Cadeiras Vazias, Corações Cheios
Por Wilton Emiliano Pinto *
Entramos em dezembro, natal se aproxima, trazendo consigo aquela leveza que se espalha pelo ar, como o perfume de uma flor que já não se vê, mas ainda se sente. É tempo de arrumar a casa, de buscar os presentes, de enfeitar os cantos com o que resta das antigas tradições. Mesmo que o movimento na cozinha já não seja o mesmo de outrora, o cheiro doce da comida, com suas notas de canela e especiarias, nos envolve, nos acalma, trazendo um gosto suave de saudade.
A ansiedade se mantém, um pressentimento que cresce, como antes, pelo momento em que a casa se preencherá com risos e conversas. Mas, inevitavelmente, a pergunta surge, quase em sussurro: “Quantos são para a ceia?” A resposta vem tranquila, mas com um toque de melancolia, como se as palavras carregassem um peso que não se diz. O número não é o mesmo, não soa como antigamente. As cadeiras não se ocupam de imediato, e a casa, que antes vibrava com tantas presenças, sente a falta de cada um.
“Essas cadeiras vazias não são apenas móveis esquecidos. Elas são a ausência daqueles que, de alguma forma, já partiram, deixando para trás um silêncio pesado, difícil de preencher. Aquelas pessoas, que antes compartilhavam risos e conversas ao redor da mesa, agora se tornaram uma memória distante, como sombras que nunca mais se sentarão ao nosso lado. Entre tantos, lembro-me do Erlik, que preenchia o ambiente com sua cantoria animada, e também da Yeda, com seus olhos atentos à mesa, garantindo que ninguém faltasse a um pedaço de felicidade. Ainda, o Stalin, Clélia, Mário e Mara, todos com participação ativa, para alegrar o ambiente. E logo o pensamento se expande para outros, mais distantes: Papai e mamãe, a Vanda, os irmãos Eneas e Hélio, meu cunhado Ronan… Cada um desses rostos e risos que, embora já não se façam presentes, estão aqui, em cada lembrança que toca o fundo do peito. Não é só a falta dos corpos amados, mas da energia, das histórias, do calor que unia todos ao redor da mesa.
De todos os locais, por mais aconchegante que foi cada um, a Marialva, um dia foi o coração pulsante das nossas celebrações, hoje repousa como um relicário de memórias. Cada canto ainda guarda, em silêncios tímidos, pedaços de quem se foi — fragmentos de sorrisos, gestos de carinho, vozes que ecoam em cada memória. Naqueles tempos, o Natal tinha um sabor único, algo mágico, que não se explicava, mas se sentia: era o encontro de corações, o abraço apertado que fazia o mundo parecer mais acolhedor, mais seguro.
Hoje, não conseguimos mais reunir todos, mas ainda há quem permaneça. As cadeiras não estão todas ocupadas, mas a presença de quem ainda está aqui traz consigo uma doçura inesperada. Não são as cadeiras preenchidas que nos confortam, mas o simples fato de saber que, mesmo com as ausências, o amor segue sendo o elo que nos mantém unidos. Às vezes, essa saudade é tão grande que se torna um nó na garganta. Mas o sorriso, tímido, surge, como um convite silencioso para aceitar que a vida, com seus altos e baixos, ainda pulsa dentro de nós. E o que é a saudade, senão uma prova de que o amor nunca se apaga, que ele se refaz de outras maneiras, talvez mais sutis, mas igualmente profundas?
É com esse nó e esse sorriso suave que me programo para a ceia. Não me permito ceder totalmente à tristeza, porque sei que a dor também é parte do caminho. As perdas nos transformam, nos ensinam a ver a beleza nas coisas simples, a valorizar o que temos ao nosso alcance. E, mesmo sentindo a ausência de tantos, sei que vou encontrar consolo nas “cadeiras ocupadas” — nos que continuam aqui, ao meu lado, compartilhando comigo as pequenas alegrias da vida. Eles são a continuidade do amor, a renovação da esperança, o lembrete de que o ciclo da vida segue, com sua inevitável mudança.
Olho para as cadeiras vazias, e, ao mesmo tempo, vejo as ocupadas. E é nessa visão que encontro um ensinamento profundo: a verdadeira felicidade não é a ausência de dor, mas a paz que vem da aceitação. Aceitar que o tempo muda, que os corpos amados partem, mas que o espírito do Natal não morre, ele se transforma, se perpetua em nossos gestos, em cada palavra de carinho, em cada sorriso que compartilhamos. Cada lembrança carrega consigo uma lição: a alegria não está na perfeição das coisas, mas na presença daqueles que amamos, na capacidade de seguir, mesmo com a saudade.
Neste Natal, com as cadeiras vazias e as ocupadas, celebro a vida que continuo a viver. Porque, mesmo na ausência, há tanto para agradecer, tanto amor para oferecer. A verdadeira alegria não está no que se vê, mas no que se sente, nas memórias que nos fazem sorrir, nas presenças que ainda podemos abraçar. E, ao olhar para as cadeiras vazias, vejo também as ocupadas, e nelas encontro o verdadeiro sentido da alegria. Não a efemeridade de um momento, mas a serenidade de quem sabe que, apesar da dor, a vida continua, com suas perdas e seus reencontros, com seus altos e baixos. Eu sorrio, não porque tudo seja perfeito, mas porque, nesse sorriso, carrego o amor dos que se foram e o amor dos que aqui estão, e, com isso, encontro a paz.
E é essa paz, suave e profunda como a luz do Natal, que me faz seguir em frente.
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