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Como ex-viciado em heroína se tornou dono de império de mídia internacional

“Que virada! As vezes eu paro e me belisco para ver se tudo isso é mesmo verdade”, diz Suroosh Alvi.

A surpresa é compreensível. Ex-viciado em heroína, ele hoje é dono de um império de comunicação avaliado em US$ 4 bilhões (cerca de R$ 12,5 bilhões) e viaja pelo mundo fazendo as reportagens que deseja.

Alvi, de 47 anos, é o fundador da Vice, revista alternativa impressa e site dedicados a notícias e temas como artes, cultura e comportamento.

Criada em 1994 em Montreal, no Canadá, a revista mais tarde tornou-se a Vice Media, que tem escritórios em 36 países e divisões que incluem ainda uma produtora de filmes, uma gravadora, um selo editorial e uma rede de TV a cabo.

Casado e pai do pequeno Reza – nascido há pouco mais de um mês -, o empresário canadense vive em Nova York.

Em entrevista a Matthew Bannister, do programa Outlook, do serviço mundial da BBC, ele contou como se tornou um milionário depois mergulhar nas drogas e quase morrer.

Montreal, Canadá
Os pais de Suroosh Alvi imigraram do Paquistão para o Canadá no fim da década de 1960 e se fixaram na cidade de Montreal, que se tornaria o berço da ‘Vice’ – Direito de imagemTHINKSTOCK

Rebelde aos 16 anos

“É uma história clássica de imigração bem-sucedida”, diz, ao explicar que os pais são dois professores universitários que imigraram do Paquistão para Montreal, no fim da década de 1960.

A mãe Sajida, professora de Estudos Islâmicos, e o pai Sabir, professor de Psicologia, foram para o Canadá “achando que iam ficar um ano ou dois e nunca mais voltaram”.

Alvi lembra que ele e o irmão viviam em um ambiente de muita pressão. “Vocês têm que dar duas vezes mais duro do que os garotos brancos para conseguir um lugar neste mundo”, costumavam ouvir dos pais.

Em casa, a mãe era rigorosa e disciplinadora: “Em urdu existe a palavra ‘danda’, que significa vara. Minha mãe usava a ‘danda’ na gente e eu me rebelei. Eu era o rebelde”, lembra Alvi.

A rebeldia se manifestou aos 16 anos, quando ele aderiu ao movimento punk, que contestava o machismo, a homofobia e pregava a liberdade individual, o autodidatismo e as ideias cosmopolitas em geral.

Alvi havia se mudado para os Estados Unidos – a mãe foi lecionar na Universidade de Minnesota. Naqueles meados dos anos 1980, a cena musical punk estava em ebulição em Minneapolis, e ele passou os nove anos seguintes se dedicando à música.

Sombra de punk
Adolescente rebelde, Alvi viveu em Minneapolis, nos EUA, onde aderiu ao movimento punk e se tornou viciado em heroína – Direito de imagem THINKSTOCK

Quando voltou para o Canadá, o jovem já estava viciado em heroína.

Vida dupla

“Meus pais não sabiam. Poucas pessoas sabiam que eu tinha ido fundo nas drogas. Eu levava uma vida dupla. Mantinha uma fachada, tentava manter uma aparência”, conta.

Alvi pensou em fazer mestrado em psicologia, em dar aulas, mas todos os dias partia em busca da droga. Fazia de tudo para ter dinheiro e consegui-la. Chegou a roubar.

“Sim, roubar. Um comportamento típico de viciado. Roubava dos amigos, da minha família, das lojas. Era pego, preso, levado à presença do juiz. Passei cinco anos assim, sem ninguém saber do meu vício.”

Mas um dia a realidade se impôs: e a mãe descobriu o recibo da loja de penhores onde ele tinha negociado algumas joias.

.Só estávamos eu e minha mãe em casa. Ela me perguntou: ‘Você está com algum problema, tem dívidas, está jogando? Você tem problemas com drogas’? Eu não disse nada e ela ficou perguntando várias vezes. Olhei para ela e balancei a cabeça”, recorda, acrescentando:

“Meu pai chegou em casa, entrou no quarto e perguntou o que estava havendo. Minha mãe começou a gritar: ‘Ele está usando drogas! Ele está usando drogas!'”

