Coreia do Norte : Ódio ensinado desde cedo
Gratuita, a educação na Coreia do Norte é controlada pelo governo e obrigatória até o nível secundário. O Estado fornece aos estudantes a instrução, uniformes e livros didáticos. Todos com conteúdos recheados de devoção aos líderes
Infância dedicada às armas
Pyongyang — O pássaro branco, musculoso, vestido com uniforme da marinha atira com uma metralhadora contra uma raposa acuada, de dentes afiados, vestida como um padre. Também fortes, castores com farda do exército apontam um lança-foguetes e bombas para um rato de joelhos, em posição de rendição. Blindados, mísseis, tropas seguem para uma guerra que está para acontecer. Essa é a decoração dos corredores de todos os ambientes públicos destinados a crianças na Coreia do Norte. Incluindo creches e hospitais pediátricos.
Em meus 10 dias no país mais fechado do mundo, visitei uma escola secundária para órfãos, uma creche em uma vila de uma fazenda cooperativa modelo, o maior hospital pediátrico do país e o Palácio de Crianças de Mangyongdae. Em todos, vi as mesmas imagens bélicas. Assisti a apresentações de música e dança em honra à pátria e à dinastia Kim, com crianças em suas melhores roupas. Não houve impedimento para fotos e vídeos.
No Hospital Infantil Okyru, a diretora da unidade, que me guiou por quase toda a unidade de saúde, chamou a atenção para a decoração. Toda ela pensada e desenhada por alunos da Escola de Belas Artes de Pyongyang. “O Camarada Supremo Líder Kim Jong-un pediu para que a decoração tivesse temas infantis, para que a criança se sentisse em um ambiente infantil”, ressaltou. Entre bichinhos inocentes, princesas e o Ursinho Pooh, da Disney, salta aos olhos de um ocidental a quantidade de paredes cobertas por armas de guerra.
Perfeccionismo
Inaugurado em 1989, o Palácio de Crianças de Mangyongdae fica no sudoeste de Pyongyang. É uma escola especial voltada ao ensino artístico, frequentada por milhares de crianças. Com mais de 100 mil metros quadrados, tem mais de 200 salas, onde há aulas de música, dança, pintura, entre outras atividades extracurriculares. Nela, são formados e desenvolvidos grandes talentos, orgulho do regime. Fui apresentado a alguns deles em suas salas, ao lado dos professores, demonstrando as suas habilidades a cerca de 30 turistas estrangeiros.
Após conhecermos algumas das salas, eu e os demais visitantes fomos levados a um imenso e moderno teatro, onde quase todos os assentos estavam ocupados por crianças e adolescentes, estudantes de diversas instituições de ensino público, trazidos em ônibus. Assistimos a uma apresentação de uma hora de duração, perfeitamente sincronizada e interpretada só por virtuosos meninos e meninas que cantavam, dançavam e faziam truques de mágica. Entre os artistas, havia crianças a partir de 6 anos. Não houve um erro, muito menos choro.
Em meio ao musical, apenas com letras cantadas por vozes inocentes que invocavam os líderes e a Ideologia Juche — criada pela dinastia Kim —, um telão exibia imagens dos grandes feitos do país, da fabricação de um modelo nacional de trator aos bem-sucedidos testes de mísseis balísticos intercontinentais capazes de levar ogivas nucleares. Tudo com uma iluminação e sonorização impecáveis, acompanhado por uma deslumbrada plateia, que não economizava em sinceras palmas.
Armas nas escolas
Nascida em um songbun (classe social definida pelo governo) neutro ou hostil, a criança vai passar toda a sua vida no interior da Coreia do Norte, onde as condições são muito piores do que as de Pyongyang, onde só mora a elite, as famílias consideradas mais leais ao regime. Dessa forma, a menina ou menino será criada pelo Estado a partir dos 2 anos, quando será enviada para uma creche, onde passará 14 horas por dia. Além da decoração com temática bélica, vai conviver com armas de brinquedo e miniaturas de tanques de guerra, como as crianças da capital.
Nas instituições de ensino do país, desde criança se aprende lemas como “Sejamos balas humanas para defender o Grande Líder!”. Vi frases como essas nas escolas que visitei em Pyongyang. Para eles, o primeiro ditador norte-coreano é o “Grande Líder Avô Kim Il-sung”. Elas recebem instruções em artes na escola, geralmente para melhor adorar a imagem do líder supremo. Esta é a realidade de 5,3 milhões de pessoas com menos de 14 anos, que crescem aprendendo que o país é autossuficiente, graças aos líderes, sem saber, por exemplo, a história da Segunda Guerra Mundial nem que os Estados Unidos enviaram um homem à Lua.
Soldados mortos
Gratuita, a educação na Coreia do Norte é controlada pelo governo e obrigatória até o nível secundário. O Estado fornece aos estudantes a instrução, uniformes e livros didáticos. Todos com conteúdos recheados de devoção aos líderes. Entre outras coisas, as crianças aprendem, nos mínimos detalhes, a biografia de Kim-il-sung. São obrigadas a decorá-la. Vai aprender matemática somando soldados norte-americanos mortos na Guerra da Coreia (1950-1953).
A educação obrigatória dura 11 anos, e inclui um ano de pré-escola, quatro anos da educação primária e seis anos da educação secundária. O ensino superior não é obrigatório. Ele tem dois sistemas: ensino acadêmico e ensino superior. O sistema acadêmico inclui três tipos de instituições: universidades, escolas profissionais, e escolas técnicas. Escolas de pós-graduação para os níveis mestrado e doutorado são ligados às universidades, e servem a estudantes que quiserem continuar sua educação.
São duas as mais prestigiadas universidades Coreia do Norte: a Universidade de Kim Il-sung e a Universidade de Ciência e Tecnologia de Pyongyang, ambas em Pyongyang, única cidade com ensino superior. Fora da região metropolitana da capital, desde muito cedo as crianças trabalham em lavouras, ao lado dos pais.