Após 10 anos, homem consegue deixar o crack e se elege vereador
Aos 40 anos, Ibaru Barbosa foi forçado pela família a entrar em uma clínica de reabilitação. Hoje, luta para manter programas para dependentes químicos em sua cidade.
O crack foi o companheiro e, ao mesmo tempo, o martírio de Ibaru Rodrigues Barbosa por mais de 10 anos. “Minha rotina era levantar de manhã e já sair para fazer alguma coisa para arrumar dinheiro para o crack. Isso era fundamental”, lembra.
Aos 40 anos, foi forçado pela família a ir para uma clínica de reabilitação. Hoje, é vereador e luta para manter programas de desintoxicação em Cachoeirinha, na Região Metropolitana de Porto Alegre.
Ibaru chegou a traficar drogas por cinco anos e foi até o Paraguai para trazer entorpecentes para o Rio Grande do Sul. “Fiz isso três vezes”, conta, mas nunca chegou a ser preso. Nos últimos anos de consumo, já longe do tráfico, Ibaru diz ter “manipulado” quem estava a sua volta para conseguir dinheiro.
“A minha esposa me dava celular e eu vendia, trocava. Pegava cheque dos parentes, pedia dinheiro emprestado e não pagava.”
Em casa, ele driblava os olhos atentos da mulher, que reprimia o consumo. “Às vezes acontecia escondido. Meus filhos eram pequenos, e eu me escondia nos cantos e usava alguma substância. Minha esposa nunca tolerou isso, ela sempre me repreendeu.”
Então, ele procurava as ruas para usar drogas. “Eu já era um dependente em decadência, já no último estágio, praticamente, da dependência. Eu não era um mendigo ainda porque eu tinha onde morar, voltava para casa”, diz.
A desaprovação da mulher ao consumo também criava um problema para ele na época do tráfico. Onde guardar a droga para ser vendida? “Eu escondia, dava um jeito, colocava em outras casas. Eu tinha casas na vila.”
Ultimato
A saída das drogas veio com um ultimato da família: ou eles ou as drogas. Em um domingo, Ibaru foi procurado por suas irmãs após uma noite de consumo. “Uma irmã minha me disse: ‘nós viemos aqui para nos despedir de ti. Tu tens duas alternativas: ou tu aceitas uma internação ou nós vamos te abandonar'”.
Limpo há 14 anos, Ibaru ainda tem nítido na memória o pedido da família. “Eu disse assim, com toda a minha arrogância: ‘bom, se for para um spa, tudo bem, eu vou!”, lembra, entre risos.
Foram mais de nove meses na clínica, onde ele diz que reaprendeu a viver.
“Comecei a compreender as coisas como elas realmente são, porque, na verdade, eu nunca fui assim. Eu não tinha em mim, dentro de mim, sangue de ser bandido. Eu imaginava que eu estava naquele mundo ali e tinha que viver aquele mundo. Mas não era da minha índole. “
Tabaco aos 10 anos; crack aos 28 anos
O tabaco foi a primeira “droga” experimentada por Ibaru, ainda criança, entre 10 e 11 anos. “A minha tia era índia, enrolava cigarro para o meu tio e a gente ia caçar. Ali eu comecei.”
Com 14 anos, descobriu a maconha e, dois anos depois, a cocaína. “Eu sempre usava maconha associada a outras drogas. Maconha associada à cachaça, maconha associada à cocaína”, recorda.
Aos 25 anos, passou a traficar drogas. Em contato mais próximo com diferentes entorpecentes, passou a usar crack, consumo que perdurou até a internação, aos 40 anos.
Para ele, o uso do crack era marcado por uma mistura de sensações. No começo, lembra, o corpo era tomado pela euforia da droga e, depois, pela agonia.
“É exatamente uma euforia, uma pressa de queimar aquilo ali pra poder queimar mais. Querer queimar mais, e sentir aquela dormência. É difícil de explicar a sensação, de transformar em palavras o que o crack faz com a pessoa. É muito difícil”, diz o vereador.
“Eu me lembro do gosto, do cheiro da cinza na lata, eu me lembro da cenas, da maneira de acender, de segurar a lata, eu me lembro de tudo isso. Tenho tudo isso nítido no meu cérebro.”
Recomeço
Na clínica, Ibaru conheceu outro dependente químico, Vicente Pires, que anos depois se tornou prefeito de Cachoeirinha. Com a ajuda do amigo, conseguiu um emprego na prefeitura após três meses de reabilitação.
“Meu primeiro emprego foi de supervisor de iluminação pública. Em menos de um ano e meio virei coordenador de iluminação pública”, conta. Logo após, virou secretário de Obras e Serviços Urbanos, cargo que ocupou por 10 anos.
Em 2016, decidiu se candidatar a vereador de Cachoeirinha. E acabou eleito por 1.479 votos. Ibaru conta que resolveu disputar um cargo na Câmara Municipal para “batalhar” pela manutenção da primeira comunidade pública terapêutica da cidade.
Com a saída de Vicente como prefeito, temia pelo fechamento da estrutura. Hoje, o local opera abaixo da capacidade, como medida de contenção de gastos. São 30 leitos, e 19 estão ocupados.
Devido aos efeitos da droga no organismo, Ibaru faz exames anuais. “Sou uma pessoa de extrema saúde. Quando me internaram eu tinha 40, 42 kg. Hoje eu sou um homem de 94 kg.”
“A pessoa sai das drogas, mas a droga não sai da gente. Ela fica ali. O que a gente vive, pode até dizer, é passado. Mas, tanto as coisas boas quanto as coisas más, ficam com a gente. E a gente tem que saber lidar com isso, não tem outro jeito.”
Pedidos de internação
A história de Ibaru é apenas uma entre tantas. Segundo a Secretaria Estadual de Saúde (SES), mais de 12 mil pessoas foram internadas por dependência química no estado em 2016. Em 2015, eram 14.830, o que representa uma redução de 14% de um ano para o outro.
Conforme o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJ-RS), em dois anos foram mais de 6,2 mil pedidos de internações compulsórias para casos psiquiátricos. A maior parte, segundo o tribunal, são para dependentes químicos.
Em 2016, foram mais de 3,2 mil pedidos, enquanto que em 2015 houve outras 3.040 solicitações – um aumento de 5% de um ano para outro.
Porto Alegre libera a lista. Em dois anos, foram 1,2 mil pedidos de internação. Já em Caxias do Sul, na Serra gaúcha, foram mais 500 solicitações, enquanto em Passo Fundo foram 339 pedidos.
O juiz-corregedor Vanderlei Deolindo observou que não há “meio técnico” no sistema do tribunal para saber se os pedidos foram atendidos. “Quase totalidade das decisões é no sentido de determinar as reavaliações médicas e, consequente, as internações hospitalares ou tratamentos ambulatoriais.” As informações são do G1/RS.