Aquele momento marcou o início do processo de reabilitação de Alvi. Durante seis meses, ele se tratou, mas sem ser internado.

“Meus pais estavam arrasados, mas ficaram o tempo todo do meu lado. Pela primeira vez eu tinha sido honesto com eles.”

‘Eu era um nada’

A recuperação não foi fácil: Alvi sofreu recaídas e foi parar no hospital várias vezes por causa de overdoses.

“Tiveram que me colocar em outro tratamento, mais drástico. Fiquei internado numa clínica por sete semanas.”

Foi nesta época que ele finalmente percebeu o que havia acontecido com a sua vida.

“Percebi que não tinha mais namorada nem amigos. Meu irmão mais velho não queria mais saber de mim. Eu era um nada, só causava sofrimento e dor para as pessoas que me amavam.”

Alvi sentia esperança, mas ao mesmo tempo estava assustado, “com medo de acabar morrendo”. “Eu tinha que ouvir as pessoas e estava aberto a fazer o que fosse preciso para ficar ‘limpo’. Botei toda minha energia nisso”.

Quando saiu da clínica, passou a frequentar diariamente o Narcóticos Anônimos, onde encontrou a pessoa que mudaria de vez o rumo da sua vida.

Depois de duas semanas, no fim de uma reunião, um companheiro de grupo se aproximou e se ele trabalhava. Esse homem se ofereceu, então, para ser seu mentor.

Alvi disse que gostava de escrever. No dia seguinte, o mentor o levou até a sede da Image Interculturelle, uma revista publicada em francês que planejava ter uma edição em inglês.

Johnny Rotten
O ex-vocalista da banda Sex Pistols e ícone do punk rock Johnny Rotten foi um dos primeiros entrevistados de Suroosh Alvi

No primeiro número, ele entrevistou Johnny Rotten, ex-vocalista da banda inglesa de punk rock Sex Pistols. Em seguida, uma prostituta.

Nasce a ‘Vice’

Em 1994, surgia a revista gratuita Voice of Montreal, dedicada a assuntos voltados para a comunidade e um jeito diferente de apresentar notícias e artigos.

Alvi convidou o escritor e comediante Gavin McInnes e o jornalista Shane Smith para se unirem a ele na empreitada. Em 1996, a revista passou a se chamar Vice. Cinco anos depois, se mudou para Nova York.

Em um momento em que as audiências mais jovens demonstravam cansaço com os meios tradicionais de comunicação, a Vice apostou no chamado jornalismo de imersão, que trilha um caminho tecnológico e oferece ao leitor uma experiência que vai além da palavra escrita e da reportagem tradicional.

Assim, em 2006, a publicação começou a produzir vídeos para a internet. Associou-se à MTV e fez séries sobre viagens com uma linguagem e estética que atraíram os millenials.

Entre as reportagens de sucesso em vídeo feitas pelo próprio Alvi estão produções sobre o mercado de armas no Paquistão, o cenário do heavy metal no Iraque e os minerais do Congo que são usados nos nossos gadgets.

Momento de crise

Mas a crise financeira global em 2008 quase destruiu a empresa.

No mesmo ano, Gavin McInnes deixou o negócio alegando “diferenças criativas” e fundou uma agência de propaganda.

“O dinheiro acabou, tínhamos uma dívida de uns US$ 2 milhões (R$ 6,2 milhões). Foi uma época muito difícil.”

Em meados de 2013, porém, a 21st Century Fox, do magnata das comunicações Ruppert Murdoch, investiu US$ 70 milhões (R$ 219 milhões) na Vice Media – obtendo uma participação de 5% na empresa de Alvi e Smith.

Um ano mais tarde, foi a vez da A&E Networks investir US$ 200 milhões (R$ 626 milhões) e, em 2015, mais US$ 200 milhões foram injetados pela Disney. O objetivo era construir uma plataforma global.

Alvi defende a associação com as gigantes do entretenimento.

“Foi nos nossos termos. Nós dizíamos 22 anos atrás que nossa revista ia se espalhar pelo mundo. E foi assim.”

As Informações são da BBC