Árvore que veio da Lua cresce em Brasília há 36 anos
Carvalho canadense plantado na sede do Ibama é fruto de um experimento da Nasa, agência espacial americana, com sementes de cinco espécies, nos anos 1970. No Brasil, com a mesma origem dele, só há outro exemplar, no interior gaúcho
Uma árvore com pouco mais de 6 metros de altura destoa no Bosque da sede do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), à margem da L4 Norte. Além de ser a única cercada, ela é estranha à flora nacional e tem uma história singular, com ingredientes de ficção científica. Nativa da América do Norte, a Liquidambar styraciflua, conhecida popularmente como liquidâmbar, árvore do âmbar ou carvalho canadense, nasceu de uma semente enviada à Lua há pouco mais de 45 anos. Mas a origem dela e de suas irmãs é desconhecida por muita gente na capital, no país e no restante do mundo.
No fim da tarde de 31 de janeiro de 1971, a Apollo 14 decolou com os astronautas Alan Shepard, Edgar Mitchell e Stuart Roosa. Era a terceira missão lunar da Agência Espacial Norte-Americana (Nasa). Cinco dias depois, enquanto os dois primeiros caminhavam no satélite da Terra, o terceiro fazia testes com uma carga peculiar. Funcionário do Serviço Florestal dos EUA, ele carregava cerca de 500 sementes de espécies de flora para um projeto chamado The Moon Trees (As árvores da Lua). Ele avaliaria o efeito da gravidade zero e da alta radiação no processo de germinação e de crescimento das plântulas.
O Serviço Florestal dos EUA indicou Stuart Roosa para comandar o projeto e selecionou as sementes de cinco espécies para o experimento. O astronauta partiu na Apollo 14 com as sementes em seu kit pessoal, que ficou com ele quando orbitou a Lua no módulo de comando Kitty Hawk, em fevereiro de 1971. Roosa e as sementes deram 14 voltas na Lua. Todos voltaram à Terra em segurança.
As sementes germinaram em uma unidade do Serviço Florestal no estado do Mississippi. Renderam 450 mudas, distribuídas, em 1975 e 1976, como parte das comemorações do bicentenário do país. Uma delas cresceu no jardim da Casa Branca. A maioria seguiu para capitais estaduais e instituições de pesquisas espaciais, por todo os Estados Unidos. Fora dele, até onde se sabe, só o Brasil, a Suíça e o Japão receberam uma muda. Além da liquidâmbar do Ibama, há uma sequoia no município de Santa Rosa, no Rio Grande do Sul.
Imune a corte
A liquidâmbar chegou a Brasília em janeiro de 1980. No dia 14, em uma cerimônia oficial, representantes dos governos do Brasil e dos EUA plantaram a muda na sede do então Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal (IBDF). O exemplar cresceu no bosque do órgão que viria a ser rebatizado de Ibama. Mas, apesar do enredo fascinante, caiu no esquecimento até que, em 2011, para comemorar o Dia da Árvore, o Ibama decidiu reforçar a proteção à árvore da Lua. O instituto declarou-a imune ao corte, conforme prevê o Artigo 7° do Código Florestal Brasileiro, que garante a proteção incondicional a uma árvore reconhecida por ato do Poder Público, “por motivo de sua localização, raridade, beleza ou condição de porta-sementes”.
A pesquisa com as árvores da Lua teve fim com a germinação das sementes, ainda em solo norte-americano. Cientistas da Nasa consideram o resultado da experiência positivo, pois elas não diferem das árvores comuns. Dessa forma, as plantas lunares são, para a agência espacial, monumentos vivos em homenagem à missão Apollo. O então presidente Gerald Ford classificou-as como “símbolos vivos de nossas espetaculares realizações humanas e científicas”.
Doutora em engenharia florestal e professora de fisiologia no Paraná, Leila Maranho conhece o projeto The Moon Trees. “Quando estive no Kennedy Space Center (na Flórida), comprei um livro sobre os experimentos plantas. Eles chamam esse tipo de ciência de biologia espacial”, conta. A pesquisadora diz que as árvores da Lua deram grande contribuição para o estudo da botânica. “Os experimentos mostram que a gravidade não tem efeito sobre a semente, o que é controverso em nosso meio. Isso ainda não é uma verdade absoluta. São necessários mais experimentos.”
Na sede do Ibama, nenhum servidor sabe dar mais informações além daquelas contidas em duas placas colocada em lados opostos, ao pé da liquidâmbar. Aqueles que poderiam dar mais detalhes da doação e do tratamento dispensado à planta nos últimos 37 anos estão mortos ou aposentados, diz a assessoria do órgão. Ao menos, ela tem sido bem tratada pelos jardineiros terceirizados responsáveis pelo bosque e outras áreas verdes do imenso terreno da sede do Ibama.
Personagem da notícia
Do Serviço Florestal para o espaço
O norte-americano Stuart Roosa nasceu em 16 de agosto de 1933, em Durango, no estado do Colorado. Ele trabalhou para o Serviço Florestal dos EUA no início dos anos 1950, combatendo incêndios e, mais tarde, juntou-se à Força Aérea do país e se tornou um piloto de teste. A Nasa selecionou Roosa e outras 18 pessoas para o curso de formação de astronauta de 1966. Ele começou a carreira na Nasa como integrante da equipe de apoio da Apollo 9. Após a missão em que ele levou as sementes à órbita da Lua, Roosa foi piloto reserva de comando das Apollos 16 e 17. Ele ainda trabalhou no programa dos ônibus espaciais, até a aposentadoria como coronel da Força Aérea dos EUA, em 1976, época em que muitas de suas árvores estavam sendo plantadas mundo afora. O astronauta morreu em dezembro de 1994.
Do Correio Braziliense