Condenação de ‘Débora do Batom’ tem maioria no STF e revela divisões entre ministros
Condenação é consenso, mas pena divide ministros; julgamento virtual termina nesta sexta
A Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) já formou maioria para condenar Débora Rodrigues dos Santos, acusada de pichar a estátua “A Justiça”, em frente à sede da Corte, com a frase “perdeu, mané”, durante os atos de 8 de janeiro de 2023. Embora haja consenso quanto à condenação, os ministros divergem sobre a dosimetria da pena.
O relator do caso, ministro Alexandre de Moraes, propôs pena de 14 anos de reclusão e pagamento de multa no valor de R$ 50 mil. Ele foi acompanhado pelo ministro Flávio Dino. Já o ministro Cristiano Zanin também votou pela condenação, mas sugeriu pena menor, de 11 anos. O ministro Luiz Fux, por sua vez, apresentou voto divergente, defendendo pena de um ano e seis meses de prisão. A definição final caberá à ministra Cármen Lúcia, cujo voto encerrará o julgamento, que ocorre no plenário virtual e tem prazo para conclusão até o fim desta sexta-feira (25).
Fux diverge e propõe pena branda
Ao apresentar seu voto, Luiz Fux defendeu uma pena significativamente inferior à proposta por Moraes. Ele votou pela condenação de Débora apenas pelo crime de deterioração de patrimônio tombado, absolvendo-a das demais acusações — entre elas tentativa de golpe de Estado, abolição violenta do Estado Democrático de Direito, dano qualificado e associação criminosa armada.
“Julgo parcialmente procedente o pedido formulado na ação penal para condenar a ré Débora Rodrigues dos Santos à pena de um ano e seis meses de reclusão e dez dias-multa, pela prática do crime previsto no art. 62, I, da Lei nº 9.605/1998, absolvendo-a quanto às demais imputações”, escreveu Fux.
O ministro destacou a ausência de provas de que Débora tenha participado diretamente da invasão ou depredação de prédios públicos. Segundo ele, a única conduta comprovada nos autos foi a pichação da estátua com batom. Fux rebateu o argumento da Procuradoria-Geral da República (PGR) sobre a existência de crime coletivo, afirmando que não houve comprovação de que a ré tenha aderido, por vontade própria, às demais condutas atribuídas ao grupo.
Zanin acompanha condenação, mas diverge na pena
O ministro Cristiano Zanin seguiu o relator quanto à condenação, mas apresentou ressalvas quanto à extensão da pena. Segundo ele, a atuação de Débora foi harmônica com os demais participantes dos atos antidemocráticos, o que configuraria concurso de pessoas.
“Vários ao seu lado, conforme se vê em fotos e vídeos, atuavam de forma coordenada, invadindo e depredando prédios públicos com o objetivo de ruptura institucional. A adesão voluntária da autora a essas condutas mostrou-se demonstrada nos autos”, afirmou.
Apesar disso, Zanin propôs uma pena de 11 anos de reclusão, em linha com decisões anteriores em casos similares.
Relator sustenta pena máxima
Relator da ação penal, Alexandre de Moraes manteve sua posição de aplicar a pena mais severa. Para ele, Débora cometeu os crimes de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, tentativa de golpe de Estado, dano qualificado, deterioração de patrimônio tombado e associação criminosa armada.
Moraes acrescentou, em complemento ao seu voto nesta sexta-feira, que a ré confessou sua participação, apagou provas e demonstrou orgulho de ter integrado os atos que atentaram contra a democracia. Ele argumentou que a situação de Débora não difere das outras 470 ações penais já julgadas pelo STF, cujos parâmetros punitivos foram, segundo ele, endossados pela Primeira Turma — inclusive por Fux.
“Este caso não apresenta diferenças significativas em relação aos demais julgados pelo plenário do Supremo Tribunal Federal”, afirmou o ministro.
Condenação em meio a debates sobre dosimetria
Débora Rodrigues está presa desde março de 2023, mas cumpre prisão domiciliar desde o mês passado, após decisão de Moraes motivada pelo pedido de vista feito por Fux, o que atrasou a conclusão do julgamento. A ré foi flagrada pichando a estátua da Justiça na Praça dos Três Poderes com batom, e responde por cinco crimes.
A suspensão anterior do julgamento, determinada por Fux, ocorreu em meio a críticas à suposta severidade das penas impostas aos envolvidos nos atos do 8 de janeiro. Na ocasião, o ministro afirmou que a Corte vinha decidindo “sob forte emoção” nos julgamentos iniciais e indicou que revisaria a pena sugerida por Moraes com base no contexto da ré.
“Confesso que, em determinadas ocasiões, me deparo com uma pena exacerbada. Foi por essa razão que pedi vista desse caso”, afirmou Fux ao justificar sua posição.
Possível impacto em julgamentos futuros
Nos bastidores do STF, ministros avaliam que a divergência sobre a dosimetria pode influenciar os próximos julgamentos relacionados aos atos de 8 de janeiro. Uma eventual tendência à aplicação de penas mais brandas poderá abrir espaço para revisão criminal de condenados que receberam penas mais severas em julgamentos anteriores.
Há também discussões sobre a possibilidade de o tribunal adotar uma solução coletiva, como a concessão de habeas corpus com efeitos amplos, embora ainda não haja consenso entre os ministros.
O decano do STF, ministro Gilmar Mendes, em entrevista ao jornal O Globo, afirmou que o Supremo não deve rever as penas já aplicadas, mas defendeu o uso dos mecanismos legais de progressão de regime.
“Há uma discussão sobre a possibilidade de aplicação da progressão da pena, que é natural. Muitos já são beneficiados ou serão beneficiados. Já houve decisões em vários casos sobre prisão domiciliar e imagino que esse trabalho vai ter continuidade”, afirmou Gilmar, destacando ainda que mais de 500 acusados firmaram acordos de não persecução penal.
Ministros da Corte têm reiterado que as decisões sobre os réus do 8 de janeiro seguem critérios técnicos e individualizados, apesar da pressão política e das críticas externas. No caso específico de Débora, a definição final sobre sua pena será conhecida nos próximos dias, após o voto de Cármen Lúcia.