Entenda o significado simbólico da Sexta-Feira Santa na tradição cristã
Celebração rememora os últimos momentos de Jesus Cristo antes da crucificação
A Sexta-Feira Santa integra o tríduo pascal, conjunto de celebrações da Igreja Católica que relembra a paixão, a morte e a ressurreição de Jesus Cristo. A data não é fixa e varia a cada ano, pois está relacionada à Festa de Pessach — a Páscoa judaica — mencionada nos evangelhos.
“Quando a gente vislumbra o período de preparação para a páscoa, isso vai acontecer por uma tradição que vem desde antes do período cristão, e já era praticada pelo judaísmo”, explica Ana Beatriz Dias Pinto, doutora em Teologia pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR).
De acordo com a teóloga, os textos bíblicos relatam que os judeus celebravam a Páscoa no sábado e no domingo seguintes à primeira lua cheia da primavera no hemisfério norte — correspondente ao outono no Brasil. “Quando Jesus foi sentenciado à morte, eles precisaram antecipar o momento de crucificação dele – que foi o castigo imposto na época – para que não atrapalhasse as festividades dos judeus. Então, acabou sendo numa sexta-feira”, relata.
Conexões com a tradição judaica
A morte de Jesus ocorreu em meio aos preparativos da Páscoa judaica. Segundo a tradição, o sacrifício de um cordeiro protegia as casas da décima praga do Egito, quando, de acordo com a narrativa bíblica, o anjo da morte teria passado ceifando os primogênitos egípcios — episódio que marca a libertação do povo hebreu da escravidão.
A compreensão teológica da crucificação, conforme Ana Beatriz, está fundamentada nos evangelhos, em especial no de João, e nas cartas do apóstolo Paulo. “A interpretação teológica desse evento é fundamentada nos evangelhos, principalmente o Evangelho de João e também nas Cartas de São Paulo, quando ele vai falar que Cristo era a verdadeira Páscoa e que foi imolado [morto em sacrifício]”, observa.
Significado litúrgico
A Sexta-Feira Santa remete à caminhada final de Jesus até o Calvário, momento em que ele foi condenado e obrigado a carregar a cruz em que seria crucificado. A tradição católica considera esse dia como um tempo de luto. Por esse motivo, não há celebração da eucaristia.
“Dentro dessa dinâmica do simbolismo, a ausência da celebração eucarística está ligada a um caráter de luto. Os católicos entram em luto na quinta-feira à noite”, explica a teóloga.
Durante a missa do dia, realiza-se a adoração da cruz, gesto que remete ao sacrifício de Cristo pela salvação da humanidade. “Aqui no Brasil, por termos uma tradição latina, a gente é muito passional. Muita gente beija a cruz, se ajoelha diante dela. Na Europa, por exemplo, as pessoas se aproximam da cruz e fazem uma reverência com a cabeça. Em alguns lugares, fazem uma genuflexão [dobram os joelhos], mas não tem essa coisa de tocar e beijar. Cada povo vai ter um costume”, comenta Ana Beatriz.
Em diversas cidades brasileiras, também é comum a encenação da Via Sacra, dramatização dos passos de Jesus até o momento da crucificação. A representação, além de reforçar a narrativa bíblica, convida à reflexão sobre o significado da entrega de Cristo em favor dos outros.
“O tom que pela tradição da igreja se pede é de austeridade, silêncio, contemplação e luto. É realmente um momento de se lembrar que uma pessoa morreu, que é o líder máximo do cristianismo”, afirma.
Feriado religioso no Brasil
A Sexta-Feira Santa é reconhecida como feriado nacional no Brasil por força da Lei 9.093/1995. A prática remonta ao período colonial, quando o cristianismo foi adotado como religião oficial pelos colonizadores portugueses. Mesmo após a independência e a instituição do Estado laico, a tradição foi mantida.
“Apesar do Brasil ser um estado laico, acabou sendo convencionado que se manteria esse calendário como feriado, porque se faz parte da cultura do povo, da tradição e dos costumes. Se isso faz sentido para o povo, não tem por que retirar do calendário”, pondera a teóloga.
Diversidade religiosa e sincretismo
A celebração da Páscoa transcende a tradição cristã e também está presente em outras religiões, que a interpretam com diferentes simbolismos. “A umbanda e o candomblé, que são algumas das maiores religiosidades de matriz africana no país, a Quimbanda e o Batuque vão celebrar a Páscoa como uma festa de renascimento espiritual. Vão fazer festas para Oxalá, que seria o orixá associado à figura de Jesus Cristo, porque a gente tem um sincretismo muito grande entre as matrizes africanas e o catolicismo”, afirma Ana Beatriz.
No espiritismo, por exemplo, a ressurreição de Jesus é compreendida como uma evolução do espírito, sem rituais específicos, mas com um significado voltado à renovação interior.
“Na doutrina espírita, a ressurreição de Jesus é vista como uma evolução, uma sobrevivência do espírito. Eles não vão ter rituais, mas eles respeitam como um símbolo de renovação interior. E eles, evidentemente, têm também a figura de Jesus Cristo como um profeta, como alguém muito evoluído.”
Reflexão contemporânea
Para Ana Beatriz, o período da Semana Santa pode ser uma oportunidade de reflexão que ultrapassa os limites da fé religiosa. “Hoje, a gente pode reinterpretar também o sentido da Páscoa como uma oportunidade de a gente olhar para nós mesmos, para a nossa realidade social, para a nossa realidade econômica, política e pensar, a partir daí, o que a gente quer para a nossa sociedade?”, conclui.