Em limbo regulatório, mosquito Aedes transgênico avança no Brasil
O uso de mosquitos transgênicos pode mudar a forma como o Brasil vem combatendo o Aedes aegypti. Mas, apesar das taxas de sucesso alardeadas por autoridades e pela empresa que inventou o novo inseto, o mosquito OX513A, como foi batizado, é polêmico.
Produzida pela empresa britânica Oxitec, a variação genética do Aedes aegyptipoderá ser o primeiro inseto do tipo a ser comercializado no mundo, mais provavelmente, no Brasil, onde vem encontrando seu mais amplo campo de testes.
A Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) aprovou testes em 2011 e uso comercial em 2014, mas a falta de um parecer da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) trava a entrada do mosquito em um mercado que poderá representar milhões em receita para a Oxitec.
Um porta-voz da Anvisa disse à BBC Brasil que a agência já informou que “a empresa não poderá comercializar o produto até que conclua essa discussão sobre o enquadramento do mosquito transgênico (em uma categoria que possa ser fiscalizada de acordo com atribuições da agência)”.
Diante do limbo regulatório, a Oxitec reparte com a prefeitura de Piracicaba os custos dos testes feitos com o mosquito em um bairro da cidade paulista. Piracicaba poderá se tornar a primeira cidade no país a receber a espécie em larga escala. A prefeitura decidiu ampliar os testes, liberando o OX513A também no centro da cidade, onde vivem 60 mil pessoas – contra 5,5 mil no bairro onde o inseto vinha sendo testado anteriormente.
Conflito
Segundo a prefeitura e a Oxitec, o Aedes aegypti modificado geneticamente tem apresentado altas taxas de performance nos testes, supostamente reduzindo em muito a ocorrência de dengue, mas os resultados são alvos de críticas por parte da comunidade científica que demonstra preocupação com a ampliação dos experimentos.
Esta semana, ativistas e cientistas de Piracicaba levaram à promotora de Justiça de Direitos Humanos e Saúde Pública na cidade, Maria Christina Marton Corrêa Seifarth de Freitas, representação em que, além de voltar a questionar o uso do mosquito, pedem acesso a dados oficiais e detalhados sobre os testes realizados no projeto da Prefeitura batizado de Aedes aegypti do Bem.

O grupo queria ainda que o Ministério Público de São Paulo barre a ampliação do projeto para o Centro. Mas, ao contrário dos ativistas, a promotora não vê conflito de interesses no fato de a Oxitec ter sido, segundo o grupo, a única a fornecer os dados que atestam a eficiência do OX513A.
“Não vejo conflito de interesse. Os dados da empresa podem ser acompanhados por qualquer cientista, como definido pelo Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) de abril de 2015”, diz ela. “E, no bairro em que o transgênico foi testado, o número de casos confirmados de dengue passou de 133 em 2014 para 1 em 2015”.
O TAC obrigava o município e a empresa a liberarem dados mensalmente sobre os testes em Piracicaba, o que vem sendo feito. Mas cientistas questionam o a imparcialidade dos dados apresentados nos documentos liberados até agora e pedem dados oficiais, não gerados pela empresa.
“Queremos saber a eficácia antes de a prefeitura ampliar o programa. O mosquito é uma nova espécie. A transgenia está fazendo em laboratório o que a natureza levou milhares de anos para fazer. E o desenvolvimento é de uma empresa privada, que tem interesse em vender. Mas, se der errado, não tem volta”, alerta Eloah Margoni, vice-presidente da Sociedade para a Defesa do Meio Ambiente de Piracicaba, uma das signatárias da representação.
Os questionamentos sobre o mosquito transgênico – testado na Malásia, no Panamá e nas Ilhas Cayman – não se restringem ao Brasil. No ano passado, mais de 150 mil pessoas assinaram uma petição que tentava evitar os testes do OX513A na Flórida. Como no Brasil, também nos Estados Unidos a tecnologia ainda não tem aprovação para comercialização.
Em janeiro, a Federal Drugs Administration (FDA), o equivalente americano à Anvisa, informou que colocará o pedido da Oxitec para testes na Flórida sob consulta pública, antes de avaliar o impacto ambiental do uso do mosquito transgênico no local, o que, segundo a FDA, não tem data para ocorrer.
‘Cobaia’
O mosquito transgênico é modificado geneticamente para, solto no meio ambiente, levar à redução drástica da população local do inseto. Depois de fecundar fêmeasAedes aegypti selvagens, a maior parte das suas crias morre – no máximo 4% das larvas chegam à vida adulta. De acordo com a empresa que desenvolveu o inseto, ao se reduzir a população do mosquito, caem incidências das doenças transmitidas por ele, como dengue, chikungunya e zika.
