Brigadeiro revela ao STF articulação golpista e envolvimento da Marinha
Baptista Júnior relata que Marinha se colocou à disposição do então presidente e reafirma recusa da FAB a aderir ao plano de ruptura institucional
Em depoimento prestado nesta quarta-feira (21) ao Supremo Tribunal Federal (STF), o ex-comandante da Aeronáutica, brigadeiro Carlos de Almeida Baptista Júnior, confirmou que o general Freire Gomes, então chefe do Exército, chegou a comunicar ao presidente Jair Bolsonaro (PL), ainda em 2022, que teria de prendê-lo caso ele insistisse em avançar com uma tentativa de golpe de Estado para impedir a posse do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
“Confirmo, sim, senhor. Acompanhei anteontem a repercussão e posso afirmar: Freire Gomes, com toda a educação e serenidade que lhe são características, disse exatamente isso: ‘Se fizer isso, vou ter que te prender’”, relatou o brigadeiro, referindo-se ao depoimento anterior do ex-comandante do Exército.
Divergência de versões não indica contradição, diz brigadeiro
Apesar de Freire Gomes ter declarado ao STF, dois dias antes, que não ameaçou prender Bolsonaro, Baptista Júnior minimizou a possível divergência de versões. Para ele, não houve ordem de prisão explícita, mas sim um alerta formal sobre as implicações jurídicas de uma ruptura democrática.
“Não há contradição. Foi uma exposição clara das consequências que um ato ilegal poderia acarretar. Não se tratou de ameaça, mas de um posicionamento institucional”, explicou o oficial.
Crescimento do tom golpista nas reuniões com Bolsonaro
O ex-comandante revelou ainda que, a partir de novembro de 2022, percebeu um endurecimento no discurso de Bolsonaro e seus aliados em reuniões com os chefes militares. Em determinado encontro, chegou-se a discutir a possibilidade de prisão do ministro Alexandre de Moraes, então presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
“Essas conversas aconteciam em meio a brainstorms. Foi dito: ‘E se prenderem o Moraes, e o STF soltar ele? Vamos prender todos?’. Aquilo me causou desconforto”, relatou.
Segundo Baptista Júnior, o governo cogitava decretar uma operação de Garantia da Lei e da Ordem (GLO), supostamente para conter manifestações e bloqueios promovidos por caminhoneiros e apoiadores do presidente derrotado nas urnas. No entanto, ficou claro para ele que a intenção era, na verdade, impedir a posse de Lula.
“Com o tempo, percebi que o objetivo era usar o aparato militar para frustrar a transição democrática. A guerra, segundo doutrina militar, é vencida quando se alcançam objetivos políticos. E o objetivo ali era evitar a assunção do novo presidente”, afirmou.
Força Aérea recusou adesão ao plano de ruptura
Em suas declarações, Baptista Júnior reiterou que a Força Aérea Brasileira, por decisão unânime de seu Alto Comando, rejeitou qualquer possibilidade de apoiar uma ação golpista. Ele comunicou essa posição pessoalmente ao então ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), general Augusto Heleno, durante evento no Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), em dezembro de 2022.
“Heleno me pediu uma carona em voo da FAB, pois fora convocado por Bolsonaro para uma reunião no dia seguinte. Disse a ele com todas as letras: a Aeronáutica não apoiará qualquer ruptura. E que, caso alguém o fizesse, que estivesse ciente das consequências”, relatou. Segundo ele, o general demonstrou surpresa com o tom firme da advertência.
Marinha se distanciou dos demais comandantes
Ao tratar da postura das demais Forças, Baptista Júnior afirmou que o então comandante da Marinha, almirante Almir Garnier Santos, destoava da posição adotada por ele e por Freire Gomes. O brigadeiro relatou que Garnier teria manifestado disposição em colocar as tropas navais à disposição de Bolsonaro.
“Lembro que, em uma das reuniões, enquanto eu e o ministro da Defesa discutíamos alternativas e tentávamos dissuadir o presidente, o almirante Garnier afirmou que a Marinha estaria à disposição do presidente da República”, afirmou.
Rejeição à minuta do golpe
O ex-comandante da Aeronáutica ainda confirmou ter participado de uma reunião em que o então ministro da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira, apresentou a chamada “minuta do golpe” — um documento que sugeria a anulação do processo eleitoral e a manutenção de Bolsonaro no poder.
“Paulo Sérgio trouxe o documento para ser analisado. Estava plastificado sobre a mesa. Disse a ele que não admitia sequer receber aquilo. Levantei-me e deixei a sala. Foi meu ponto de corte. Freire Gomes também rejeitou a ideia. Garnier, por sua vez, manteve-se em silêncio”, declarou.
Documento e depoimentos embasam denúncia de tentativa de golpe
Os relatos de Baptista Júnior e de Freire Gomes, ambos colhidos anteriormente pela Polícia Federal, sustentam parte da denúncia formalizada pela Procuradoria-Geral da República (PGR) contra Bolsonaro e seus aliados, com base na chamada “minuta do golpe”. O documento teria sido apresentado em ao menos duas ocasiões — nos dias 7 e 14 de dezembro de 2022 — em busca de apoio institucional das Forças Armadas à ruptura.
O conteúdo dos depoimentos reforça a tese de que houve uma articulação deliberada para subverter o resultado das eleições, configurando uma tentativa de golpe de Estado.