Bolsonaro leva a extrema direita ao Planalto
O novo presidente modula as altas expectativas de seus eleitores e as desconfianças do exterior sobre o novo Governo, que enfrenta a realidade de comandar um país de 209 milhões de pessoas
O Brasil vive uma mudança pendular radical na presidência com a chegada de Jair Messias Bolsonaro, um militar da reserva, que toma posse no primeiro dia do novo ano. Após 13 anos de governo de centro-esquerda, seguido de dois anos de transição com o presidente Michel Temer depois do impeachment de Dilma Rousseff, o Brasil testa pela primeira vez em sua história democrática um Governo de extrema direita, demonstrando que o pêndulo se moveu com mais força desta vez.
Até então, éramos um país acostumado a viver polos mais amenos na política desde que a democracia foi restaurada em 1985, depois de 21 anos de ditadura militar. Foi assim com a social-democracia de Fernando Henrique Cardoso, que governou entre 1995 e 2002, e a era trabalhista de Lula e Dilma Rousseff (2003 a 2016). Agora, Bolsonaro põe o Brasil na frente do espelho e da guinada direitista que marca a política internacional em alguns países.
Os ecos da recessão econômica que durou até 2017, e as denúncias de corrupção contra o Partido dos Trabalhadores, que governou por 13 anos, abriram espaço para a ascensão do presidente com traços autoritários que elogia os tempos da ditadura militar, ironiza conquistas sociais e se alinha com os líderes dos Estados Unidos, Israel, Itália e Hungria. Bolsonaro foi eleito democraticamente no segundo turno com o voto de quase 58 milhões de brasileiros, em 28 de outubro, derrotando Fernando Haddad, do PT. Nem sua ameaça de cortar direitos trabalhistas, reduzir as defesas ao meio ambiente, limitar investimentos em cultura e colocar o país sob um conservadorismo religioso o detiveram.
O novo presidente do Brasil é a grande novidade que surgiu como um antissistema “contra tudo o que está aí”, mesmo tendo se alimentado da mesma política nacional por 28 anos como parlamentar, depois de deixar o Exército. Ele deixou o “baixo clero” do Congresso, rótulo de políticos com atuação marginal, diretamente para a presidência do país de 209 milhões de habitantes e um PIB de 6,56 trilhões de reais. Navegou nos mares revoltos pelas investigações da Lava Jato e a economia deprimida dos anos Dilma com um discurso antiesquerda, reavivando a Guerra Fria do século 20. “Longe de mim querer ser o salvador da pátria, mas o Brasil não podia continuar flertando com o comunismo, o socialismo, o populismo e o desgaste dos valores familiares”, disse ele alguns dias depois de ser confirmado presidente nas urnas.
Reforçou a sua posição ao anunciar que estava retirando o convite feito pela diplomacia do presidente Michel Temer aos líderes da Venezuela, Cuba e Nicarágua para comparecerem a sua posse neste dia 1º. Seus ministros e os parlamentares de seu partido, incluindo três filhos que atuam na política, endossam a narrativa de ataque aos “vermelhos”, a cor do PT no Brasil, que associam à corrupção e ao debacle na economia.
O Brasil não teme mais os militares como nos tempos da ditadura que durou 21 anos, e Bolsonaro chega ao poder cercado por eles, como prometeu durante a campanha. Seu vice, Hamilton Mourão, é um general de reserva. Sete de seus 22 ministros que assumem oficialmente o cargo em 2 de janeiro também são militares ou tiveram formação no Exército. Outros governos democráticos também tiveram militares como ministros, mas com Bolsonaro estão em maior proporção e alguns reforçam outros ministérios. Um deles, o general da reserva Carlos Alberto Santos Cruz, vai ocupar o cargo de ministro da Secretária de Governo, e dividir com outro ministro, Onyx Lorenzoni, um civil, o poder de articulação com o Congresso, o que representa um maior controle das negociações com os parlamentares. “Qual deputado vai atrever-se a retardar as negociações com o Governo na presença de um ministro militar?”, diverte-se um observador político.
Soldados preparam alambrados de segurança para a posse. FERNANDO BIZERRA JR EFE
Nada parece estranho no Brasil de 2018, pelo contrário. Por ora, 75% dos brasileiros apoiam as medidas que Bolsonaro adotou nesse período de transição, como mostrou uma pesquisa do instituto Ibope. O otimismo com a mudança de governo também contagiou as expectativas para a economia: 47% dos entrevistados para uma pesquisa do instituto Datafolha demonstram confiança em que a taxa de desemprego vai cair nos próximos meses, um recorde desde 1995. “É a lua de mel que vivem todos os novos governantes”, diz Claudio Couto, cientista político de São Paulo.
