Em 10 anos, Brasil ganha mais de 1 milhão de famílias formadas por mães solteiras
Nº absoluto aumenta entre 2005 e 2015, mas o percentual em relação a todos os tipos de família é menor, já que houve aumento de casais sem filhos e de pessoas morando sozinhas. Maior escolaridade entre mulheres e menores taxas de fecundidade estão entre os motivos.
Em 10 anos, o Brasil ganhou 1,1 milhão de famílias compostas por mães solteiras. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2005, o país tinha 10,5 milhões de famílias de mulheres sem cônjuge e com filhos, morando ou não com outros parentes. Já os dados de 2015, os mais recentes do instituto, apontam 11,6 milhões arranjos familiares.
Mesmo com esse aumento no número absoluto, a representatividade das mães solteiras caiu de 18,2% para 16,3% no período. Isso porque outros tipos de família, como as de casais sem filhos e as unipessoais, cresceram mais proporcionalmente.
Segundo Cristiane Soares, pesquisadora da Coordenação de População e Indicadores Sociais do IBGE, os dados são reflexo da dinâmica social e do perfil demográfico do país nos últimos anos.
“Houve uma queda na fecundidade e um aumento de escolaridade entre as mulheres. Estes são fatores que impactam na sociedade a na formação das famílias.”
A taxa de fecundidade caiu de 2,38 filhos por mulher em 2000 para 1,9 em 2010, segundos os censos demográficos do IBGE. De acordo com o instituto, a queda da fecundidade ocorreu em todas as faixas etárias. Houve, no entanto, uma mudança na tendência de concentração da fecundidade entre jovens de 15 a 24 anos, observada nos censos de 1991 e 2000. As mulheres, de acordo com dados de 2010, estão tendo filhos com idades um pouco mais avançadas.
A redução na proporção de adolescentes (15 a 19 anos) com filhos, que caiu de 14,8% para 11,8% entre 2000 e 2010, é, inclusive, um fator importante para a elevação do nível de escolaridade das mulheres. Houve um aumento da frequência escolar feminina no ensino médio de 9,8% em relação à masculina. Em 2010, as mulheres também foram apontadas como maioria entre os estudantes universitários de 18 a 24 anos – 57,1% do total.
Outro fator que aponta o avanço feminino, segundo Soares, é o aumento de mulheres que são consideradas referências na família. O IBGE considera como pessoa de referência quem é responsável pela unidade domiciliar (ou pela família) ou assim considerada pelos outros membros. Entre as famílias com filhos, as mulheres eram apontadas como referência mesmo tendo um cônjuge em 4,8% dos casos em 2005; já em 2015, o percentual saltou para 15,7%.
“É muito significativo. Embora a gente não consiga, com a pesquisa, saber os fatores que levaram essa mulher a ser declarada como referência, a gente chama a atenção para as mudanças sociais, pois isso tem ocorrido principalmente em arranjos com casais”, afirma a pesquisadora.
Mais mães solteiras entre famílias com filhos
Por outro lado, segundo Soares, a situação é muito mais delicada para a mulher quando ela está sozinha. Considerando apenas as famílias com filhos, o percentual de mães solteiras aumentou de 25,8% para 26,8%, e esse tipo de arranjo, segundo a pesquisadora, pode ser tanto um indicador de maior independência feminina quanto de maior vulnerabilidade.
O Distrito Federal e o Amapá, por exemplo, são unidades federativas que se destacam pelos altos índices de famílias compostas por mães e seus filhos. Considerando todos os tipos de famílias – integradas por filhos ou não, de pessoas morando sozinhas, etc -, o Amapá tem o maior percentual de famílias compostas por mulher sem cônjuge e com filhos, morando ou não com outros parentes: 20,6%, ou 48,2 mil famílias. Já considerando apenas as famílias com filhos – casais com filhos ou pais e mães solteiras -, o DF se destaca, com 31,6% dos arranjos familiares compostos por mulheres sem cônjuge e com filhos.
