Banco Central se mostra preocupado com alta do dólar e diz que ‘não hesitará em elevar a taxa de juros’ se julgar apropriado
Informação consta na ata da última reunião do Copom, realizada na semana passada, quando a taxa básica de juros da economia foi mantida estável em 10,50% ao ano. Além do dólar, BC se mostrou preocupado também com o impacto da alta de gastos públicos na inflação.
O Banco Central se mostrou mais preocupado com a alta do dólar, e seu impacto na inflação futura, e informou que “não hesitará em elevar a taxa de juros para assegurar a convergência da inflação à meta se julgar apropriado”.
A informação consta na ata da última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), realizada na semana passada, quando a taxa básica de juros da economia foi mantida inalterada em 10,50% ao ano. Foi o segundo encontro seguido de manutenção da Selic.
De acordo com o BC, os movimentos recentes de alguns dos condicionantes para a dinâmica da inflação, tais como as expectativas de inflação e a taxa de câmbio, com o dólar subindo fortemente nas últimas semanas, foram amplamente debatidos no encontro da última semana.
“Observou-se que, se tais movimentos se mostrarem persistentes, os impactos inflacionários decorrentes podem ser relevantes e serão devidamente incorporados pelo Comitê. Em função disso, o Comitê avaliou que o momento é de acompanhamento diligente dos condicionantes da inflação e de maior vigilância perante um cenário mais desafiador”, acrescentou o Banco Central.
De maneira geral, a taxa de câmbio pode ter influência nos preços domésticos em diferentes frentes, como por meio da importação de produtos e insumos ou mesmo pela equiparação dos preços praticados no Brasil com o mercado internacional. Juro mais alto, por sua vez, tende a inibir uma alta maior da moeda norte-americana.
O Copom também avaliou que há uma “percepção mais recente” dos agentes de mercado sobre o crescimento dos gastos públicos e a sustentabilidade do arcabouço fiscal vigente, a regra para as contas públicas, junto com outros fatores, e avaliou que isso “vem tendo impactos relevantes sobre os preços de ativos (como o dólar e juros futuros) e as expectativas (de inflação, que estão em alta)”.
Por conta disso, avaliou que as projeções de inflação para os próximos anos têm subido, e que o cenário atual é marcado por mais riscos, sendo “desafiador”. Acrescentou que o desenrolar desse cenário é importante para definir os próximos passos sobre a taxa de juros da economia.
“À luz desse acompanhamento, o Comitê avaliará a melhor estratégia: de um lado, se a estratégia de manutenção da taxa de juros por um tempo suficientemente longo levará a inflação à meta no horizonte relevante; de outro lado, o Comitê, unanimemente, reforçou que não hesitará em elevar a taxa de juros para assegurar a convergência da inflação à meta se julgar apropriado”, acrescentou o BC.
Como as decisões são tomadas
Para definir a taxa básica de juros e tentar conter a alta dos preços, no sistema de metas de inflação, o Banco Central olha para o futuro, e não para a inflação corrente, ou seja, dos últimos meses.
Isso ocorre porque as mudanças na taxa Selic demoram de seis a 18 meses para ter impacto pleno na economia. Neste momento, a instituição já está mirando na meta deste ano, e também para o segundo semestre de 2025 (em doze meses).
- – A meta de inflação deste ano, definida pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), é de 3% e será considerada cumprida se oscilar entre 1,5% e 4,5%;
- – A partir de 2025, o governo mudou o regime de metas de inflação, e a meta passou a ser contínua em 3%, podendo oscilar entre 1,5% e 4,5% sem que seja descumprida;
- – Na semana passada, os economistas do mercado financeiro estimaram que a inflação de 2024 somará 4,12% e, a de 2025, 3,98%. Ou seja, acima da meta central nos dois anos.
- – As previsões do mercado financeiro subiram em relação ao patamar vigente, por exemplo, há três meses atrás. No começo de março, a projeção dos analistas estava em 3,74% para a inflação de 2024 e em 3,50% para o IPCA do próximo ano.
