A Árvore e EU

Por Wilton Emiliano Pinto *

Há diante de mim uma árvore antiga, uma quase secular testemunha do tempo, que me observa como se carregasse em seu cerne todos os segredos do passado. Sua figura solitária, plantada no coração do pasto, parece narrar uma história que poucos podem ouvir. Está distante da casa, onde o terreno se estende em verde, tocado apenas pelo vento e pelas lembranças. Talvez tenha nascido de maneira casual, uma semente deixada ao acaso pelas vacas que, outrora, pastavam próximas ao quintal. Mas, ao longo dos anos, essa árvore se tornou muito mais que uma coincidência da natureza. Para mim, ela é um marco de tudo o que foi, de tudo o que ainda é. Quando eu era criança, com apenas dez anos, já a via assim: imensa, robusta, como se sua presença desafiasse o próprio tempo. Agora, aos 80 anos, olho para ela e percebo que, mesmo desgastada, sua essência permanece intacta, assim como as memórias que ela guarda.

Essa árvore ainda está lá, cravada na terra da fazenda da Mata, no povoado de Estulânia, distrito de Piracanjuba, Goiás. Não há mais  flores a adorná-la com cores vivas, nem frutos em abundância pendendo de seus galhos. Mas sua grandiosidade não depende disso. Ela carrega em si a força de quem viu muitas estações passarem, de quem testemunhou risos, silêncios e mudanças. Seu tronco, rugoso e marcado, é como um livro cujas páginas o tempo não consegue apagar.

Na minha infância, ela era o centro do meu universo. Sob sua copa generosa, eu me sentia protegido, como se ali o mundo não pudesse me alcançar. Era um refúgio onde as sombras frescas eram o bálsamo para os dias quentes. Eu corria em volta dela, escalava seus galhos com a ousadia de uma criança que desconhece o medo, inventava histórias e mundos onde tudo era possível. Seus frutos, pequenos e doces, eram tesouros que eu colhia com as próprias mãos. Cada mordida tinha o sabor da simplicidade, da felicidade pura que só a infância pode oferecer.

Hoje, ao observá-la, vejo mais que uma árvore. Vejo um reflexo de mim mesmo. Nós dois envelhecemos, carregamos as marcas do tempo. Seus galhos, que antes tocavam o céu em desafio, agora se curvam sob o peso dos anos, enquanto eu, embora firme, sinto os passos mais lentos. Seu tronco exibe cicatrizes que contam histórias de tempestades, secas e dias longos. As mesmas tempestades que eu também enfrentei, de maneiras diferentes, mas igualmente transformadoras.

A árvore me ensinou sobre o ciclo da vida. Quando seus frutos começaram a rarear, percebi que tudo na existência tem um ritmo, um momento de dar e outro de apenas ser. Ela não precisa mais oferecer frutos abundantes, porque já deu o suficiente. Hoje, ela permanece como guardiã do passado, um monumento que resiste ao tempo e à solidão.

Quando me aproximo dela, toco seu tronco com reverência. Sinto cada fissura como se fossem rugas de um velho amigo. Ali, diante dela, o tempo parece parar. Não somos mais apenas um homem e uma árvore. Somos dois sobreviventes, unidos por uma história comum. Compartilhamos não apenas o espaço físico, mas algo mais profundo, algo que transcende as palavras.

Sob sua sombra, que agora é mais rarefeita, lembro-me de tudo o que ela significou para mim. Ela me ensinou que a vida não é apenas feita de primaveras, de flores e de frutos. A vida é, também, sobre resistir às tempestades, sobre permanecer de pé quando tudo parece querer derrubar-nos. É sobre ser raiz, ser história, ser um abrigo, mesmo que apenas para si mesmo.

Cada vez que olho para ela, percebo que a conexão que temos não é apenas uma questão de memória. Ela é um lembrete constante de que o tempo pode levar muitas coisas, mas não pode apagar o que vivemos, o que sentimos, o que somos. Enquanto ela estiver ali, firme no pasto, continuará a contar nossa história para aqueles que quiserem ouvir, mesmo que em silêncio.

E assim, enquanto me despeço mais uma vez, sei que o tempo é implacável, mas não é invencível. Porque enquanto houver memória, enquanto houver essência, nós, a árvore e eu, continuaremos a resistir.

* Wilton Emiliano Pinto é Contabilista, Funcionário Público aposentado e gosta de uma boa prosa.

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