Entidades médicas reagem à autorização para farmacêuticos prescreverem medicamentos
Conselho Federal de Medicina contesta resolução que autoriza farmacêuticos a prescrever medicamentos tarjados.
A resolução do Conselho Federal de Farmácia (CFF), publicada na última segunda-feira (17), autorizando formalmente farmacêuticos a prescreverem medicamentos tarjados — que, em regra, exigem receita médica — provocou forte reação entre entidades médicas.
Em nota oficial, o Conselho Federal de Medicina (CFM) classificou a medida como “absolutamente ilegal e desprovida de fundamento jurídico”, argumentando que a autorização extrapola os limites legais e compromete a segurança dos pacientes.
“A prescrição exige investigação, diagnóstico e definição do tratamento, competências exclusivas dos médicos”, afirma o CFM, que declarou ainda que “adotará as medidas judiciais cabíveis contra a resolução”. Segundo o órgão, não há respaldo legal que permita a profissionais da farmácia prescreverem medicamentos de qualquer natureza.
A entidade considera que a norma representa “uma invasão flagrante das atribuições médicas”, ao permitir que “não médicos, sem formação clínica adequada, prescrevam medicamentos”.
Ainda segundo o CFM, “diagnosticar doenças e prescrever tratamentos são atos privativos de médicos, formados para tal. Farmacêuticos não possuem treinamento para investigar patologias, definir terapias ou gerenciar efeitos adversos de medicações”.
A Associação Médica Brasileira (AMB) também se posicionou de forma contrária à resolução, expressando “preocupação” com o conteúdo do texto. Em nota, a entidade afirma que “a prescrição de medicamentos é o ato final de um processo complexo de anamnese, exame físico e exames subsidiários que permitem o correto diagnóstico das doenças”.
“Só quando concluído o processo é que se pode fazer a receita de um determinado fármaco. Cabe aos médicos essa tarefa”, diz a AMB. Para a associação, o farmacêutico “não tem a formação necessária para prescrever medicamentos que podem, uma vez prescritos, afetar a saúde do paciente, caso sejam utilizados de maneira equivocada”.
A AMB reiterou que está alinhada com o CFM e que adotará as providências cabíveis para suspender a decisão do CFF, argumentando que seu objetivo é garantir a segurança na prescrição de medicamentos à população.
A Associação Paulista de Medicina (APM) também divulgou nota em que critica a resolução. “A prescrição de medicamentos é fundamental para a segurança e eficácia dos tratamentos. Ela envolve a orientação detalhada de um médico sobre quais medicamentos um paciente deve tomar, em que dose, com que frequência e por quanto tempo.”
Segundo a APM, o médico cursa seis anos de graduação e, posteriormente, realiza de três a seis anos de residência médica, o que garante formação técnica adequada para diagnóstico e prescrição. “Mesmo assim, muitas vezes é necessário solicitar exames complementares para que a prescrição possa ser feita após um diagnóstico adequado.”
A associação conclui afirmando que tanto a APM quanto a AMB estão vigilantes “para denunciar prejuízos que os pacientes possam vir a sofrer com essas irresponsáveis resoluções”.
O que diz o Conselho Federal de Farmácia
A resolução aprovada pelo plenário do CFF em 20 de fevereiro e publicada nesta semana no Diário Oficial da União entra em vigor em 30 dias.
Segundo o conselho, o direito à prescrição farmacêutica foi reconhecido há 12 anos e é respaldado pela Lei Federal nº 13.021/2014, que define como atribuição do farmacêutico o estabelecimento do perfil farmacoterapêutico dos pacientes, além do acompanhamento farmacoterapêutico.
Na avaliação do CFF, a resolução recém-publicada não introduz “nenhuma novidade” em relação à prática da prescrição, mas aprimora os mecanismos de fiscalização e aumenta a segurança tanto para os profissionais quanto para os pacientes.
A norma vincula a prescrição farmacêutica ao Registro de Qualificação de Especialista (RQE), ferramenta aprovada em 2025 e recém-implementada pelo conselho. A medida visa assegurar que os profissionais atuem conforme sua formação e especialização.
“Agora, a sociedade vai poder consultar quais farmacêuticos são prescritores diretamente no site do CFF, melhorando substancialmente a fiscalização e promovendo o melhor cuidado em saúde”, destaca a entidade.
O conselho esclarece que a prescrição por farmacêuticos não abrange todos os tipos de medicamentos. A atuação é limitada a fármacos isentos de prescrição e medicamentos tarjados, e sempre “mediante protocolos ou diretrizes preestabelecidos”.
“Isso garante segurança para a sociedade, pois, diferentemente de outras categorias profissionais que têm liberdade prescritiva (podendo recomendar tratamentos de eficácia questionável como cloroquina, hidroxicloroquina e ivermectina para covid-19 ou ainda medicamentos sem indicação, com doses e/ou posologias fora do padrão), os farmacêuticos somente podem prescrever baseados nas evidências científicas mais robustas.”
O CFF reforça que medicamentos sujeitos à notificação de receita, como os de tarja preta, não estão incluídos entre os que podem ser prescritos por farmacêuticos.
“Nenhuma prescrição feita por um farmacêutico será baseada em achismo ou interesses comerciais, mas, sim, na melhor ciência disponível”, afirma o conselho.
Defesa e críticas à resolução
Em resposta às críticas, o CFF argumenta que a medida não banaliza o cuidado em saúde, mas organiza a prescrição farmacêutica “garantindo que os farmacêuticos atuem dentro de protocolos clínicos bem estabelecidos e embasados na melhor evidência científica disponível”.
A entidade afirma que a resolução se refere exclusivamente ao exercício profissional do farmacêutico, sem interferir nas atribuições de outras categorias.
“É fundamental esclarecer que o farmacêutico realiza consultas farmacêuticas, que possuem objetivos distintos dos demais tipos de consulta e não invadem a atuação de nenhum outro profissional. O papel do farmacêutico é garantir que o uso de medicamentos seja seguro, eficaz e apropriado, atuando em equipe com outros profissionais de saúde. O paciente só tem a ganhar com isso.