- – Em março, o Banco Central estimou que as projeções de inflação do Copom em seu cenário de referência estavam em em 3,5% em 2024 e 3,2% em 2025. Já na última semana, o BC estimou uma inflação de 4,2% para 2024 e de 3,6% para 2025.
- – Com isso, as projeções dos analistas, e também do BC, estão se distanciando das metas centrais de inflação, fixadas pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), e se aproximando do limite superior da banda das metas de inflação.
- – O BC informou já estar olhando para seis trimestres adiante, tendo por base o sistema de meta contínua de inflação de 3%, ou seja, para o período de doze meses até março de 2026. Nesse caso, a inflação estimada está em 3,4% (com juros recuando ano que vem) e de 3,2% (com Selic estável durante todo período).
“O Comitê avalia que a condução da política monetária [definição dos juros] é um fator fundamental para a reancoragem das expectativas [de inflação em direção às metas] e continuará tomando decisões que salvaguardem a credibilidade e, consequentemente, reduzam o custo da desinflação. O Comitê não se furtará ao seu compromisso com o atingimento da meta de inflação e entende o papel fundamental das expectativas na dinâmica da inflação”, avaliou o BC, na ata do Copom.
Veja os recados do Banco Central
Na ata do Copom, que detalhou o que foi discutido na reunião da semana passada, quando os juros foram mantidos estáveis em 10,50% ao ano, o BC fez as seguintes avaliações sobre o cenário para a inflação:
1 – O BC avaliou que o cenário externo se mantém adverso. Segundo a instituição, os “fluxos de capital [entrada e saída de dólares nos países] refletem também um fenômeno global de aversão ao risco, que, a depender dos fundamentos de cada economia emergente, pressiona a taxa de câmbio com intensidade variável”.
2 – No caso dos Estados Unidos, as incertezas quanto ao ritmo da atividade econômica persistem, uma vez que, por um lado, os dados correntes sugerem resiliência, e, por outro lado, “observa-se uma desaceleração nos dados de emprego e as condições financeiras se mantêm apertadas por um período já prolongado”. Concluiu, porém, que “vislumbra-se um cenário de redução gradual da inflação e da atividade e um início cauteloso” de corte de juros nos EUA.
3 – Nos países emergentes, diz o BC, há cenário mais desafiador, mas há continuidade cautelosa do ciclo de queda de juros em alguns países e sua interrupção em outros. “As taxas de câmbio de países emergentes tiveram depreciação no período recente, refletindo um cenário mais desafiador para essas economias”, acrescentou.
4 – O BC repetiu que não há relação mecânica entre os juros nos EUA e a alta do dólar no Brasil com a definição dos juros, mas que isso depende dos “mecanismos de transmissão”, ou seja, como esses fatores impactam a inflação doméstica. Entretanto, avisou que um “cenário de maior incerteza global e de movimentos cambiais mais abruptos exige maior cautela na condução” da política para a taxa de juros no Brasil.
5 – Os dados de atividade econômica e do mercado de trabalho seguem com “maior dinamismo do que era esperado”, o que pode pressionar a inflação por meio dos preços dos serviços. “Com relação ao mercado de trabalho, ressaltou-se que o nível de ocupação, a taxa de desocupação e a renda vêm sistematicamente surpreendendo. O Comitê novamente avaliou que essas surpresas recorrentes apontam para elevado dinamismo do mercado de trabalho, que se mostra apertado”, avaliou.
6 – O BC reforçou a visão de que o “esmorecimento no esforço de reformas estruturais e disciplina fiscal [relativa às contas públicas], o aumento de crédito direcionado [BNDES, rural e habitacional] e as incertezas sobre a estabilização da dívida pública têm o potencial de elevar a taxa de juros neutra da economia” — ou seja, aquela necessária para conter a inflação sem impacto na atividade. Isso pode gerar um custo maior para reduzir a inflação, em termos de atividade econômica.