Mas diversos cientistas, brasileiros e estrangeiros, afirmam que os estudos feitos pela Oxitec – e aceitos pela CTNBio – não são suficientes para garantir a eficiência no combate às doenças.
“A população não pode ser cobaia”, critica o biólogo José Maria Ferraz, conselheiro da CTNBio à época em que o órgão inicialmente examinou o OX513A. “Não somos contra modificações genéticas. Somos contra a forma apressada como a liberação foi feita”, diz ele, que também assinou a petição enviada ao Ministério Público em Piracicaba.
Dezoito conselheiros votaram na sessão de 10 de abril de 2014 da CTNBio que liberou o mosquito transgênico – 16 a favor, um contra e uma abstenção.
Pesquisador convidado do Laboratório de Engenharia Ecológica da Unicamp, Ferraz diz que a liberação do uso comercial do OX513A pelo órgão foi “obscura” e, segundo ele, levou a metade dos 5 anos pelos quais normalmente pedidos como este tramitam.
“Foi um processo totalmente avesso à tradição da CTNBio. O uso do mosquito foi liberado antes de testes conclusivos, de campo e de estatística”, diz ele, que não participou da votação final, porque seu mandato já estava encerrado.
Em nota emitida em fevereiro de 2015, a Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), que congrega instituições de ensino e pesquisa, também questionou – com base nos argumentos de Ferraz e outros cientistas – a tramitação do processo na CTNBio, que classificou de “excepcional”.
A Abrasco questiona o “fato de representantes do proponente da tecnologia (Oxitec) terem sido convidados a participar de reunião onde ela estaria sendo avaliada e, mais do que isso, a realizar exposição de mérito que poderia ser confundida com marketing institucional com possibilidade de induzir os membros da CTNBio à aprovação”.
Um voto

O conselheiro Antônio Inácio Andrioli, único voto contrário ao mosquito transgênico na Comissão, afirma que houve pressões e “lobby da empresa”. “Na noite anterior recebemos um e-mail pedindo voto. E a pesquisa do mosquito transgênico envolveu a USP. Vários integrantes da CTNBio eram da USP, inclusive o presidente da comissão na época, que tinha ligações inclusive com a indústria farmacêutica”, diz ele.
A CTNBio nega que tenha apressado o processo ou qualquer influência externa. Em nota enviada à BBC Brasil, afirma que “acusação não tem fundamento em fatos”.
“As liberações planejadas foram conduzidas com autorização da CTNBio e os dados do processo foram deliberados dentro dos prazos regimentais. Não houve falhas no exame da matéria pela CTNBio e as manifestações da empresa durante a reunião da Comissão foram feitas a pedido da Coordenação da mesa com anuência dos membros presentes sobre a matéria específica objeto da deliberação”, diz a nota.
“As pesquisas conduzidas pela equipe do Instituto de Ciências Biomédicas da USP foram examinadas e votadas como todos os processos da comissão, nenhuma questão ética foi apontada como relevante aos procedimentos executados. O pedido de liberação comercial do mosquito GM foi protocolado pela empresa Oxitec e não pela USP, assim não procede a acusação”, diz a nota.
Presidente da CTNBio durante a tramitação do processo do OX513A, o professor da USP Flavio Finardi diz que o grupo que questiona “é sempre o mesmo, seja o mosquito transgênico ou uma vacina transgênica para uso veterinário”.
“A pessoa (Andrioli) que fez o parecer contra o mosquito transgênico foi também a única que votou contra. Perdeu na democracia, mas também na ciência”, diz Finardi, que votou pela liberação do OX513A.
Finardi foi substituído no comando da CTNBio por Edivaldo Domingues Velini, que assinou a liberação do OX513A.
Temores
José Maria Ferraz e outros pesquisadores insistiram junto ao MP de São Paulo nos argumentos que já haviam apresentado à CTNBio, mencionados no parecer técnico 3964/2014, que liberou a aplicação do mosquito.
Alertam para a possibilidade de proliferação do mosquito OX513A, caso as larvas entre em contato com o antibiótico tetraciclina presente no meio ambiente, que “desliga” o dispositivo genético que impede os insetos de chegarem à vida adulta.