Não é possível, no entanto, fazer uma generalização das famílias. “Comparar uma mulher no Amapá com outra no DF é completamente diferente, pois são realidades diferentes. É preciso fazer uma análise levando em consideração os contextos regionais, que podem ser muito distintos a depender de renda, de fecundidade, de tamanho de família”, afirma Soares.
A professora de Direito da UnB Eneá de Stutz e Almeida, por exemplo, escolheu se separar do marido que não queria ter filhos para poder seguir seu sonho de ser mãe. A pesquisadora é mãe de Ninian, de 5 anos, e escolheu ter a filha aos 46 anos por meio da técnica da fertilização in vitro, quando o embrião já formado é implantado no útero.
“Perguntavam quem era o pai ou o que eu ia dizer quando ela crescesse. Eu sempre disse a verdade, isto não é um problema para ela. Falo sobre tantas outras crianças que têm histórias diferentes e também não têm pai, mãe ou são criadas pelos avós, por exemplo.”
Mas uma mulher com baixa escolaridade e baixa renda, que tenha sido largada pelo marido ou seja viúva, pode se encontrar com alta vulnerabilidade ao se ver em uma situação que precisa cuidar dos filhos sozinha. Isso porque, segundo a pesquisadora, ela fica impossibilitada de conseguir um trabalho decente ou mesmo de estudar.
“Para entender o contexto das famílias, é importante olhar principalmente se existem filhos menores. Vivemos em um país que não tem uma estrutura de cuidado para essas crianças, e isso impacta a mulher na situação de trabalho. Ela vai depender de outros membros da família para cuidar dos filhos ou procurar um trabalho que se adeque a sua rotina. Nesses casos, dificulta a autonomia da mulher não ter a presença do cônjuge”, diz Soares.
Para a catarinense e mãe de quíntuplas Sidneia Daufemback Batista, o apoio da família e de amigos é fundamental tanto para suprir a ausência do pai de suas filhas, que paga uma única pensão que não chega à metade do salário mínimo, quanto para complementar o auxílio do estado, de aproximadamente R$ 1,5 mil. “A família sempre me ajuda. Tem um auxílio do estado, que não dá pra passar o mês. Minha mãe me ajudava bastante, mas faleceu há quatro meses. Contamos com apoio de outras pessoas”, conta.
No caso da estudante de Direito J. N., mãe de três crianças – um casal de 7 e 14 anos e um bebê de 5 meses -, porém, sua família lhe deu as costas quando ela tentou voltar para a casa dos pais. De acordo com a estudante, o pai de seu último filho é usuário de drogas e, por este motivo, o casal se afastou no sétimo mês de gravidez.
“Eu me desesperei, estava desempregada e passando várias dificuldades. Pensei em tirar, mas não tinha mais como.”
Mesmo com o filho recém-nascido, J.N. procurou por emprego, mas, segundo ela, a vaga foi negada. “Criar um filho sozinha é muito difícil. É ainda mais complicado entrar no mercado de trabalho e retomar a vida na sociedade. Quando se está sozinha com um filho, você é muito discriminada, as pessoas não te respeitam, as portas se fecham e os próprios familiares viram as costas”, diz.
Sociedade machista
A questão é, segundo a pesquisadora, cultural, e os números apontam isso: em 2015, enquanto que as mães solteiras representavam 26,8% das famílias com filhos, os pais solteiros representavam apenas 3,6%.
“Vivemos em uma sociedade machista em que a responsabilidade do filho ainda é da mãe.”
Segundo Soares, essa situação tem mudado nos últimos anos com a guarda compartilhada, mas, nas estatísticas, ainda observar essa situação de vulnerabilidade da mulher. “Mesmo compartilhada a guarda, quem é a responsável por cuidar do filho é a mulher. E como o país não tem uma política de cuidado boa, a situação feminina fica limitada”, afirma. “A política pública tem que atuar para que a mulher possa ter uma carga de trabalho nas mesmas condições que os homens.”
G1