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‘Encontrei meu ídolo numa mesa de necrotério’: o médico brasileiro que participou da necropsia de Elvis Presley

Quando soube que a nova turnê de Elvis Presley passaria pela cidade de Memphis, no Tennessee (EUA), o médico brasileiro Raul Lamim, então com 29 anos, quase não acreditou: finalmente teria a chance de assistir a um show do “rei do rock”.

A animação era tanta que pensou em convidar colegas do Baptist Memorial Hospital – Memphis, onde fazia residência médica, para assistir ao concerto no Mid-South Coliseum, uma arena com capacidade para 10 mil pessoas. Só faltava definir a data: 27 ou 28 de agosto? Tinha que decidir logo, antes que os ingressos se esgotassem.

Enquanto o dia do show não chegava, Raul procurava se concentrar em sua tese de mestrado. Quando não estava dando plantão, o mineiro de Juiz de Fora gostava de estudar na biblioteca do hospital.

Em 16 de agosto de 1977, não foi diferente. Após pegar alguns livros de patologia clínica emprestados, passou na secretaria da necropsia. Lá, pegaria o pager e seguiria para casa. Em caso de emergência, voltaria ao hospital. A funcionária, no entanto, pediu a ele que esperasse. Havia uma necropsia urgente – e importante – para fazer. O relógio marcava 16h.

“Quando ela disse que o corpo era o do Elvis, achei que estivesse de brincadeira. Mas, quando vi carros da polícia e caminhões de TV estacionando do lado de fora, não tive dúvidas: havia acontecido algo de errado”, lembra o médico, que hoje, aos 69 anos, se divide entre aulas na Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) e consultas na Santa Casa da cidade mineira.

Elvis em show em las Vegas em 1969
Elvis Presley (1935-1977) em apresentação no Las Vegas International Hotel, em agosto de 1969; cantor é tido como um dos principais ícones culturais do século 20 – Direito de imagem GETTY IMAGES

Pistas sobre causas

Quando Lamim entrou na sala de necropsia do Baptist Memorial Hospital, Thomas McChesney, patologista-chefe da instituição, já estava lá. Logo que viu o corpo do cantor deitado sobre a maca, duas coisas lhe chamaram a atenção: a boca entreaberta com a língua parcialmente para fora e a tonalidade azulada da pele e das mucosas – fenômeno também conhecido como cianose.

“São sinais de grande sofrimento respiratório”, explica o médico. O corpo de Elvis fora encontrado sem vida, duas horas antes, por Ginger Alden, sua noiva, no banheiro de seu quarto em Graceland, a mansão em que o cantor vivia em Memphis.

A famosa propriedade do cantor fica a menos de 25 km de distância do Baptist Memorial Hospital. Se Lamim contava os dias para o show, o rei do rock também não disfarçava a ansiedade. Daquela vez, a turnê duraria apenas 12 dias, começaria por Portland, no Oregon, e terminaria em Memphis.

Na noite anterior ao início da excursão, Elvis não conseguira relaxar. Segundo seus biógrafos, passou a madrugada em claro, jogando squash (uma partida às 04h00 da manhã, em que se movimentou pouco), repassando músicas ao piano e beliscando guloseimas – o último lanche teria sido quatro bolas de sorvete e seis cookies de chocolate. Entre uma atividade e outra, ingeria calmantes.

Às 9h, quando Ginger Alden se levantou da cama, Elvis continuava acordado. Segundo o livro Elvis & Ginger: Elvis Presley’s Fiancée and Last Love Finally Tells Her Story (“Elvis e Ginger: A noiva e último amor de Elvis finalmente conta sua história”, em tradução livre), que ela lançou em 2014, o cantor teria dito que ia ao banheiro para ler e nunca mais foi visto com vida.

Por volta das 14h, Ginger bateu à porta do banheiro. Como Elvis não respondia, abriu. O cantor estava caído, de bruços, sobre o carpete. Ao seu lado, o livro A Scientific Search for The Face of Jesus (“A busca científica pelo rosto de Jesus”), de Frank Adams, sobre o Santo Sudário, uma peça de linho com uma imagem de homem que seria Jesus.

Na opinião do médico brasileiro, a posição em que o cantor caiu no sono teria impedido a respiração e provocado sua asfixia. “O que mais chama a minha atenção, 40 anos depois, é a precocidade da morte do Elvis. Ele só tinha 42 anos. Era muito novo”, afirma.

Raul Lamim
Raul Lamim durante o período de residência no Baptist Memorial Hospital (ao fundo), em Memphis – Direito de imagem ARQUIVO PESSOAL

Na mesma hora, o médico do cantor, George Nichopoulos, tentou reanimá-lo, aplicando massagem cardiorrespiratória. “Respire, Elvis, respire!”, repetia. Nada. Logo, Joe Esposito, gerente de turnês do artista, chamou a ambulância.

Durante o trajeto até o Baptist Memorial HOspital, os paramédicos Charlie Crosby e Ulysses Jones Jr., que atenderam a chamada, repetiram o procedimento. Em vão. Às 15h30, no horário local, Elvis Presley foi declarado oficialmente morto.

‘Elvis não morreu’?

A participação de Lamim na necropsia de Elvis Presley é citada em ao menos um dos inúmeros livros escritos sobre o rei do rock, The Death of Elvis Presley – What Really Happened (“A Morte de Elvis Presley – O Que Realmente Aconteceu”), lançado em 1991.

Nele, os autores Charles C. Thompson e James P. Cole reforçam a tese do “Elvis não morreu”. Para eles, o astro teria assumido uma identidade falsa e, por razões desconhecidas, fixado residência em outro país.

Inúmeras teorias conspiratórias, aliás, tentaram forjar explicações para a morte de Elvis. Umas dizem que ele teria sido envenenado. Outras, que teria sucumbido a uma overdose de drogas.

O patologista de Juiz de Fora refuta as duas teses. “O exame toxicológico não encontrou vestígios de veneno ou de drogas ilícitas, como maconha, cocaína e heroína, no organismo do cantor. De acordo com seus registros médicos, Elvis não fazia uso de cigarro, bebida ou drogas”, afirma o médico.

Sepultura de Elvis Presley em Graceland
Sepultura de Elvis Presley em Graceland; 40 anos depois, morte de cantor continua a alimentar ‘teorias da conspiração’ – Direito de imagem LINDSEY TURNER/FLICKR

O mesmo, porém, não se pode dizer de medicamentos. “Elvis dormia e acordava à base de remédios”, lamenta Lamim. O exame de sangue acusou 14 substâncias diferentes, entre analgésicos (codeína e morfina), ansiolíticos (diazepam) e, principalmente, sedativos (ethinamate, etclorvinol, pentobarbital, butabarbital e fenobarbital), todos em doses aceitáveis pelos médicos. O único medicamento que teria sido tomado acima do recomendado foi o antidepressivo metaqualona.

Na ocasião, George Nichopoulos, que tratava do cantor havia dez anos, chegou a ter sua licença suspensa por três meses após ser acusado pelo Conselho de Médicos Legistas do Tennessee de prescrever remédios em excesso para seus pacientes. Em 1995, após reincidir no erro, perdeu a licença em definitivo.

“Quarenta anos depois, a sensação que fica é de espanto. Quando eu poderia imaginar que aquilo fosse acontecer? Nunca imaginei que, um dia, encontraria meu ídolo da juventude em uma mesa de necrotério. Uma pessoa tão idolatrada e, ao mesmo tempo, como outra qualquer”, filosofa o médico.

Da BBC Brasil