“O Brasil baniu a tetraciclina em ração animal em 2009”, rebate Hadyn Parry, chefe-executivo da Oxitec. “A despeito da especulação da mídia devido à pressão de grupos, a presença da tetraciclina no meio ambiente é mínima e, quando ocorre, degrada rapidamente se exposta à luz do sol”.
Mas o biólogo brasileiro chama a atenção para o fato de haver uso veterinário da tetraciclina, e também em humanos. “Antes de soltar o mosquito, teria sido importante avaliar a presença da tetraciclina e de antibióticos semelhantes no meio ambiente, principalmente no esgoto”.
Sem o tal “desligamento”, crias do mosquito genético poderiam chegar à idade adulta.
Em resposta, a Oxitec afirma que estudos em Jacobina, na Bahia, nas Ilhas Cayman e no Panamá não sugerem qualquer perda de eficácia (e percentual superior de sobrevivência) do OX513A. E que, se houvesse presença da tetraciclina, a empresa teria identificado em seus monitoramentos.
A empresa britânica menciona, ainda, estudo conduzido em 2013 por pesquisadores da Unicamp e do Imperial College London mostrando que os níveis de tetraciclina nos locais em que o mosquito seria liberado eram insuficientes para “desligar” o dispositivo genético que mata os insetos transgênicos antes da vida adulta.
De acordo com a Oxitec, as primeiras liberações do mosquito no meio ambiente foram feitas antes de tais estudos, em 2011 e 2012, em Juazeiro, Bahia, onde foram conduzidos testes de campo autorizados pela CTNBio.
Efeito colateral
O maior temor dos cientistas críticos ao mosquito é uma espécie de efeito colateral da redução do Aedes aegypti selvagem. Cientistas temem isso que abra caminho para o mosquito Aedes albopictus, mais eficiente na transmissão de doenças como a chikungunya, malária e febre amarela.
“O albopictus já foi o principal fator de transmissão da dengue. E pode voltar. E a natureza ensina que não há vazio. Se um mosquito sai, entra outro”, diz o ex-conselheiro da CTNBio Leonardo Melgarejo, professor do mestrado profissional em agroecossistemas da Universidade Federal de Santa Catarina.
“E, o que aconteceria? A empresa criaria um transgênico de outro mosquito para as prefeituras comprarem novamente, num ciclo sem fim?”, questiona ele, que também se manifestou contra a liberação do inseto transgênico para comercialização durante seu mandato de conselheiro na CTNBio.
A Oxitec afirma não ter identificado entrada do albopictus no lugar do aegypti. “Isso foi estudado recentemente no Panamá e não houve evidências de substituição. Resultados obtidos em um estudo em andamento em Piracicaba, onde o Aedes albopictus está presente, mostram evidências insuficientes de que o Aedes aegyptiserá substituído”, disse Hadyn Parry, chefe-executivo da Oxitec.

Ferraz diz que “o problema é justamente este, que a empresa está fazendo uma experiência que enriquece a base de dados deles”.
“Fizeram testes no semiárido e agora vieram para a região de Mata Atlântica. O ônus da prova não pode ser invertido. A empresa tem que provar que não haverá problemas, e não dizer que não há evidência dos problemas”, diz Ferraz.
Em meio ao debate, governos justificam a ampliação de seus programas de uso do inseto transgênico diante da emergência que a dengue e agora o zika impuseram.
Alto desempenho
A secretaria de Saúde do Estado da Bahia e a Secretaria Municipal de Saúde de Piracicaba afirmam que, diante da urgência imposta pelos números alarmantes de dengue, aceitaram adotar em caráter experimental o uso do mosquito transgênico.
No município baiano de Jacobina, a ideia é estender os programas iniciais com o OX513A para mais bairros.
A superintendente de Vigilância e Proteção da Saúde da Bahia, Ita de Cácia Aguiar, afirmou que a aplicação teste do inseto transgênico em dois bairros custou ao governo R$ 1,2 milhão.
Ela diz não “ter certeza sobre a eficácia do mosquito transgênico na redução da dengue”. Mas houve redução do Aedes aegypti, ela garante. “Não temos notícias de adoecimentos graves em Jacobina”.
Em Piracicaba, o uso do mosquito transgênico foi um “projeto de parceria em caráter de pesquisa, com custos compartilhados entre o município e a empresa (Oxitec). Nesse primeiro ano do projeto, que se encerra em 29 de fevereiro, foram investidos R$ 150 mil pelo município”, informou a Secretaria Municipal de Saúde da cidade, em nota à BBC Brasil.
