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Crise política deve influenciar futuro de Temer no TSE, diz ex-presidente da corte

O ex-presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) Sydney Sanches disse à BBC Brasil que o julgamento da corte que analisa a possível cassação do presidente Michel Temer não é apenas “jurídico” e deve levar em conta o agravamento da crise política após a delação da JBS dentro da operação Lava Jato.

O TSE retoma na noite desta terça-feira a análise de uma ação proposta pelo PSDB que pede a anulação da eleição presidencial de 2014 devido a supostas ilegalidades cometidas pela campanha da chapa vitoriosa, formada por Dilma Rousseff e Temer.

“(O TSE) não é um tribunal só de julgamento jurídico. Afinal de contas, um caso como esse está decidindo o destino do país. Então, não é muito fácil ficar apegado estritamente ao texto legal”, afirmou.

Embora as acusações da delação da JBS contra Temer não tenham qualquer relação com a eleição de 2014, Sanches diz que elas deixaram o presidente sem apoio no Congresso. “E sem apoio nenhum presidente consegue governar”, ressaltou.

“Qualquer que seja a decisão, vai ter grande repercussão no país e na vida de cada um (dos brasileiros). Vai mudar de presidente ou não vai mudar? Vai mudar agora ou mais tarde? Isso tem a ver com crescimento, tem a ver até com inflação. Afeta tudo”, disse também.

Para o ex-presidente do TSE, “não é improvável” que algum dos ministros da corte peça vista (mais tempo para analisar a ação) “porque é um processo muito complexo, de muita importância para o país”.

Sanches, que era o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) em 1992 e por isso presidiu o processo de impeachment contra o ex-presidente Fernando Collor (1990-1992) no Senado, considera que aquele julgamento foi “muito mais tranquilo” que o de Dilma porque a petista tinha mais apoio no Congresso.

Sydney Sanches

Ex-presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) Sydney Sanches: ‘um caso como esse está decidindo o destino do país’

Segundo ele, esse fator e também a continuidade de denúncias contra Temer e seus aliados explicam porque seu governo tem sido mais turbulento do que o de Itamar Franco (1992-1994), presidente que assumiu após a queda de Collor.

Confira os principais trechos da entrevista:

BBC Brasil – Qual a sua expectativa em relação ao julgamento do TSE?

Sydney Sanches – O julgamento não vai ser fácil porque envolve nada mais nada menos do que o país. Não é só o Presidente da República.

Convém que caia já, convém que caia depois ou convém que não caia enquanto não terminar o mandato? Isso vai pesar no julgamento. Não é só o aspecto jurídico.

BBC Brasil – Qual o peso do cenário político sobre o julgamento?

Sanches – Não é improvável que alguém peça vista, porque é um processo muito complexo, de muita importância para o país. Não é uma coisa que se possa julgar superficialmente. É preciso conhecer o que está fazendo e ter senso de reponsabilidade.

Qualquer que seja a decisão, vai ter grande repercussão no país e na vida de cada um (dos brasileiros). Vai mudar de presidente ou não vai mudar? Vai mudar agora ou mais tarde? Isso tem a ver com crescimento, tem a ver até com inflação. Afeta tudo.

BBC Brasil – Há algumas semanas muitos acreditavam que o TSE tenderia a absolver o presidente justamente para manter a estabilidade, mas depois da delação da JBS a leitura predominante é de que Temer estaria enfraquecido politicamente. Qual o impacto dessa mudança?

Sanches – Eu fico imaginando alguém que ainda estivesse em dúvida, um dos juízes que ainda não tivesse decidido sim ou não (pela cassação), e de repente surge esse fato novo que é relevantíssimo, talvez (algum ministro) até forme a opinião a partir daí. Mas acho que não necessariamente, pois cada um tem sua formação e o modo de ver o direito e a Justiça.

Não é um tribunal só de julgamento jurídico. Afinal de conta

s, um caso como esse está decidindo o destino do país. Então, não é muito fácil ficar apegado estritamente ao texto legal.

BBC Brasil – Temer tem condições de continuar presidindo o país ou seria melhor ele sair?

Sanches – Eu achava até há pouco tempo que ele deveria permanecer, que seria melhor para o país. Com esse caso (da JBS), eu já fiquei em dúvida. Não porque eu acredite que ele seja culpado, mas é que ele fica sem apoio nenhum no Congresso. Os partidos (da base) já estão querendo debandar, o PSDB já quer desembarcar. E sem apoio nenhum presidente consegue governar.

Enfim, a situação mudou sim, mas não sei se mudaria o meu pensamento jurídico se eu estivesse aí com o processo na mão. Aí eu teria melhores condições (de avaliar). Eu acho que vai ser um placar apertado, quatro votos a três, não sei se pró ou contra (a cassação).

BBC Brasil – Após uma decisão do TSE, é provável que haja recurso ao STF?

