Entenda a tecnologia radioativa que promete conter o Aedes aegypti
Uma tecnologia que esteriliza mosquitos por meio da exposição à radioatividade é uma nova arma dentro dos esforços para combater o Aedes aegypti, vetor de transmissão dos vírus da dengue, chikungunya e zika no Brasil.
Foto Capa: Reuters
A proposta vêm do órgão das Nações Unidas que coordena energia nuclear, a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), e deverá ser debatida em um encontro em Brasília nos dias 22 e 23 deste mês.
A agência da ONU está oferecendo a transferência de conhecimento e espera ver a aplicação da técnica dar resultado dentro de um ano após sua adoção, explicou à BBC Brasil o vice-diretor da organização e chefe do departamento de Ciências Nucleares e Aplicações, o brasileiro Aldo Malavasi.
Na esterilização proposta pela AIEA, os mosquitos machos do Aedes aegypti são expostos à radiação eletromagnética ionizante de raios gama. A radiação danifica aleatoriamente o material genético contido no sêmen do inseto, gerando infertilidade. Quando os machos irradiados acasalam com as fêmeas, os filhotes gerados são ovos que não vingam.
“Você solta insetos são normais no seu comportamento, só que o esperma não é normal, ele tem pedaços quebrados. Quando o óvulo da fêmea recebe o esperma, o embrião não consegue se desenvolver e esses óvulos são maculados”, explicou Jorge Hendrichs, chefe do departamento de controle de pestes da AIEA.
A tecnologia está sendo testada em Fernando de Noronha pela Fiocruz Pernambuco e pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Já foram liberados 27 mil mosquitos na ilha. Com o uso da técnica em testes de laboratório, apenas 30% dos ovos dos mosquitos se tornaram larvas. Os pesquisadores, agora, querem saber se esta diminuição se repetirá na natureza.
Uma pesquisa do Centro de Energia Nuclear na Agricultura (Cena) da USP também iniciou testes com a tecnologia em 2012, mas foi interrompida por falta de verbas. Segundo o pesquisador Valter Arthur, coordenador da pesquisa, ela será retomada neste ano, após aumento do interesse no tema devido à associação apontada entre zika e malformações em bebês.
O método é uma alternativa que faz parte do conceito SIT (Sterile Insect Technique, ou Técnica dos Insetos Estéreis). O SIT é uma definição abrangente, que engloba várias técnicas de esterilização, que em comum empregam a estratégia de combater uma população “inundando” o meio ambiente com indivíduos estéreis.
A AIEA possui há anos um programa em conjunto com a FAO, agência da ONU para alimentação, para desenvolver aplicações de radioatividade contra pragas rurais.
Segurança
Malavasi afirma que a técnica é inofensiva às pessoas, apesar de lidar com radiação. Segundo ele, não se trata de uma radiação com risco de contaminação, mas sim de algo semelhante a uma onda eletromagnética.
“Se você faz um raio-X no dentista, você volta para casa radioativo? O raio passou por você e foi embora. (…) Quando você cozinha com o micro-ondas a comida fica com radiação? Não. Aqui é a mesma coisa. É totalmente seguro”, afirma Malavasi.
Existem diversas formas de radiação eletromagnética. Eles apenas diferem em frequência e comprimento de onda. Entre essas formas estão ondas de calor, ondas de rádio, luz infravermelha, luz, luz ultravioleta, raios-X e raios gama.
Somente a alta frequência do espectro eletromagnético é considerada ionizante. É nessa parte da escala que estão os raios gama e “X”, capazes de gerar alterações genéticas.
Mas, para o pesquisador Marcelo Firpo, da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, da Fundação Oswaldo Cruz, a nova técnica demanda atenção.
“Eu não conheço a técnica profundamente, mas em princípio todo uso de tecnologia envolvendo radiação ionizante é problemática, porque toda radiação ionizante é potencialmente cancerígena”, diz ele.
Firpo, que é coordenador do Grupo de Saúde e Ambiente da Abrasco (Associação Brasileira de Saúde Coletiva), defende que o foco não deve ser a “eliminação do mosquito, mas sim a eliminação contínua dos criadouros do mosquito”.
Isso, afirma, passa por medidas de saneamento básico, melhoria de fornecimento de água e redução da pobreza.
Outras críticas ao método passam pela quantidade de mosquitos que devem ser liberados para que a medida seja eficiente.
A técnica SIT requer que o número de machos modificados liberados no meio ambiente seja muito superior à de selvagens. Só com a “inundação” de 20 machos estéreis para cada selvagem é que as fêmeas têm boas chances de copular com o inseto maculado.
Malavasi reconhece que o uso da SIT é um complemento às técnicas de controle de vetor tradicional e sozinho não pode acabar com o Aedes aegypti. Por isso, a AIEA recomenda que ela seja utilizada em comunidades pequenas e em conjunto com os métodos tradicionais de controle sanitário.
Solução limpa
De acordo com Hendrichs, o emprego da SIT é uma solução limpa porque não deixa marcas no meio ambiente, em comparação ao fumacê a aos mosquitos geneticamente modificados.
“Não há persistência no meio ambiente. É o método mais amigável porque na hora em que você quer interromper, (o impacto) acaba. Em algumas outras abordagens, algo permanece na população. Nós, enquanto Nações Unidas, não promovemos isso”, disse Hendrichs à BBC Brasil.
Segundo os pesquisadores, outra vantagem em comparação aos pesticidas é que a SIT só impacta uma espécie específica. Com a fumigação, os produtos químicos exterminam diversas espécies ao mesmo tempo.
Malavasi reforçou que os mosquitos transgênicos se diferem da técnica SIT por terem genes externos inseridos no seu código.
Além disso, a aplicação de transgênicos é mais complexa porque envolve legislação e controle. No caso do Brasil, mosquitos geneticamente modificados estão sendo produzidos na Bahia em uma fábrica das empresas Moscamed e Oxitec. Antes de servir nas ONU, Malavasi era diretor dessa operação.
História
A técnica SIT vem sendo estudada há mais de 60 anos e já foi testada em diversas espécies de moscas, borboletas, mosquitos e outros insetos.
Foi aplicada em larga escala pela primeira vez no sul dos EUA em 1950, no combate à Cochliomyia hominivorax, mosca parasitária cuja larva ataca animais vivos de sangue quente, o que gera grandes perdas em rebanhos de gado.
Testes anteriores com o Aedes aegypti ocorreram na Índia, em 1975, e no Quênia, na mesma década.
Em Nova Délhi os mosquitos foram esterilizados por meio da exposição a Thiotepa, um agente alcalino utilizado em quimioterapia, segundo o livro Sterile Insect Tecnique: Principles and Practice in Area-Wide Integrated Pest Management, editado por V.A.Dyck, J.Hendrichs e A.S.Robinson.
À BBC Brasil, a IAEA afirmou que testes com o Aedes aegypti por meio de radiação por raios gama já ocorreram na Indonésia e os resultados foram “encorajadores”. Testes com uma espécie semelhante, o Aedes albopictus, e os mesmos raios estão ocorrendo na Itália e nas ilhas Maurício.