De acordo com a prefeitura, os resultados de testes apresentados no dia 19 de janeiro apresentam redução de 82% nas larvas selvagens do Aedes aegypti, “e mostram que a alternativa funciona e pode ser aplicada de forma mais ampla para tratar um importante problema de saúde pública, que se agrava com a chegada do zika vírus em nosso país”.
Após examinar a petição de ativistas, a promotora Maria Christina Marton Corrêa Seifarth de Freitas afirmou que pedirá à Prefeitura de Piracicaba e à Oxitec que se manifestem. Mas Maria Cristina não dá muitas esperanças aos ativistas.
“Houve agravamento da situação de saúde pública”, diz ela. “E, no bairro onde o mosquito transgênico foi aplicado, o número de casos confirmados da dengue caiu de 133, em 2014, para 1 em 2015”, complementou, citando, segundo ela, dados da Prefeitura.
“A empresa está construindo o case dela, com estes testes em larga escala em Piracicaba”, diz o ex-conselheiro da CTNBio Leonardo Melgarejo. “Não sabemos qual o impacto ecológico desse mosquito”.
Já a Oxitec repele as desconfianças justamente com o fato de ter sido muito criticada: “Suspeito que nossa tecnologia tenha sido examinada em muito mais detalhe e rigor do que a maioria das outras”, diz o chefe-executivo, Hadyn Parry.
Por ora, ao que tudo indica, o mosquito transgênico veio para ficar.
Texto :
Foto Capa: blogdodondigital.blogspot.com
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Conheça cinco animais transgênicos e entenda argumentos contra e a favor de seu uso
Publicado pelo BBC Brasil em 31 de agosto de 2014
Um tipo de mosca transgênica programada para se autoextinguir pode ser a solução para pestes que afetam lavouras de alimentos em países europeus, segundo cientistas de uma empresa britânica de biotecnologia.
Um estudo detalhando a nova tecnologia foi publicado neste mês na revista científica Proceedings of the Royal Society B.
Recentemente, a mesma companhia, a Oxitec, de Abingdon, na Inglaterra, foi manchete no Brasil e no mundo. Ela recebeu aprovação das autoridades brasileiras para comercializar no país uma mosca transgênica que, segundo a empresa, é capaz de combater o mosquito transmissor da dengue.
O Brasil é o primeiro país do mundo a autorizar a liberação, na natureza, de um animal transgênico para fins como este e a decisão brasileira foi recebida com preocupação por especialistas dentro e fora do país.
Um animal transgênico, ou geneticamente modificado, é aquele que contém material genético adicional ou alterado. O objetivo das alterações – que são feitas com recursos da biotecnologia ou biologia molecular – é dar ao animal uma nova característica.
Os defensores da engenharia genética tendem a promovê-la como a solução para problemas tão diversos como fome, crime, mudança climática e doenças como o câncer.
Outros, no entanto, se preocupam com o impacto que animais transgênicos possam ter sobre alimentos, saúde, agricultura,meio-ambiente e sociedade.
Polêmicas à parte, há mais e mais animais transgênicos sendo desenvolvidos no mundo.
Conheça cinco deles e entenda os argumentos contra e a favor de seu uso.
Frango
Um tipo de frango transgênico que não transmite o vírus da gripe aviária foi desenvolvido por pesquisadores das universidades de Cambridge e Edimburgo, na Grã-Bretanha.
Mesmo que esteja em contato com outros frangos, o animal infectado não transmite o vírus para outros. Segundo os cientistas envolvidos, essa alteração genética tem o potencial de impedir que a doença se alastre.
Isso protegeria a saúde não apenas de aves, mas poderia também evitar que um novo vírus da gripe provocasse epidemias na população humana.
A alteração genética – uma pequena molécula desenhada especificamente para impedir que o vírus se reproduza após infectar um animal – não protege o frango contra o vírus, apenas impede que ele o transmita.
Os cientistas ressaltam que esse frango foi desenvolvido para fins de pesquisa apenas e não para o consumo humano.
O projeto permitiu que a equipe tivesse confirmação de que a alteração genética funciona. Portanto, há probabilidade de que ela seja útil no desenvolvimento, no futuro, de frangos imunes à gripe.
A equipe do Roslyn Institute da University of Edinburgh explica, no entanto, que não observou diferenças no desenvolvimento ou na saúde dos frangos transgênicos em relação aos frangos comuns. E acrescenta não ter encontrado qualquer indício de que esse frango não seja adequado para o consumo humano.
Alguns, no entanto, questionam a eficiência do frango transgênico em interromper a transmissão da gripe.