Sanches – Se forem discutidas questões constitucionais no julgamento, cabe recurso ao Supremo. E a questão constitucional é justamente a (possibilidade de) quebra da chapa de Presidente da República (para eventualmente preservar o vice eleito, no caso Temer, de uma cassação).

Mesmo se houver recurso extraordinário, que não tem efeito suspensivo (sobre a decisão do TSE), pode uma decisão liminar (provisória do STF) conceder efeito suspensivo. Os advogados estão superatentos a isso e não há dúvida de que haverá recurso para o Supremo, qualquer que seja o resultado.

Sydney Sanches
Sydney Sanches presidiu julgamento de impeachment de Collor no Senado

BBC Brasil – Tende a demorar então para haver um desfecho?

Sanches – No caso atual, eu fico pensando, se a decisão for desfavorável ao PSDB, que é o autor da ação, será que ele tem interesse em recorrer? Ele pode pensar bem: “é melhor continuar como está”. Porque não se sabe o que vai ser debatido no âmbito político. O partido pode chegar a uma conclusão: “nós perdemos, melhor não recorrer para o Supremo, é melhor nós continuarmos aliados ao PMDB e ao presidente”.

BBC Brasil – Se o PSDB não recorre, o Ministério Público pode recorrer?

Sanches – Pode. O Ministério Público não é parte do processo, apenas emite um parecer no TSE, mas mesmo assim pode recorrer, tem legitimidade para isso e não é difícil que isso aconteça. Até porque o Ministério Público está defendendo investigar o presidente, eventualmente (pode) denunciar o presidente no Supremo Tribunal Federal, e com isso estaria reforçando a sua ação.

BBC Brasil – A defesa do presidente está acusando o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, de atuação política. Há certa polêmica também no modo como foi conduzida a delação premiada da JBS. O senhor viu algum equívoco da Procuradoria?

Sanches – Nós estamos no meio de uma guerra, de um tiroteio. Cada um usa os argumentos que tem que dar, geralmente é desqualificar o adversário. Isso é comum na estratégia forense, e mais quando há o envolvimento de interesses políticos.

Eu não sei se o procurador-geral da República faria de propósito esse apressamento da denúncia (ainda não apresentada contra Temer) e da prisão (realizada no sábado) do Rocha Loures (ex-assessor de Temer que foi filmado recebendo R$ 500 mil em propina da JBS) apenas para reforçar uma decisão do TSE contrária ao Presidente da República.

Pode até ser que tenha esse interesse, mas eu vejo do ponto de vista institucional. Uma pessoa que é chefe de uma instituição como o Ministério Público se deixar levar por envolvimento político, eu acho que não.

Mas não deixei de achar um pouco apressado porque não custava esperar o resultado daquela perícia na gravação do (dono da) JBS com o Presidente da República. A Polícia Federal não concluiu ainda (a perícia). Seria mais prudente aguardar isso para depois pedir a prisão do Rocha Loures, depois também oferecer a denúncia, etc.

Mas tudo isso só quem conhece os autos pode decidir. Eu acredito que o (ministro do STF Edson) Fachin está se havendo com muita prudência.

Congresso
Temer no Congresso quando assumiu presidência; ele enfrenta denúncias que podem cassá-lo

BBC Brasil – O governo de Itamar Franco, após o impeachment de Collor, teve mais tranquilidade e estabilidade. Por que agora está sendo diferente?

Sanches – O (impeachment) do Collor foi muito mais tranquilo. O da Dilma foi muito mais difícil porque ela tinha apoio no Congresso. Ele estava praticamente sem apoio e essas coisas facilitaram andamento do processo.

Contra o Temer há vários pedidos de impeachment, mas aí precisaria ver o que se alega, porque a motivação precisaria ser jurídica, ainda que o julgamento seja político. Tem que se invocar o dispositivo da Constituição ou da lei que teria sido ferido.

Se se entender que o que ele fez representa uma falha de decoro no exercício do mandato, aí sim vai estar caracterizado um crime de responsabilidade, pois é um dos crimes previstos na lei de impeachment.

BBC Brasil – Mas por que o cenário está bem mais conturbado e não houve uma saída tranquila após o impeachment de Dilma?

Sanches – Exatamente porque os que apoiavam Dilma estão na oposição hoje e não aconteceu isso nos tempos do Collor. Os partidos (no governo Itamar) se compuseram e conseguiram andar para frente, ao passo que há uma resistência até agora ao governo Temer por aqueles que ficaram vencidos no processo de impeachment da presidente Dilma.

E alguns também abandonaram o apoio ao Temer por razões políticas, tendo em vista as denúncias que estão surgindo e que continuam não apenas contra Temer, mas contra seus ministros, contra seus assessores imediatos. Enfim, o quadro é outro. O que está acontecendo é bem diferente do que aconteceu na época de Collor e Itamar.

Por BBC Brasil