão dispostas a sacrifícios. Se o imóvel não for mobiliado, compre aos poucos e pesquise muito, inclusive na internet”, orienta.
Do Correio Braziliensse