A cientista Helen Wallace, da ONG Genewatch – que monitora o uso de tecnologias de engenharia genética – disse à BBC Brasil que há a preocupação de que a transmissão do vírus continue a ocorrer sem ser detectada.
Além disso, “o vírus quer se reproduzir e evoluir. Então, uma única mutação em qualquer vírus pode alterar suas propriedades, permitindo que se transmita mais facilmente, ou tornando-o ainda mais agressivo”.
Mosquito da Dengue

A Oxitec realizou vários testes de campo em Juazeiro, na Bahia, com um tipo de mosquito transgênico que contém genes do Aedes Aegypti – transmissor da dengue.
Segundo a companhia, a liberação do mosquito transgênico em dois bairros da cidade resultou na morte de 90% da população de Aedes Aegypti na área.
O princípio de funcionamento é semelhante ao da mosca de fruta transgênica: quando o mosquito macho transgênico criado em laboratório cruza com fêmeas do Aedes Aegypti na natureza, os filhotes resultantes não sobrevivem até a vida adulta, bloqueando a reprodução da espécie naquela área.
Em abril desse ano, a Oxitec obteve aprovação da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) para comercializar o mosquito transgênico no Brasil.
Agora, a empresa precisa obter um registro comercial para que possa começar a disponibilizar o mosquito no mercado.
Esta é a primeira vez que um produto desse tipo recebe aprovação no Brasil – e no mundo.
Indagados sobre possíveis riscos de que o mosquito transgênico transmita doenças ao homem, pesquisadores que desenvolvem mosquitos geneticamente modificados no Brasil disseram não haver riscos de que o mosquito pique humanos. Eles explicaram que apenas machos transgênicos serão liberados na natureza, e estes se alimentam exclusivamente de néctar de flores.
A transmissão do vírus da dengue é feita pela fêmea do Aedes Aegypti.
Grupos de cientistas, agricultores e técnicos que se opõem ao uso de transgênicos no Brasil apontam vários riscos associados ao uso do mosquito trangênico.
Eles dizem, por exemplo, que a tecnologia foi testada em outros países mas só obteve aprovação no Brasil. Questionam o princípio de que eliminar o mosquito transmissor leve à eliminação da doença.
E explicam também que quando uma espécie de mosquito desaparece, outras tendem a se proliferar em seu lugar, levando a um possível aumento na transmissão de outras doenças, como malária e febre amarela.
Além disso, alguns argumentam que quando as empresas “fabricantes de mosquitos” liberam os insetos na natureza, muitas fêmeas transgênicas são liberadas também, acidentalmente. Isso cria o risco de que as fêmeas se reproduzam, o que pode ter consequências imprevisíveis.
Helen Wallace, da Genewatch, disse estar surpresa com a decisão da comissão brasileira de aprovar a tecnologia.
“A companhia diz que houve uma redução no número de casos de dengue mas não publicou os resultados do estudo”, disse a cientista.
“A Universidade de São Paulo disse que não há evidência de diminuição nos casos”, diz Wallace. “Pelo contrário, em uma das áreas (onde os testes de campo foram feitos) foi declarada uma emergência por causa de um aumento nos casos”.
“A preocupação é de que a tecnologia possa agravar o problema da dengue”, concluiu Wallace.
Camundongo
Cada vez mais, animais transgênicos são usados por cientistas em experimentos de laboratório.
De um total de 4,11 milhões de experimentos em animais realizados na Grã-Bretanha em 2012, 1,91 milhão envolveram animais transgênicos. Isso representou um aumento de 22% no uso de cobaias transgênicos em relação ao ano anterior.
Camundongos mutantes foram os mais usados, seguidos por ratos e peixes. Também houve um aumento de 22% no uso de primatas não-humanos, entre eles, babuínos.
Também houve um aumento de 13% no número de procedimentos envolvendo animais submetidos a mutações genéticas prejudiciais.
Quaisquer que sejam os benefícios trazidos pelos experimentos, a ideia de que milhões de animais – transgênicos ou não – estejam, nesse momento, sofrendo e morrendo em laboratórios no mundo provoca o repúdio de ativistas que combatem a crueldade contra animais.
Mosca da Fruta
Um tipo de mosca da fruta transgênica, programada para a “autoextinção” poderia, de acordo com cientistas britânicos, ser um método eficiente de controle de pestes em lavouras.
A mosca, desenvolvida pela companhia Oxitec, com sede no condado de Oxfordshire, na Inglaterra, é um inseto macho que, quando se reproduz, gera apenas filhotes machos.
