Com Trump apostando em tarifas, outros países ampliam relações comerciais sem os EUA
UE e Mercosul concluem acordo histórico, Brics se expande e China fortalece comércio com a Ásia, superando exportações para os EUA
O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, cumpriu sua promessa de campanha e determinou um aumento nas tarifas comerciais sobre Canadá, México e China, medida que passa a valer a partir desta terça-feira. No entanto, segundo a presidente do México, Claudia Sheinbaum, a aplicação das tarifas aos produtos mexicanos foi temporariamente suspensa por um mês. Já as taxas sobre produtos canadenses devem entrar em vigor amanhã, enquanto a União Europeia e os países do Brics também estão na mira de novas sobretaxas.
Enquanto os EUA adotam uma postura protecionista, grandes economias globais intensificam acordos comerciais bilaterais e multilaterais, contornando a dependência do mercado norte-americano.
União Europeia acelera tratados e expande mercados
Nos últimos dois meses, a União Europeia (UE) concluiu três importantes negociações comerciais. Em dezembro, após quase 25 anos de tratativas, finalizou o acordo com o Mercosul, criando uma das maiores zonas de livre comércio do mundo, abrangendo um mercado de 850 milhões de pessoas.
Logo depois, o bloco firmou um tratado comercial com a Suíça e, no mês passado, fortaleceu suas relações com o México, reforçando parcerias estratégicas para ampliar o fluxo de mercadorias e investimentos. Além disso, a UE retomou negociações com a Malásia para um acordo de livre comércio, após uma pausa de 13 anos.
Durante o Fórum Econômico Mundial, realizado em Davos, na Suíça, a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, destacou a transparência e previsibilidade dos acordos do bloco.
“Com a Europa, o que você vê é o que você recebe. Nós jogamos conforme as regras. Nossos acordos não têm cláusulas ocultas”, afirmou.
Trump impõe tarifas, e países prometem retaliação
No último sábado, Trump instituiu tarifas de 25% sobre México e Canadá – dois parceiros comerciais dos EUA no acordo assinado durante seu primeiro mandato – além de uma taxa de 10% sobre produtos chineses. Como resposta, México e Canadá anunciaram retaliações imediatas, enquanto a China declarou que estuda medidas compensatórias.
Trump justificou a decisão afirmando que a União Europeia tratou os EUA de forma injusta e sinalizou que novas sanções tarifárias podem ser aplicadas ao bloco europeu.
“A União Europeia nos tratou terrivelmente”, disse o presidente norte-americano.
Embora os EUA continuem sendo a maior economia global, sua postura protecionista tem levado outras nações a fortalecer parcerias comerciais alternativas e a formar blocos que excluem os Estados Unidos.
Brics se expande e amplia influência global
Este mês, a Indonésia tornou-se o décimo país a ingressar no Brics, grupo formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul. Criado em 2009, o bloco agora representa metade da população mundial e mais de 40% da produção econômica global. Outros oito países, entre eles Bolívia, Tailândia, Cazaquistão e Uganda, estão em processo de adesão ao grupo.
Além disso, a Associação das Nações do Sudeste Asiático (Asean), que reúne 10 países, realizará um encontro em maio com representantes do Conselho de Cooperação do Golfo (GCC), composto por seis nações do Oriente Médio. A anfitriã da cúpula, Malásia, convidou a China para participar das negociações.
A China também está em fase final para atualizar seu acordo de livre comércio com a Asean, que inclui países como Camboja, Filipinas, Indonésia e Vietnã. Além disso, os investimentos e transações comerciais entre a Asean e a Índia estão em crescimento, fortalecendo as relações econômicas da região.
Reino Unido busca fortalecer laços pós-Brexit
O Reino Unido também tem investido na expansão de parcerias comerciais. Em dezembro, o país oficializou sua entrada no bloco comercial trans-Pacífico, que inclui Austrália, Brunei, Canadá, Chile, Japão, Malásia, México, Nova Zelândia, Peru, Cingapura e Vietnã. Além disso, o governo britânico segue negociando para reparar relações econômicas com a União Europeia, desgastadas após o Brexit.
Paralelamente, Brasil e México também avançam nas discussões para ampliar acordos comerciais entre os dois países.
Cresce o comércio global sem os EUA
A tendência de fortalecimento de blocos comerciais independentes dos EUA tem sido observada há anos e se intensificou com as políticas protecionistas de Trump.
O pesquisador sênior do Instituto Peterson de Economia Internacional, Jacob F. Kirkegaard, analisa que a economia global caminha para um sistema baseado em relações comerciais mais profundas que excluem os Estados Unidos.
“Essa tendência não é necessariamente a preferência de ninguém, mas os acordos oferecem uma segunda melhor opção diante do afastamento dos EUA da economia global aberta”, afirmou.
Segundo ele, o fortalecimento de acordos comerciais, como o pacto entre União Europeia e Mercosul, também contribui para reduzir a dependência da China, diversificando mercados estratégicos.
China supera EUA no comércio com a Ásia
Enquanto os EUA elevam tarifas e impõem barreiras comerciais, a China avança na economia global. Hoje, o país representa mais de 30% da produção industrial mundial e se consolidou como líder na fabricação de veículos elétricos, baterias e painéis solares.
De acordo com um relatório do HSBC Global Research, quase 60% das transações comerciais da Ásia ocorrem dentro da própria região, sem envolvimento dos EUA. Além disso, metade dos mercados de crescimento mais rápido no comércio global está na Ásia.
Em 2023, as exportações chinesas para a Asean superaram as exportações para os Estados Unidos, refletindo uma mudança no eixo econômico global. O comércio entre China e América Latina, especialmente com o Brasil, também tem crescido significativamente nos últimos anos.
A Índia também se destaca como potência emergente. Em 2022, o país ultrapassou o Reino Unido e se tornou a quinta maior economia do mundo. Segundo um relatório do McKinsey Global Institute, a Índia expandiu seu comércio para diversas regiões e vem se consolidando como um dos principais exportadores de serviços digitais.
Além disso, Índia e China aumentaram significativamente a compra de petróleo da Rússia, aproveitando os preços reduzidos após as sanções ocidentais.
Blocos comerciais e reconfiguração econômica global
Os países do Golfo Pérsico, como Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos, também redirecionaram suas exportações para China e Índia, atendendo à crescente demanda por energia nesses mercados. Atualmente, mais de 70% do petróleo e gás do Golfo são destinados à Ásia.
Enquanto os EUA reforçam o protecionismo econômico, grandes economias globais reconfiguram suas relações comerciais, estabelecendo novos blocos e acordos que reduzem a dependência do mercado norte-americano.
O cenário global aponta para uma nova ordem econômica, onde parcerias regionais e blocos comerciais ganham força diante das barreiras impostas pelos Estados Unidos.