A dúvida é se essa euforia terá amparo na realidade a partir de 1º de janeiro e quanto tempo vai durar ao longo do Governo Bolsonaro. É a pergunta de um milhão de dólares que diplomatas de todas as nações que se relacionam com o Brasil se fazem desde que o ex-militar foi confirmado presidente em 28 de outubro. Bolsonaro teve 64 dias de ensaio do que será estar na posição mais alta da nação mais relevante da América Latina. Nestes dois meses ele se preocupou em enviar mensagens para satisfazer os desejos de seus eleitores e reforçar a imagem de líder popular antiesquerda.
Entre a campanha midiática para se apresentar como popular –com a exibição de fotos comendo pão com leite condensado ou lavando e estendendo a própria roupa–, lançou polêmicas como recusar que o Brasil seja sede da Conferência do Clima em 2019 (COP 25), como se esperava. Também demonstrou desprezo pelo Acordo de Paris, anunciou a intenção de mudar a embaixada do Brasil em Israel de Tel Aviv para Jerusalém e que o Brasil deve retirar-se do Pacto Global de Migração, assinado por 160 países.
Como um encantador de serpentes, Bolsonaro tem agigantado inimigos que muitas vezes são menores do que o que ele apresenta. Os imigrantes, por exemplo, representam 0,4% da população brasileira. Seu discurso, no entanto, procura coincidir com o de outros líderes de extrema direita, e também com o do presidente Donald Trump, que Bolsonaro deliberadamente imita. Os Estados Unidos aplaudem sua disposição, mas estarão representados na posse de Bolsonaro apenas pelo secretário de Estado, Mike Pompeo.
Para além do marketing, o novo presidente começa sob uma nuvem de suspeitas sobre a lisura que cobra de seus adversários, após a notícia de que um amigo seu, Fabrício Queiroz, ex-assessor de seu filho Flavio Bolsonaro, fez operações suspeitas com dinheiro, em um valor muito acima de sua renda. Queiroz trabalhou como motorista do filho do presidente eleito. Convidado a dar explicações ao Ministério Público, faltou três vezes, e já provocou uma campanha nas redes sociais com o “Onde está Queiroz?”.
Fora do Brasil, há um real incômodo entre os atores que dependem do país sobre como tudo se acomodará a partir deste 1º de janeiro. A percepção é a de que Bolsonaro ainda está preso à euforia do candidato vencedor, e não vestiu as roupas de presidente ponderado e conciliatório como deveria. “Quanto a tudo que disse, é um jogo de palavras para agradar a seus eleitores, e ainda teremos de ver quanto ele realmente vai pôr em prática”, diz um diplomata, preocupado com as empresas de seu país que estão no Brasil. A imprecisão de seus discursos já tem consequências, avalia Oliver Stuenkel, especialista em relações internacionais. “O custo que Bolsonaro gerou para a política externa já é enorme, especialmente na questão climática, que o Brasil poderia liderar”, diz Stuenkel, que transita entre diplomatas de todo o mundo.
Os ministros que nomeou se encarregaram de amplificar a incerteza, como a da Agricultura, Teresa Cristina, que propôs reduzir a fiscalização em frigoríficos de carne para que cada empresário faça seu próprio controle. Em outra frente, os 52 deputados eleitos por seu partido, o Partido Social Liberal, também deixaram no ar como serão as relações com o Legislativo. Os parlamentares, muitos dos quais assumem cargos públicos pela primeira vez, protagonizaram lutas internas e com seus adversários políticos, até mesmo com agressões físicas. Para marcar posição, as bancadas do PT e outro partido de esquerda, o PSOL, também constantemente atacado por Bolsonaro, decidiram não ir à cerimônia de posse do novo presidente. Um sinal que preocupa quando o Brasil precisa aprovar reformas urgentes, como a da Previdência Social.
O jogo começa de verdade a partir de agora e, sem um norte claro, Bolsonaro poderá perder força se seu estilo agressivo chegar a complicar a economia e afetar a parte que mais dói às pessoas comuns em qualquer parte do mundo: o bolso. A recuperação econômica é fundamental para que o presidente eleito continue no poder com o apoio inicial. Com o desemprego em 11,6%, o Brasil ainda se recupera de dois anos de recessão, com alta informalidade e expectativa de crescimento do PIB de pouco mais de 1,3% neste ano. O novo Governo tem uma sensível margem de manobra, em um país que congelou os gastos públicos por pelo menos uma década, e por um governo que visa reduzir o tamanho do Estado.
“O povo me elegeu porque quer menos Estado e mais mercado”, repete o novo presidente. Oliver Stuenkel vê aqui um paradoxo para os brasileiros. “Se a economia crescer, Bolsonaro se sentirá seguro, para não respeitar as regras do jogo”, diz ele. Seria algo como Trump nos EUA, com a diferença de que as instituições norte-americanas são muito mais fortes que as brasileiras. “É como se o crescimento da economia fosse perigoso para a democracia no Brasil”, adverte. Em outras palavras, a tolerância popular por mudanças nas regras do jogo democrático pode crescer se a economia estiver indo bem. Por enquanto, são exercícios de especulação sob uma percepção indesejável em relação a um Governo que começa agora.