Isso porque as larvas fêmeas possuem um gene que as leva a morrer antes de se tornarem adultas, ou seja, são programadas para morrer.
Como resultado, após várias gerações, a população se extingue – já que os machos não conseguem encontrar fêmeas para o acasalamento.
Segundo os pesquisadores, testes com a mosca transgênica em uma estufa resultaram no “colapso da população” de moscas.
A equipe defende o uso dessa mosca transgênica como uma forma eficiente e ecológica de evitar danos às lavouras provocados pela mosca da fruta, que afeta mais de 300 tipos de plantações.
Para fazer com que a mosca transgênica se reproduza, a companhia “silencia” o gene da auto-extinção em laboratório, usando um antibiótico chamado tetraciclina. A droga funciona como um botão que desliga o transgene, permitindo que moscas fêmeas se desenvolvam. Uma vez que o antibiótico é retirado, as fêmeas deixam de sobreviver.
A ideia é que milhares de machos transgênicos sejam soltos no ambiente. Segundo os pesquisadores, rapidamente, começa a haver um desequilíbrio na proporção entre moscas machos e fêmeas, o que torna aquela população insustentável.
“Na área onde se faz essa operação, os índices de população (da mosca de fruta) diminuem rapidamente, reduzindo massivamente os danos às plantações”, disse um dos autores do estudo, Philip Leftwich, da University of East Anglia e da Oxitec, à BBC.
O especialista diz que o próximo passo são testes de campo, fora do laboratório. Para isso, no entanto, a empresa precisa da aprovação do governo.
A cientista Helen Wallace, da ONG Genewatch – que monitora o uso de tecnologias de engenharia genética – faz sérias críticas ao projeto.
Segundo ela, os efeitos, a longo prazo, da liberação de milhões de moscas transgênicas no ambiente seriam impossíveis de prever.
Ela alerta também para possíveis riscos à saúde caso larvas das fêmeas mortas sejam deixadas dentro dos alimentos.
E acrescenta que, a longo prazo, o mecanismo de “auto-extinção” pode falhar, à medida que moscas desenvolvam resistência ou se reproduzam em locais contaminados pelo antibiótico tetraciclina, bastante usado na agricultura.
Salmão

A empresa americana de biotecnologia AquaBounty desenvolveu o primeiro peixe geneticamente modificado para consumo humano do mundo.
O salmão, de uma espécie selvagem encontrada no Atlântico, contém genes extras da espécie Chinook, do Pacífico, e de enguia. Esses genes fazem com que o peixe cresça mais rápido, ao longo de todo o ano. Como resultado, chegam ao tamanho máximo duas vezes mais rápido.
Mas, como em qualquer experimento transgênico, há preocupações. A Federação Atlântica de Salmão, por exemplo, teme que o peixe modificado escape dos tanques de cultivo e laboratórios e vá parar na natureza, e que destrua as espécies selvagens de salmão.
O especialista Francisco Aragão, pesquisador responsável pelo laboratório de engenharia genética da Embrapa, disse que esse risco existe.
Falando à BBC Brasil no ano passado, Aragão disse que estava acompanhado o caso do salmão “com interesse”, e que não tinha dúvidas sobre sua segurança para consumo humano.
“A dúvida é em relação ao impacto no meio ambiente”. Embora seja criado em cativeiro, o salmão poderia escapar, ele explicou.
Uma vez livre na natureza, “o salmão poderia aumentar sua população muito rapidamente e eventualmente eliminar populações de peixes nativos. As probabilidades de risco para o meio ambiente são baixas, mas não são zero…na natureza não existe o zero”.
Segundo a AquaBounty, todos os salmões modificados serão fêmeas estéreis criadas em ambientes fechados.
A empresa tenta há 21 anos obter aprovação oficial para que seu peixe chegue às mesas de jantar.
No entanto, a Food and Drug Administration (FDA), agência que regula alimentos e medicamentos nos EUA, reluta em autorizar a comercialização do produto.
Em 2012, no entanto, a agência declarou que o salmão transgênico era seguro para ser consumido pelo homem e que não tinha “impacto significativo” sobre o ambiente.
Há cerca de oito anos, a agência reguladora americana aprovou a primeira droga de consumo humano produzida a partir de um animal transgênico – uma cabra.
Há também vacas transgênicas com genes humanos que produzem leite semelhante ao materno.
Mas grupos de defesa dos animais afirmam que “a modificação genética apenas contribui para a crueldade já infringida em animais criados para virar comida e usados em experimentos”.