A Fogueira das Vaidades: o livro que Moro não leu

Depois de resistir ao circo que se armou ao seu redor, Sérgio Moro dá mostras de que começa a ceder ao calor falacioso dos holofotes

“Vaidade de vaidades, tudo é vaidade!”

Está no Eclesiastes, aquele livro do Antigo Testamento que de vez em quando é citado por juízes e professores de Direito. Por que adoram citar a Bíblia? E por que o tema da vaidade? Deve existir alguma chave irônica nesse amor da magistratura pelo versículo. Vai ver é uma crítica interna. Ou um puxão de orelha nos juízes federais que dia a dia cedem ao calor falacioso dos holofotes.

Não dá para cometer aqui o pecado da generalização, mas às vezes assusta a insistência com que os homens da lei aparecem onde não devem para desempenhar papéis que não lhes cabem. Exemplo menor: Marcelo Bretas segurando faixa – com erro de português – entre os globais no Rio de Janeiro. Exemplo gigantesco: Sérgio Moro desfilando em diversos eventos sociais, incluindo a avant première de um filme em que é um dos heróis da história.

A Fogueira das Vaidades, do americano Tom Wolfe, é um romance que conta a história de várias figuras típicas da Big Apple na década de 80, entre os quais Sherman McCoy, corretor da bolsa de valores, e Peter Fallow, um jornalista bêbado que acaba de atingir a fama. Mas é nas páginas dedicadas ao carismático juiz Leonard White que o livro encontra o seu verdadeiro esplendor. O personagem faz algo que pode parecer estranho ao judiciário brasileiro: fala pelos autos. E tão-somente pelos autos.

Não devemos confundir o verdadeiro Leonard White, personagem do livro, com o juiz interpretado por Morgan Freeman na adaptação de 1990. Ainda que dirigido por Brian de Palma, o filme ficou aquém do romance. Freeman encerra o filme com um discurso cheio de frases edificantes que nada têm a ver com as ações do personagem original. Indiferente às câmeras e à espetacularização que se monta ao seu redor, o juiz Leonard White se limita a bater o martelo para encerrar o caso que movimenta a história.

Pois é o que se espera de uma personalidade como Sérgio Moro, que durante muito tempo conseguiu se preservar com o estoicismo de um Leonard White. De uns meses pra cá, porém, o excesso de exposição pública e certas declarações à imprensa acabaram por fragilizar a imagem necessária ao cumprimento das suas funções. Preserve-se, Moro. O Brasil já teve heróis carnavalizados demais. Precisamos apenas que a justiça seja feita.

Como diz o mesmo Eclesiastes que trata da vaidade, “todos os rios vão para o mar, e contudo o mar não se enche jamais”.

 

 

Por Maicon Tenfen da Veja

 

 

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